O drama da ausência — de família, trabalho e moradia — em três autores das quebradas. A rua torna-se leito dos excluídos — e o sobreviver, uma epopeia cotidiana. Mas há flores nas fendas dos muros: a solidariedade e o encantamento da arte
Por Eleilson Leite | Outras Palavras
Compartilho a leitura que fiz de três livros: Viver dói, de Cristiano Augusto (Editora Alquimia, 2020); Sob o azul do céu – histórias das ruas, de Marcos Teles (Selo Povo, 2011) e Relato de um desgraçado sem endereço fixo, de Wesley Barbosa (Ficções, 2021). A análise conjunta dos livros se dá pela abordagem do flagelo dos que não têm onde morar e as tragédias pessoais e sociais que afligem jovens e adultos em situação de rua. Ainda que tenham esse traço comum, são três histórias bem distintas, de personagens também muito diferentes entre si como são os autores, embora todos sejam da periferia da zona sul de São Paulo.
Cristiano é um jovem de 25 anos, formado em Letras, professor da rede pública de ensino. É morador do Jardim Ângela onde atua no Sarau Apoema, entre outras ações culturais. Com veia empreendedora, criou sua própria editora, a Alquimia; Viver dói, é seu segundo livro. Marcos Teles passou dos 50; Sob o azul do céu é seu livro de estreia e, ao que me consta, o único até hoje. Ligado à música, Marcos é cantor da Banda Tecora e mora no Capão Redondo. Já Wesley Barbosa fez 32 anos em março. Há quase uma década vem se dedicando à escrita desde que conheceu o escritor Ferréz. Com apoio dele, Wesley publicou seu primeiro livro O Diabo na mesa dos fundos (Selo Povo, 2015). Seu mais recente lançamento é o romance Viela Ensanguentada (Ficções, 2022). Barbosa é de Itapecerica da Serra, município da grande São Paulo que faz divisa com o Capão Redondo, berço da literatura marginal paulistana e onde ele se fez escritor.
Por meio de três jovens – Valdir, Vander e Vinícius – os autores nos conduzem por histórias marcadas por violência, abandono, miséria e desespero, mas também de compaixão, solidariedade, amizade e superação. A busca por moradia e trabalho aliado a conflitos e desagregação das famílias formam a chave de leitura conjunta das obras nas quais o gosto pela leitura está presente em tons diferentes, mas em todas como um dado que agrega aos personagens um traço que os diferenciam de seus pares. Isso não resulta, necessariamente, em um benefício; para um deles foi o contrário.
Viver dói
O livro de Cristiano conta a história de Valdir, um jovem perto de seus 30 anos que vive numa casa minúscula aparentemente numa favela em uma região periférica. Ele divide a precária moradia com a mãe velha e adoentada a quem devota um intenso afeto. Há poucos personagens no entorno de Valdir na fase inicial da história. Ele vive de catar material reciclado nas ruas, trabalho que lhe proporciona uma renda que mal dá para pagar o aluguel a Dona Esmeralda, a proprietária do muquifo, comprar os remédios da mãe e algum alimento. Nessa vida ordinária e miserável ele nutre uma paixão por Tiffany, sobrinha da locatária.
Os capítulos do livro são identificados como retalhos. São 18 partes e ao final tenta fazer uma colcha por meio de um recurso narrativo ao estilo “moral da história”: um homem tão pobre que ajudou outros mais pobres ainda e que foi vítima de quem se beneficiou de sua generosidade. Cristiano tenta uma explicação filosófica sobre utopia e distopia e defende uma crença, segundo a qual, “existe uma cura para que ninguém precise sentir dor”. O livro não revela o antídoto.
O leitor fica perplexo em face das viradas e reviradas um tanto inverossímeis na vida do rapaz altruísta. Depois da morte da mãe, Valdir é obrigado a viver na rua. A geografia não fica nítida na história. Os espaços não são identificados, tampouco o tempo. Deduzi que a história se passa em São Paulo e que Valdir morava em algum local periférico e foi viver nas ruas do Centro. Depois de perambular a esmo, instala-se numa praça onde adormece exausto. Durante a noite seu carrinho é roubado. Ele que já havia perdido a mãe e a moradia, perde agora seu instrumento de trabalho. Conhece outros companheiros de rua: Mineiro, Eduardo, Sebastião e Alberto. Mineiro, cujo nome é Ismael, é o líder do grupo. Incrédulo, alcoólatra e temperamental, ele será o ponto dissonante na utopia traçada pelo autor sobre a generosidade humana.
