“Não sabemos como se faz a mudança geracional, não temos manuais que nos indiquem o caminho, mas estamos certos de que disso depende a continuidade dos movimentos”, escreve Raúl Zibechi, jornalista e analista político uruguaio, em artigo publicado por La Jornada, 25-08-2023. A tradução é do Cepat e publicado no IHU.
Eis o artigo.
O ciclo de lutas que Immanuel Wallerstein batizou como revolução mundial de 1968 foi basicamente um gigantesco movimento juvenil suficientemente forte para transformar o sistema-mundo. Estendeu-se das ruas da Cidade do México às de Paris, das florestas do Vietnã aos bairros operários de Córdoba, das universidades dos Estados Unidos às avenidas de Pequim e Praga.
Não deixou autoridades em pé, porque foi também um movimento contra a ordem estabelecida, rompendo da disciplina fabril fordista aos muros dos hospitais psiquiátricos, da ordem familiar patriarcal aos centros de estudo. As burocracias socialistas pós-revolucionárias e as classes dominantes ocidentais foram abaladas por várias ondas de rebeldia juvenil.
Meio século depois daquele intenso ativismo juvenil, as coisas mudaram radicalmente. Milhões de jovens apoiam o ultradireitista Javier Milei, na Argentina, muitos outros fizeram uma guinada, em seu momento, em favor de Bolsonaro, contra o governo chavista da Venezuela, em favor da direita equatoriana, nesses dias, e das forças retrógradas em muitos outros países do mundo.
É verdade que muitos jovens se mobilizaram nas revoltas do Chile, Colômbia, Equador, Nicarágua e Peru. Portanto, não se deve pensar que toda a juventude passou para a direita. No entanto, as alas dos movimentos populares, com a notável excepção dos antipatriarcais, já não contam com a presença em massa de jovens. Sim, mobilizam-se ocasionalmente, mas sentimos falta de sua presença em espaços organizados de forma estável.
Isto nos traz dificuldades nas resistências anticapitalistas, porque o impulso juvenil, durante muito tempo, foi a força material e cultural mais importante, a que permitiu a renovação das forças antissistêmicas.
É evidente que as deserções juvenis da luta contra o capitalismo estão em grande parte relacionadas às políticas criadas pelo Banco Mundial, o FMI e a direita global, que oscilam entre a cooptação dos movimentos e a confusão generalizada, inventando absurdos como a mineração verde e sustentável. O consumismo e as redes sociais atraem e distraem até mesmo aqueles que são prejudicados pelo sistema.
Contudo, uma parte da deserção juvenil é de nossa responsabilidade, que estamos na resistência ao sistema hegemônico, pois não escutamos as gerações jovens, não nos esforçamos para compreendê-las e nem aceitamos suas maneiras quando se envolvem nos movimentos. Parece-me necessário abordar, ainda que resumidamente, os modos de fazer adotados pelos movimentos antissistêmicos que afastam os jovens das organizações.
O primeiro é a domesticação do campo popular e anticapitalista, seja por se ter aderido às instituições ou por se prender a um progressismo que nada mais fez do que legitimar a dominação. Se todos os problemas serão resolvidos pelo Estado, segundo as correntes majoritárias nas esquerdas, qual é o sentido de se organizar para resistir e mudar o mundo?
O segundo problema é a persistência do patriarcado em nossos espaços, em nossas atitudes e estilos de organização, que sempre provoca o distanciamento das mulheres e jovens mais críticos. O anticapitalismo está entrelaçado com a luta contra o machismo e o racismo, no entanto, em muitas organizações, são os homens brancos e mestiços, acadêmicos e de classe média que tomam a palavra sem escutar, nem considerar outras culturas políticas.
O terceiro é a pouca ou nula rotatividade nas responsabilidades, algo que ainda caracteriza os partidos e sindicatos que, durante décadas, mantêm os mesmos nas lideranças. Concentram o saber e se tornam caudilhos intocáveis, como vemos nas forças progressistas que, há mais de duas décadas, permanecem com os mesmos dirigentes.
O quarto é a desconfiança em relação aos modos como os jovens e as mulheres antipatriarcais se comportam nos movimentos. É claro que agem à sua maneira, que podem cometer erros, mas isso não pode ser sinônimo de lhes negar a possibilidade de assumir tarefas. Por acaso, nós, sessentistas, muitas vezes, não erramos feio?
O último, embora haja mais, é a incapacidade dos veteranos em transmitir adequadamente sua experiência. Não se trata de pronunciar discursos enfadonhos, mas de dar o exemplo. Muitos não estão mais na resistência, mas querem continuar dando ordens, sentem uma desagradável superioridade moral e se esqueceram da autocrítica, o que os impede de se relacionar de igual para igual com os jovens.
Não sabemos como se faz a mudança geracional, não temos manuais que nos indiquem o caminho, mas estamos certos de que disso depende a continuidade dos movimentos.