Arte: “A passagem”, do artista plástico e ilustrado Sergio Ricciuto Conte, www.sergioricciutoconte.com.br

A comunicação não violenta como atitude de valorização da vida e da cidadania

Segundo a equipe do Studoconsultoria, “as expressões de violência, sejam verbais ou físicas, acabam por ser aprendidas e apreendidas como resultantes de um processo de competitividade e dominação que estabelecemos entre nós, em nossas relações”

Por Equipe Studoconsultoria*

Muitas das situações de conflito que temos em nossas vidas no relacionamento com outras pessoas, e que se transformam em situações de violência, são originadas mais pela forma como apresentamos nossas ideias e as impomos, do que, efetivamente, pelas nossas diferenças de opinião. Com base nesse entendimento, o psicólogo Dr. Marshall Rosenberg desenvolveu o conceito de Comunicação Não Violenta (CNV), cujo objetivo é fazer com que cada um/a tenha a compreensão da realidade (observação), dos seus sentimentos ante essa realidade, das necessidades oriundas desse processo, e quais e como podem ser feitos os pedidos na perspectiva de ver resolvido o conflito.

Segundo Rosenberg (2006), a CNV tem como marco inicial o fato de que precisamos assumir que somos todos/as compassivos/as por natureza e, enquanto tal, entender que as expressões de violência, sejam verbais ou físicas, acabam por ser aprendidas e apreendidas como resultantes de um processo de competitividade e dominação que estabelecemos entre nós, em nossas relações. Tais características fazem com que tenhamos comportamentos violentos. Portanto, o que precisamos trabalhar nos processos de aprendizagem de nossas relações é agir com generosidade, empatia, compaixão, sem deixarmos de ser autênticos/as e verdadeiros/as com as pessoas e conosco mesmos/as.

Observação de avaliação, julgamento

Em face disso, é preciso que a pessoa esteja disposta a considerar atentamente a sua forma de comunicação, buscando verificar como estão resultando suas relações: se sob o signo da violência ou da não violência.

Para isso, segundo Rosenberg (2006), o primeiro componente da CNV nos convida a separar observação de avaliação e julgamento. Precisamos observar sem acrescentar nenhuma avaliação/julgamento ao que vemos, ouvimos ou tocamos e que afeta a nossa sensação de bem-estar. Esse é um pré-requisito para os demais componentes da CNV, se desejamos expressar de forma nítida e honesta para outra pessoa como estamos.

Ainda segundo o autor, observar é o ato de perceber o que está acontecendo em uma determinada situação que nos afeta, positiva ou negativamente, sem fazer nenhum julgamento ou avaliação. Toda observação gera um sentimento que pode mobilizar emoções positivas ou negativas. Nessa perspectiva, a observação é a descrição do fato ocorrido.

O segundo componente da CNV é um chamamento para a compreensão dos sentimentos que nos permeiam e também são resultantes em nossas relações.

De forma geral, costumamos ter dificuldade para nomear e falar sobre os sentimentos que temos. Esse obstáculo ocorre em face de que em nosso processo educativo as questões relacionadas aos sentimentos não foram tão trabalhadas como é necessário ou, por vezes, termos sido provocados/as a dar a seguinte resposta: está tudo bem!

Uma outra questão que atrapalha a compreensão sobre o que sentimos é que, em muitas situações, deixamo-nos conduzir pelos sentimentos dos/as outros/as, vivendo no patamar do que os outros/as acham.

Os sentimentos são a expressão da vida que pulsa em nosso corpo. Não seríamos humanos/as sem a presença dos sentimentos no cotidiano da nossa existência pessoal e comunitária. Por outro lado, para não ficarmos escravos/as dos sentimentos, temos que ter consciência quanto às consequências das nossas ações.

Para Rosenberg (2006), esse segundo componente da CNV nos convida a aprendermos a identificar, acolher e expressar os nossos sentimentos. Com isso, ele chama nossa atenção para o fato de que a forma como nos comunicamos nem sempre expressa o que efetivamente estamos sentindo, na verdade, constituindo, sim, uma opinião ou pensamento acerca do fato ocorrido.

Importante estarmos atentos/as para o fato de que os nossos sentimentos, de uma forma ou de outra, espelham as necessidades que temos. Aparece aqui o terceiro componente da CNV: as necessidades.

Rosenberg (2006) aponta que ao identificarmos nossas necessidades, estaremos aptos/as a buscar atendê-las, fazendo, assim, com que possamos nos satisfazer, ao mesmo tempo em que podemos melhor nos relacionar com os demais. É ter a possibilidade de reconhecer a necessidade que cada um e cada uma tem e que, por vezes, vem embutida nos sentimentos que carregamos, nas atitudes que temos ou nas palavras que expressamos.

Essa compreensão e esse entendimento oportunizam minimizar a existência de conflitos, para construir uma comunicação mais equilibrada e empática. Efetivamente, ao podermos demonstrar o que observamos, sentimos e necessitamos, chegamos ao quarto componente da CNV que é o pedido.

O pedido é a expressão daquilo que necessitamos e isso nem sempre é algo fácil. Segundo Rosenberg (2006), o pedido precisa ser feito de forma autêntica, deixando explícitas as suas necessidades. Desse modo, o seu pedido será atendido com empatia; em caso contrário, se for feito de forma a ser entendido como exigência, ameaça, culpa, punição, haverá grandes chances de o mesmo não ser atendido.

As ideias de Rosenberg (2006), acima apresentadas, provocam reflexões em relação à forma com a qual nos conectamos com o mundo, sobre como tecemos as nossas relações e, consequentemente, sobre como nos comunicamos com os nossos pares.