Faminto e desesperado, Valdir é abordado por um homem que se sensibiliza diante de seu sofrimento. Peres, um jornalista aposentado, viúvo e solitário, nutre por Valdir um sentimento paterno. Encanta-se pelas esculturas que o rapaz faz com material reciclado recolhido no lixo. Começa lhe pagando uma refeição e depois vai aumentando as bondades. Traz o rapaz para morar em sua casa, lhe dá tratamento dentário, roupas, matricula-o na EJA. Valdir é grato pela ajuda, mas não se deslumbra com a nova vida. Visita os amigos da rua com os quais gostaria de dividir o que vem ganhando; todos ficam animados com sua nova vida, exceto Mineiro que o vê como traidor da causa.
Valdir passou a obter renda do seu artesanato de elevada qualidade artística. Tão elaborada eram suas peças que, por intermédio de Peres, foram objeto de reportagem de um importante jornal. A repercussão resultou num convite para exposição que foi um sucesso. No vernissage, fez questão da presença dos parças que vivem sob as marquises. Dona Esmeralda, que o despejou de casa, também foi convidada e apareceu um tanto constrangida e acompanhada de Tiffany. A glória se anunciava.
O mecenas de Valdir, porém, veio a falecer. Sem herdeiros diretos, Peres deixou seus bens para o jovem artista. No inventário havia alguma quantia no banco, uma casa e carro modestos, além de seu bem mais precioso: uma grande biblioteca. Os livros foram distribuídos entre os colegas da EJA. A casa ele deu par a Tiffany que vivia sozinha com dois filhos pequenos e com o dinheiro do carro ele ajudou Sebastião, Eduardo e Alberto a reencontrarem suas famílias. Mineiro recusou a ajuda e se manteve na rua, “onde só os fortes sobrevivem”, gostava de dizer com soberba.
Dona Esmeralda, que havia se mudado com a sobrinha para a casa do falecido jornalista, também morreu após um período de tratamento médico, cujos custos foram cobertos por Valdir. Confirmando a máxima segundo a qual não há nada que esteja tão ruim que não possa piorar, Valdir teve sua casa original, para qual havia voltado por conta da permuta com que fez com a casa de Peres, foi destruída pela Prefeitura num processo de despejo de ocupação irregular. Sem casa, foi procurar Tiffany e constatou que o cafajeste do ex-marido havia voltado a viver com ela. Não havia espaço para ele naquele lar.
Às vésperas de viajar para Curitiba, onde faria uma nova exposição, Valdir entra em desespero. A vida não fazia mais sentido para ele. No seu coração, porém, não havia ódio ou rancor, somente dor e tristeza. Foi tomado pela sensação de abandono em meio à vasta metrópole que lhe cercava. Voltou para praça que havia o acolhido. Agora não tinha mais nada que pudessem lhe tomar. Adormeceu sob a lua que se ocultava entre nuvens numa noite qualquer e neste cenário seu destino novamente será traçado, mas num outro plano.
Sob o azul do céu
A história contada por Marcos Teles é bem definida no tempo e no espaço. Começa em dezembro de 1979 e termina em fevereiro de 2000. A trama toda se passa nas ruas no entorno do Mercado Municipal, no Centro de São Paulo e no interior daquele estabelecimento em meio aos seus corredores estreitos e agitados. Vanderlício, um garoto de 13 anos começa a trabalhar ajudando a descarregar caminhões que abastecem o comércio da zona cerealista ou carregando sacolas dos compradores. Ali foi acolhido por outros adolescentes que se tornaram amigos pra a vida toda: Marcos, Tininha, Ziquita e Moema, uma turma destemida que chama a atenção pelo equilíbrio de gênero. O grupo lhe batizou de Vander.
