Elio Gasda
31/01/2022

A liberdade de um indivíduo não é mais importante do que o bem coletivo. Atos individuais que ameaçam direitos coletivos, como a saúde, devem ser rechaçados. Proteger a saúde de todos é uma regra de convivência.

O uso de máscaras de proteção para prevenção da covid-19 é de grande importância em um cenário de crescente contágio | Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Por Élio Gasda | Dom Total

A pandemia acendeu muitos alertas. Escancarou diferenças, capacidades, bondades e maldades humanas. Riqueza e poder! Fraternidade e egoísmo. A humanidade nunca viveu tanto a tal “liberdade”, e ao mesmo tempo, experimentou tamanha servidão. Debates acalorados em meio a decisões a tomar. Liberdade com responsabilidade.

“A ética é a prática da liberdade” (Michel Foucault). O que é liberdade? Conforme sua etimologia grega, eleutheria, significa liberdade de movimento, liberdade do corpo e não da consciência ou do espírito. Na antiguidade, a expressão era mais política, referia-se ao cidadão homem livre na polis.

A modernidade conferiu o sentido de autonomia da razão e da vontade à liberdade. Quem não conhece o lema da Revolução francesa? Liberté! Egalité! Fraternité!

A liberdade individual, separada da igualdade e da fraternidade, ocupa o centro da sociedade contemporânea. Uma liberdade censurada por um vírus! Somos realmente livres? Somos quem realmente somos? Nossas decisões são fruto de nossa vontade?

A liberdade verdadeira está apoiada em um horizonte de sentido que ilumina nossa existência. Somos livres para que exatamente? “A liberdade não consiste na licença de fazer seja o que for, mesmo mal, contanto que agrade” (Gaudium et spes).

Perguntei a uma pessoa com deficiência intelectual sobre o que era para ela a liberdade. Recebi de pronto: “é ser livre para vida boa, vida plena”. E continuei, você é livre? – “Sim sou”! Faz o que quer? – “Não”. Por quê? – “Porque ainda sou grande”. “A liberdade verdadeira é um sinal privilegiado da imagem divina no homem” (Gaudium et spes). Existe em toda pessoa uma reserva de liberdade.

“Só na liberdade o ser humano pode se converter ao bem... Deus quis “deixar o homem entregue à sua própria decisão”(Eclo 15, 14). Exige, portanto, a dignidade do ser humano que ele proceda segundo a própria consciência e por livre adesão, ou seja, movido e induzido pessoalmente desde dentro e não levado por cegos impulsos interiores ou por mera coação externa (Gaudium et spes,17).

E o tal livre arbítrio? O livre arbítrio, segundo Santo Agostinho, é a capacidade que Deus nos dá para tomar decisões, inclusive aquelas que não estão de acordo com Sua vontade. Cabe a cada um decidir assumindo a responsabilidade por seus atos. Para Agostinho, a fonte do mal e do pecado está no uso incorreto do livre arbítrio. Deus não é o autor do mal. O autor do mal é o ser humano.

Deus sempre nos move para o bem. A liberdade plena é dom de Deus. Sua vivência exige a libertação de escravidões de ordem cultural, econômica, social e política que nos impedem viver em liberdade. A Verdade liberta (Jo 8, 32) para o amor. “É para a liberdade que Cristo nos libertou... vós fostes chamados à liberdade” (Gal 5, 1-13; 4, 26-31; 1Cor 7,22; 2Cor 3, 17).

O sentido da liberdade é o amor ao próximo: Ama e faz o que queres (Santo Agostinho). A prática da verdadeira liberdade exige uma conversão espiritual ao amor fraterno. A liberdade pessoal é sempre determinada pela justiça e pelo bem.

A liberdade é um bem comum. “Querer ser livre é também querer que os outros sejam livres” (Simone de Beauvoir). Toda individualidade deve ser protegida.

Não existe responsabilidade individual sem responsabilidade com a coletividade. Não há direitos absolutos sem justiça. A liberdade de um indivíduo não é mais importante do que o bem coletivo. Atos individuais que ameaçam direitos coletivos, como a saúde, devem ser rechaçados. Proteger a saúde de todos é uma regra de convivência.

A liberdade individual nunca é absoluta. É um direito legislado. A dimensão jurídica da liberdade possibilita as relações de convivência social. A liberdade individual não pode colocar em risco a vida e a saúde da coletividade.

A liberdade é o direito de sempre fazer o bem, nunca de contribuir com o mal. Ser vacinado é um direito que precisa ser exercido por todos para que o mal da pandemia seja derrotado. O Estado tem a obrigação de garantir o acesso universal e gratuito a esse direito. No Brasil, a vacinação de crianças é obrigatória desde a década de 70.

Vacinação é política pública a serviço de todos e não apenas de alguns privilegiados! A supremacia do bem público sobre o particular é princípio moral. “Vacinar-se é um ato de amor. E ajudar a fazer de modo que a maioria das pessoas se vacinem é um ato de amor. Amor por si mesmo, amor pelos familiares e amigos, amor por todos os povos. Vacinar-se é uma forma simples, mas profunda de promover o bem comum e de cuidar uns dos outros, especialmente dos mais vulneráveis” (Papa Francisco. Aos povos da América Latina, 18/08/2021).

Em tempos de pandemia, a vacinação é grande aliada da sua liberdade!

O que é liberdade para você?