Comunidade que Sustenta a Agricultura | O povo resiste criativamente, construindo alternativas de sobrevivência no campo e na cidade. Alternativas que, além de possibilitar seu sustento (“pão nosso de cada dia”), resgatam o verdadeiro sentido da economia (satisfação das necessidades materiais) e indicam caminhos de transformação da sociedade (economia a serviço da vida).
Por Padre Francisco Aquino Júnior | Portal das CEBs
O Estado brasileiro sempre esteve a serviço das elites. Para o povo, quando muito, sobra “bolsa” ou “auxílio”. E até isso incomoda nossa elite que sempre atribui as crises econômicas aos direitos trabalhistas e às políticas sociais: endivida o país, impede o crescimento… E sempre retorna com a mesma receita: acabar com os direitos trabalhistas, reformar a previdência, diminuir os gastos sociais… E as consequências são sempre as mesmas: precarização do trabalho, crescimento da pobreza e da miséria… Estamos vivendo mais um capítulo trágico dessa novela. Com o desmonte dos direitos trabalhistas e das minguadas políticas sociais, cresce assustadoramente os índices de pobreza e miséria no país. Dados oficiais do governo federal indicam que mais de 23% da população brasileira (cerca de 52 milhões de pessoas) vive em situação de pobreza ou de extrema pobreza. No Nordeste, mais de 40% da população vive nessa situação.
Mas é importante ver como o povo resiste criativamente, construindo alternativas de sobrevivência no campo e na cidade. Alternativas que, além de possibilitar seu sustento (“pão nosso de cada dia”), resgatam o verdadeiro sentido da economia (satisfação das necessidades materiais) e indicam caminhos de transformação da sociedade (economia a serviço da vida). São alternativas vividas de forma individual, familiar, comunitária, associativa. Elas existem em todos os cantos desse país. Basta pensar na agricultura familiar camponesa, no trabalho de catadores/as de material reciclável e nas mais diversas formas de produção, comércio e serviço nos centros urbanos.
Exemplo disso é o projeto “Meu quintal em sua cesta”, uma experiência de Comunidade que Sustenta a Agricultura (CSA), desenvolvido por famílias camponesas da Chapada do Apodi, no município de Tabuleiro do Norte – CE (às quais se juntaram famílias de outros territórios). Trata-se de uma experiência de comercialização direta de produção agroecológica entre agricultores/as (produtores-abastecedores) e co- agricultores/as (consumidores-sustentadores).
Desde 2016, a Caritas Diocesana de Limoeiro do Norte vem atuando junto a famílias camponesas nessa região em torno da problemática terra-água-produção. Foram implantadas 35 unidades de Sistema Bioágua Familiar (tecnologia de reuso de água: trata as águas cinzas e potencializa a produção de alimentos) em quintais com cerca de 300 metros quadrados. As famílias começaram a organizar feiras agroecológicas no território e a monitorar a produção. Em 2020, elas produziram em torno de 6,5 mil kg de alimentos, quase 6 mil kg de forragem e quase 500 kg de húmus de minhoca.
Com o início da pandemia, impossibilitando a realização das feiras agroecológicas, mas animadas com os resultados da experiência, as famílias deram mais um passo na organização e começaram o Projeto “Meu quintal em sua cesta” – Comunidade que Sustenta a Agricultura. Elas reúnem a produção (cada uma leva o que tem para comercializar), organizam cestas e vendem coletivamente aos co-agricultores (que não apenas compram/consomem produtos agroecológicos, mas colaboram com a agricultura familiar camponesa). O projeto começou no dia 19 de março de 2021 – dia de São José. Envolve 13 famílias de agricultores/as e 30 co-agricultores/as. Entre março e dezembro de 2021, comercializou 76 produtos, que varia de hortaliças e legumes (2.317,80 kg), a frutas (2.063,25 kg), alimentos processados (2.040 unidades), carnes (1.085,52 kg) e adubos orgânicos (339 kg), gerando uma receita de mais de 33 mil reais.
As dificuldades vão do acesso à terra e à água (até para o consumo!), embora a Chapada tenha as melhores terras e esteja em cima dos Aquíferos Jandaíra e Açu, à ausência de políticas públicas de incentivo e desenvolvimento da agricultura familiar camponesa. E a chegada de uma grande empresa do agronegócio, viabilizada por um programa do governo do Estado do Ceará para retomada da cotonicultura (produção de algodão), ameaça seriamente o território. Ela já adquiriu mais de 24 mil hectares, têm perfurado poços, utilizado veneno e desmatado grandes áreas, até com o uso do correntão, prática ilegal conforme o Código Florestal.
Mas as famílias estão animadas. Além do impacto positivo na renda familiar, o projeto tem mobilizado as comunidades na luta por água e na defesa de seu território e tem desenvolvido, em pequena escala, um modelo de economia agroecológica que promove o sustento das famílias e o potencial econômico da região, fortalece os vínculos familiares e comunitários, produz alimentos saudáveis, respeita e conserva o meio ambiente. E isso num município em que 38% de sua população vive em situação de pobreza e/ou extrema pobreza.
Viva a agricultura familiar camponesa!