Teles contextualiza a história que se passa no período em que o processo de redemocratização se inicia. Na TV se fala em democracia que, para os pobres, só faz sentido com direitos básicos assegurados: moradia, trabalho, educação, saúde e não só o direito de votar. É o que diz uma moradora da vila periférica onde Vander mora que foi entrevistada pela TV sobre o tema; a fala daquela lúcida senhora, porém, foi cortada da matéria, frustrando os vizinhos que se amontoaram no boteco para assistir à matéria no noticiário noturno.
Tão correto era o argumento da moradora que virou uma profecia anunciada. Março se aproximava com suas enxurradas. Numa delas, toda a vila onde morava Vander foi levada pela força das águas. Barracos e seus moradores foram arrastados morro abaixo. A família toda do garoto morreu na tragédia, confirmando o que disse a sábia senhora. E a TV que não mostrou a fala dela, fez uma vasta cobertura da desgraça que se abateu num bairro da periferia da zona sul de São Paulo.
Sozinho, Vander foi morar na rua com seus parças. Passou inúmeros perrengues; testemunhou assassinatos, conviveu com malandros, prostitutas, ladrões e bêbados. Mas o garoto também fez muitas amizades naquele território marginalizado do centro da cidade. Morou por um tempo num prédio abandonado, depois no vão de um viaduto, como se fosse um rato. No convívio cúmplice, a trajetória daquelas adolescentes vai se revelando. Tininha foi abandonada pela mãe que era prostituta e alcoólatra, como os pais de Marcos que morreram de hipotermia numa praça do Centro após um coma por conta de bebida. Órfão, foi parar na Febem onde conheceu Ziquita que, como ele, praticava atos infracionais pelas ruas. Já Moema fugiu dos pais que a obrigava a pedir esmolas e deles apanhava quando não lograva êxito como pedinte.
Nesse aspecto, Vander se diferenciava. Tinha família e casa. Muito pobre, mas tinha. O pai havia abandonado a mãe com vários filhos. Conheceu o Mercadão, pois vinha pegar restos de comida com os irmãos mais velhos. Uma vida muito difícil, mas em comparação com seus amigos, era quase um conto de fadas. Vander tinha o nível básico de letramento, gostava de livros, era trabalhador e sensível e com essa personalidade angariou muitos outros amigos, todos mais velhos.
Três dessas amizades foram fundamentais para ele organizar sua vida, passar pela juventude e chegar à vida adulta numa condição boa para os padrões de um trabalhador periférico. Uma delas foi Joana Preta, uma linda mulher negra que foi trazida de Diamantina por um malandro cafetão de nome Tarzan, cuja trajetória mereceu um capítulo no livro. Livre do cretino, Joana se estabeleceu longe da prostituição, salva por Dona Vera, “um anjo das ruas”, senhora que se dedica a ajudar as pessoas em situação de rua tentando suprir a ausência do Estado.
Outro amigão foi o Sr. Fausto, um “velhinho negro” que vivia nas ruas, tocando violão e cantando canções que embalaram a juventude de Vander. Já vivendo num cômodo sozinho, ele trouxe Fausto para dentro de casa. O velho cantador estava doente. Levado ao hospital certa vez, foi detectado que precisaria de uma transfusão de sangue. Por conta dessa necessidade, Vander descobriu um macabro mercado de ilegal de sangue organizado por mafiosos orientais instalados no bairro da Liberdade.
O trio de amigos se completou com o Sr. Franco, dono de um box de fruta no Mercadão do qual passou a ser funcionário. Vander, enfim foi registrado em carteira, depois de anos de ocupações precarizadas. Com o tempo, o patrão valorizou o empenho do jovem dando a ele a condição de gerente e depois de sócio. Vander, enfim, fez a vida no Mercado Central, como muita gente ao longo dos mais de 100 anos de existência do estabelecimento que é um marco da identidade paulistana.
Os adolescentes que cresceram com Vander, todos se deram bem. Moema e Tininha se tornaram profissionais da área social e participam de ações humanitárias internacionais. Ziquita foi morar no interior, onde tem plantações de mamão; Marcos seguia a vida de trabalhador urbano e formou família como Vander que casou com Samantha, uma menina do interior de São Paulo que conheceu nos corredores do Mercadão.