Ao abordarmos a temática da comunicação não violenta, pretendemos suscitar reflexões e despertar o/a leitor/a para a necessidade de promover o diálogo sobre a forma como estamos nos comunicando e sobre o potencial da CNV nesse processo.

Nessa perspectiva, comungamos com o que dizem Watzlawick et al. (1967) sobre alguns princípios relacionados ao processo de comunicação:

  1.     É impossível não nos comunicarmos. Nesse contexto, vale ressaltar que todo comportamento é comunicação. É fundamental compreendermos como nos comunicamos e as implicações desse processo em nossas vidas.
  2.       Segundo eles, “qualquer comunicação implica um cometimento, um compromisso; e, por conseguinte, define a relação [...] uma comunicação não só transmite informação mas, ao mesmo tempo, impõe um comportamento” (WATZLAWICK et al., 1967, p. 47).

Essas ideias contribuem para reflexões importantes sobre o nosso comportamento frente aos conflitos, cotidianamente, vivenciados. Se a forma mediante a qual estamos nos comunicando pode definir o tipo de relação que estabelecemos, e que ao mesmo tempo pode impor um comportamento, na perspectiva da CNV, precisamos, de fato, colocar em prática os quatro componentes indicados por Rosenberg (2006) – observação, sentimento, necessidade e pedido – como uma possibilidade de estabelecermos e/ou reestabelecermos o diálogo junto a nossos pares.

É nesse processo dialógico que esses quatro componentes poderão fazer sentido, e isso envolve, sobretudo, uma atitude de escuta empática. Para Rosenberg (2019), ouvir o que as pessoas necessitam, é uma grande dádiva, porque isso as ajuda a se conectar com a vida.

Ao observarmos os fatos, cuidando para não julgá-los, ao entrarmos em contato com os nossos sentimentos, ao aprendermos a comunicar as nossas necessidades em forma de pedidos e não como exigências, estaremos nutrindo as nossas relações com a proposta da CNV, que nos convida a um autoconhecimento.

             Temos assistido, cotidianamente, ao aumento da violência nas variadas formas que esta se manifesta e, muitas vezes, nos sentimos acuados/as, como se nada pudéssemos fazer. O medo nos paralisa e, como consequência, um quadro desastroso surge diante dos nossos olhos: o quadro da indiferença, que nos leva a um quadro ainda mais perigoso, em que as atitudes de violência passam a ser consideradas como ‘normais’.

             Assim, a indiferença pode ser a pior resposta que podemos dar às atitudes violentas. Nessa perspectiva, é salutar lembrar que, enquanto seres sociais, todos/as estamos envolvidos nesse problema, portanto todos/as temos responsabilidade quanto à solução do mesmo.

             Além de Rosenberg, outros/as ativistas deixaram um legado que nos permite refletir e fazer proposições mais assertivas sobre a cultura da não violência. 

Bassi (2019), ao analisar autobiografias de Gandhi, Mandela e Luther King, considera que as experiências e saberes desses líderes agregaram conceitos à cidadania, contribuindo para o respeito e a emancipação dos indivíduos.

Ainda de acordo com Bassi (2019), diante das sociedades cada vez mais complexas e diversificadas, pensar em cidadania na ótica desses ativistas é lançar luzes às formulações sobre o diálogo, a alteridade, e a não violência.

Alinhada às causas da cultura da não violência, faz-se imprescindível também reconhecer o legado deixado por mulheres, como Madre Tereza de Calcutá, Malala, Rigoberta Menchú, Monja Coen, Maria da Penha, dentre outras. Por meio da luta pelo direito e pela emancipação cidadã, essas ativistas nos convocam a enfrentar o medo, sobretudo, a agir diante das injustiças, como forma de nos posicionarmos frente à cultura da violência.

Rever a forma como nos comunicamos na perspectiva da CNV, contribui para o exercício de uma cidadania transformadora. Para tanto faz-se necessário o exercício da comunicação não violenta, uma vez que, conforme nos diz Rosenberg (2006), a CNV se baseia em linguagem e comunicação que fortalecem a capacidade de continuarmos humanos, mesmo em condições adversas. Ainda segundo o autor, não se trata de um conhecimento novo, portanto, faz-se necessário lembrar do que já sabemos de como nós, humanos, deveríamos nos relacionar com os outros.

O objetivo deste texto é suscitar o debate e reflexões sobre a prática da CNV no contexto das relações sociais, como uma atitude de valorização da vida e da cidadania. Esclarecemos, pois, que o mesmo não pretende ser ponto de chegada, mas pontapé de partida para muitos diálogos.

Perguntas geradoras

  1. Em que esse texto possibilita refletir sobre a forma como estamos nos comunicando no nosso dia a dia?
  1. Após tomar conhecimento de alguns aspectos referentes à CNV, vocês consideram que esta pode ser uma estratégia para melhorar as relações em casa, no sindicato, na igreja, no movimento social?
  1. Em que a CNV pode contribuir para a valorização da vida e para a promoção da cidadania?
  1. Como poderíamos nos organizar para conhecer mais a CNV, para exercitá-la em nossa comunicação no âmbito pessoal e coletivo nesse mutirão pela vida?

* José Ivaldo Araújo de Lucena, Jussara Mendonça de Oliveira Seidel, Maria de Lourdes de Almeida Silva, Vanildes Gonçalves dos Santos, Vicente Sérgio Brasil Fernandes, fazem parte do  www.studoconsultoria.com.br. Contato: studoconsultoria@gmail.com