Camponeses foram torturados e assassinados pela polícia militar em Rondônia
Mais um caso de violência no campo foi registrado no último sábado, 28 de janeiro, em Rondônia. Dois camponeses foram assassinados e outro ficou baleado durante uma ação da Polícia Militar (PM) e de pistoleiros no Acampamento Tiago Campin dos Santos. O acampamento fica localizado nas Fazendas Arco-íris e NorBrasil no distrito de Nova Mutum em Porto Velho (RO). Segundo a advogados que ouviram as famílias, os policiais estavam sem identificação em seus uniformes e acompanhados da pistoleiros da fazenda.
A área ocupada por famílias camponesas sem terras desde 2020 pertence, supostamente, a Leme Empreendimentos, empresa de propriedade de Antonio Martins, conhecido como Galo Velho. Antônio Martins é o principal líder de uma organização criminosa que lucra milhões com a grilagem de terras. Segundo a operação Amicus Ragem (em latim, amigos do rei) a organização criminosa liderada por Galo Velho lucrou mais de R$ 330 milhões com grilagem de terras em Rondônia entre 2011 e 2015. Ele contava com a ajuda do juiz federal Herculano Martins Nacif, com ações judiciais fraudulentas de desapropriação de terras e indenizações com valores superestimados.
Em novembro do ano passado, mais uma operação da Polícia Federal (PF) havia desarticulado uma milícia rural formada por militares e policiais civis envolvidos em assassinatos de lideranças camponesas no estado. Ao todo foram 32 mandados de prisão, cinco ações de busca e apreensão e um afastamento de função pública. Segundo o jornal Brasil de Fato, os investigadores descobriram, desta vez, uma movimentação, por parte da milícia de R$450 milhões, valor 30 vezes maior do orçamento da Polícia Militar no estado para 2022. Os assassinatos do dia 28 de janeiro mostram que houve uma rearticulação da milícia rural mais poderosa do país.
Horas de horror
O relato é de que os camponeses Rodrigo Hawerroth e Raniel Barbosa Laurindo foram rendidos pela milícia rural na manhã do dia 28, por volta das 7 horas da manhã, quando os acampados se mobilizavam para alcançar às pessoas e alimentos para a área da frente da fazenda, utilizando o rio Cutia. Essa área da fazenda havia sido ocupada pelas famílias camponesas no dia 21 de janeiro. A advogada relata que a área produtiva das famílias, desde a ocupação, está localizada em uma área da fazenda onde é necessário rodar mais de 100km, sendo o acesso pela BR 364.
“Os camponeses rendidos foram torturados, as marcas estão em seus corpos, tendo o Rodrigo apresentado hematomas no corpo e rosto condizentes com coronhadas de armas, corte na boca, olho furado e língua cortada – fato que não sabemos se será constado no laudo cadavérico – não conseguimos fotos do corpo do Raniel. Somente após muitas torturas, os camponeses foram executados e houve rajada de tiros de fuzil no lugar”, aponta o relato dos advogados. O camponês Kenedy conseguiu fugir, mas também foi alvejado e está no hospital João Paulo II.
Logo após a tortura e o assassinato dos camponeses, os milicianos cercaram as famílias, onde estavam crianças e mulheres grávidas. Mesmo assim, os policiais começaram a “atirar de bala de borracha, jogar bomba de efeito moral, crianças foram atingidas e apresentaram reação de sufocamento. Há camponeses com marcas de hematomas por balas de borracha”, denunciam os advogados.
O atentado seguiu até que um homem identificado como Tenente Coronel Pontes determinou a saída das famílias. Houve tentativa de separar homens, mulheres e crianças, mas houve resistência. As famílias foram bloqueadas de acessar o Barracão de Máquinas, prédio localizado na área recém ocupada. “A polícia destruiu todas as barracas que estavam dentro do Barracão e foi possível avistarem a retirada e apropriação de seus pertences como celulares, dinheiro e outros pelos policias e pistoleiros”, diz outro trecho do relato dos advogados.
“Alguns camponeses foram levados para a sede da fazenda e ameaçados. Há relatos de agressão física por parte da polícia e pistoleiros, sendo que muitos camponeses detidos na sede da fazenda só foram soltos quando advogados estiveram no local”, apresenta outro trecho.
Até o momento as famílias ficaram acampadas na área externa de uma lanchonete próxima a fazenda. Há relatos de viaturas de policiais e pistoleiros seguidamente rondando o local, afim de amedrontar ainda mais as famílias. No dia 30, as famílias saíram das margens da BR e foram para a Vila Alípio de Freitas, localizada dentro do Acampamento Tiago Campin dos Santos. Importante salientar que os advogados que estiveram com as famílias não foram identificados por questão de segurança.
Houve violação dos direitos humanos
Em nota de repúdio assinada pela 6ª Semana Social Brasileira, da Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil (Cepast-CNBB) e várias organizações que integram a Campanha Permanente contra a Violência é informado que o ocorrido é o contrário da decisão do Supremo Tribunal Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828 que determina que todo e qualquer despejo precisa ser dialogado e organizado.
“Todo esse histórico de violência e ilegalidades supostamente praticadas por milicianos e autoridades públicas do estado de Rondônia caracteriza situação de grave violação de direitos humanos, ensejando atuação da Polícia Federal nas investigações sobre os assassinatos ocorridos em 28 de janeiro de 2023, bem como, nas investigações dos crimes praticados em datas anteriores”, requer, em nota, a Campanha.
A Campanha ainda solicita que os Ministérios da Justiça, dos Direitos Humanos e do Desenvolvimento Agrário apurem os fatos narrados das famílias camponesas do Acampamento Tiago dos Santos. Segundo a nota da Campanha o aumento de violência no campo no estado de Rondônia é resultado da política de morte de Bolsonaro.
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