No dia 8 de fevereiro de 2000, toda essa turma se junta para comemorar o aniversário de 100 anos do Velho Fausto e ao fato de estarem todos vivos, inclusive o Trovão, um vagabundo de origem italiana que perambulava na Rua da Cantareira e tinha uma voz que justificava o apelido. Certa vez ele foi dado como morto devido a um mal súbito decorrente do consumo excessivo e permanente de álcool. O fato ocorreu durante um feriado prolongado e nenhum amigo se deu conta. Engavetado no IML por dois dias sem que ninguém viesse reconhecê-lo, seu corpo foi levado para autópsia. Quando estava prestes a ser cerrado, Trovão acorda e tem seu dia de Quincas Berro D’água.
Relato de um desgraçado sem endereço fixo
Wesley Barbosa define sua obra como uma novela, gênero pouco difundido no Brasil em termos de literatura. A novela estaria entre um conto e um romance, obedecendo um elemento que é rigoroso entre um e outro que é a ficção. E aí é que está a questão. O autor adianta em dois textos de apresentação o quanto tem de biográfico seu texto. Há também um poema que adensa essa introdução, além de fotos dele próprio que o retrata como andarilho nas ruas do centro com livros debaixo dos braços. Das 52 páginas do livro em formato de bolso, a história só ocupa 30. Lido a novela e todos os textos acessórios, ficamos com a nítida percepção de que Weley é uma persona um tanto autocentrada.
Na novela, Vinícius, alter ego do autor, é o centro de tudo e tudo em sua volta dá errado. Ele é um looser que, dado o gosto pela leitura, agrega um charme de intelectual, algo um tanto inusitado em vista do contexto de pobreza em que vive numa favela em bairro periférico. O autor não situa sua história no tempo e no espaço, mas, pelos paratextos é possível deduzir que se trata da cidade de São Paulo onde ele se desloca da periferia da zona sul para a periferia da região central.
Vinícius tem cerca de 19 anos e é um nem-nem: nem estuda, nem trabalha; concluiu o Ensino Médio e está desempregado. É o que as pesquisas de emprego chamam de desalentado, mas, par sua mãe e seu irmão mais novo, ele é um vagabundo mesmo. Os três vivem num cubículo. O pai dele abandonou a família. Dona Tereza teve que dar conta dela e dos dois filhos sozinha, traço social recorrente nas três histórias aqui comentadas, o que denota o quanto tal situação é também comum na vida real nas periferias, algo que pode ser comprovado estatisticamente pelo cadastro dos programas sociais de transferência de renda, como o extinto Bolsa Família.
A mãe de Vinícius trabalha como empregada doméstica. Ele e o irmão ficam em casa. A diferença é que o adolescente de 13 anos anseia por trabalhar; seu sonho é ser empacotador no mercado do bairro. Cheio de iniciativa, o menino se gaba de ter conseguido uns trocados ajudando na mudança de uma vizinha. Vinícius vê com desdém o ímpeto de seu irmão e ainda alega que ele não será remunerado pela mulher, esposa do pastor, tida como caloteira na quebrada. Essa postura cria uma tensão permanente na casa. Dona Tereza vive a cobrar enfaticamente seu primogênito que passa o dia lendo e escrevendo compulsivamente. O sonho dele é se tornar um escritor, algo que, de certo modo, já julga ser, mas para a mãe ele é um vadio incorrigível.
O fato é que a situação fica insustentável e Dona Tereza se vê na obrigação de colocar o rapaz para fora de casa. Resignado, Vinícius caiu no mundão carregando mais livros do que roupas e na sua mochila. Chega na região central e passa por uma situação laboral semelhante a que teve Vander e, assim como Valdir, viveu na rua. Conheceu um português que lhe apoiou dando trabalho e a indicação para procurar a Pensão da Dona Martha, onde enrolou o que pode a proprietária a quem dizia ser funcionário de uma empresa. Mas ele passava o dia na biblioteca pública lendo literatura russa.
O último capítulo da novela se passa todo na pensão e é muito bem escrito. É perceptível a influência dos escritores russos no texto, especialmente Tchekhov, dada a capacidade de síntese que demostra ter para caracterizar personagens com os quais convive na espelunca. São três os moradores que interagem com Vinícius. Um é o José Amaral, um motorista de ônibus corpulento, com corte de cabelo típico de policial, “olhos negros e pequeninos”. Há o Martins, um estudante universitário que não trabalha, mas é mantido pela família que mora no Interior. Completa o elenco da novela a faxineira Maria Helena, uma mulher quarentona que se vestia como uma periguete e se insinua para o rapaz.
A Dona Martha ele não descreve o perfil físico, mas numa passagem muito emblemática Wesley, com esmero narrativo, nos permite imaginar como ela é: “Martha, proprietária do local, estava recostada em sua janela de ferro me lançando um olhar questionador, provavelmente pensando em uma maneira de se ver livre de mim, ou me despejar do quartinho que ela tanto zelava de uma maneira que despertasse o bem-estar aos olhos de seus inquilinos”.
Vinícius vai enrolando Dona Martha, conseguindo se safar do despejo em virtude da pontualidade dos demais moradores da Pensão que acobertam tacitamente o inquilino inadimplente. Segue sem emprego, nem endereço fixo, passando o tempo na biblioteca e enchendo a mochila de escritos que um dia hão de ser publicados e lidos. Enquanto isso ele se via diante do “demônio” do atraso: três meses sem pagar o aluguel.
Até no lixão nasce flor
Como dito no início, as histórias aqui comentadas têm traços comuns embora sejam contextos e personagens bem distintos entre si. São histórias de ausências (família, trabalho, moradia); três tragédias, e uma esperança. Só um deles pode dizer que a favela venceu. Vander, de menino de rua biscateiro, virou trabalhador assalariado, gerente e patrão quando passou a ser sócio de um box no Mercadão que é um bom negócio. Constituiu família e manteve os amigos por perto, todos eles com vida resolvida.
Vinícius teve um caminho inverso. Teve uma infância pobre, mas debaixo de um teto sob os cuidados da mãe e em companhia do irmão. Um núcleo familiar que foi esfacelado em virtude da falta de trabalho para a juventude periférica e do excêntrico gosto por leitura do rapaz desempregado, hábito que o distanciava dos desafios e responsabilidade da vida real e dos amigos também que o considerava maluco. Expulso de casa, viveu como adulto aquilo que Vander passou na adolescência. Ele tem um sonho, mas parece inerte diante dele.
Valdir conseguiu fazer o giro de 360 graus; literalmente voltou para o ponto de partida e pior do que estava. Vivia num cômodo e cozinha alugado na periferia junto com a mãe que faleceu. Trabalhava por conta como catador de reciclado; foi despejado. Viveu nas ruas do centro. Conheceu uma pessoa que o tirou dessa situação lhe dando casa, comida, roupa lavada, estudo e profissão de artista. Herdou a grana do mecenas que subitamente morreu; distribuiu o dinheiro entre os desvalidos; deu a casa para a garota que amava e voltou para a quebrada de onde foi despejado pela Prefeitura retornando às ruas, sem família, moradia, trabalho e o amor de sua vida.
As trajetórias de Vander, Vinícius e Valdir parafraseiam a tese de Engels na qual o parceiro de Marx discorreu sobre a origem da família, da propriedade privada e do Estado, demonstrando serem esses os três pilares que sustentam a sociedade capitalista. As histórias que lemos aqui, por sua vez, demonstram como a ausência desses princípios inviabiliza a vida de um jovem pobre da periferia. Mas, as mazelas narradas trazem também um lampejo de encantamento por meio da arte.
Vander gostava de ler. Valdir era artesão e teve suas esculturas em material reciclado reconhecida pelo circuito de arte. Já Vinícius não teve na novela o destino que almejava, mas Wesley, seu criador, se tornou escritor talentoso e prestigiado, descoberto que foi pelo consagrado Ferréz, cuja origem se assemelha a dele. São histórias que demonstram que a arte é como aquela flor capaz de nascer na fenda do muro ou no lixão como diz o Racionais MC’s. Ela é a nota de esperança em meio à tragédia em aliteração: Vander, Valdir e Vinícius.