Enquanto o STF não retoma o julgamento da tese, o Projeto de Lei 2.903/2023 foi aprovado na quarta-feira pela Comissão de Agricultura e Reforma Agrária e agora segue para a Comissão de Constituição e Justiça.

A reportagem é de Leanderson Lima, publicada por Amazônia Real

A bancada ruralista no Senado avançou com o projeto de marco temporal das terras indígenas na quarta-feira (23). Por 13 votos a 3, os senadores que controlam a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) aprovaram o Projeto de Lei 2.903/2023 (antigo PL 490), tema que já está em discussão – oito vezes adiada – no Supremo Tribunal Federal (STF). O texto, cuja relatora é a ex-presidenciável Soraya Thronicke (Podemos-MS), segue para apreciação pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), de onde pode ir para votação no plenário, sob protestos dos indígenas e outras lideranças.

Ainda não há uma definição de datas para a avaliação do PL na CCJ ou a retomada do julgamento do marco temporal no STF. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), sinalizou que deve esperar uma decisão da mais alta Corte do Judiciário para liberar a votação na Casa que preside, informa o jornalista Ricardo Noblat. Pacheco é cotado para a vaga da ministra e atual presidenta do STF, Rosa Weber.

A tese do marco temporal estabelece que só podem ser demarcados os territórios indígenas ocupados até a promulgação da Constituição de 1988. Tanto o PL que tramita no Congresso quanto o caso discutido no STF estão sendo mobilizados por forças conservadoras, incluindo o setor ruralista e invasores de terras (como madeireiros, grileiros e garimpeiros). A aprovação na CRA, assim, era algo mais do que esperado por lideranças indígenas.

“Não sabemos quando vai ser pautado na CCJ. Estamos mobilizando as nossas regionais para que em uma possível entrada de pauta (no Congresso), possivelmente estará indo delegações para Brasília”, disse o coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e representante da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), Dinamam Tuxá, à Amazônia Real, logo após a votação na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária.

“Tem os interesses do latifúndio, tem os interesses da bancada ruralista pela pressa e aprovação para além de uma disputa de egos que o parlamento brasileiro está colocando no confronto com o Poder Judiciário, por conta do julgamento do marco temporal”, pontua o também coordenador-executivo da Apib e representante da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Kleber Karipuna. “Há um interesse também de passarem o projeto para exploração, ampliação e devastação dos territórios indígenas, principalmente no olhar relacionado ao agronegócio brasileiro.”
Dinamam Tuxá e Kleber Karipuna avaliam que a bancada ruralista está “com uma pressa de apoiar e de aprovar esse projeto”, mas há um comprometimento do próprio Rodrigo Pacheco de esperar pela decisão do STF. E ressaltam que pelos pontos críticos sinalizados no PL 2.903/2023 seria obrigatório que esse debate passasse por mais comissões, principalmente as de Direitos Humanos, de Meio Ambiente, de Direitos Humanos e de Participação Social.

Para Kleber Karipuna, não há motivos para tanta pressa. “Não tem cabimento. O Senado Federal sempre foi sensato. Poderiam muito bem aguardar pelo menos a decisão do mérito do STF em relação à questão do marco temporal”, disse. Ele alerta que é preciso garantir a continuidade da demarcação de terras indígenas, bem como também garantir as indenizações dos produtores que, por ventura, tenham que sair das terras indígenas homologadas.

“Infelizmente o parecer da relatora (Soraya Thronicke) foi apenas um copia e cola do projeto 490 que veio da Câmara dos Deputados para o Senado e ainda a rejeição de todas as emendas apresentadas é, de fato, uma sinalização do lado deles que não querem dialogar, não querem debater”, analisa a liderança indígena do povo Karipuna.

Aprovação na CRA


A senadora Soraya Thronicke rejeitou dez emendas apresentadas por colegas. A relatora disse estar “convicta de que a data da promulgação da Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988, representa parâmetro apropriado de marco temporal para verificação da existência da ocupação da terra pela comunidade indígena”. Thronicke ainda recomendou a aprovação do relatório do mesmo jeito que ele veio da Câmara.

A ex-ministra da Agricultura de Bolsonaro, senadora Tereza Cristina (PP), também se manifestou, pelo Twitter, sobre a aprovação do PL no CRA dizendo que é um “passo para a pacificação”. Para a senadora, o PL vai trazer segurança jurídica para todos os lados, produtores rurais e indígenas, inclusive mais tranquilidade para o governo. “Já debatemos esse assunto de forma exaustiva. Lembro que esse projeto está sendo discutido há mais de 16 anos no Congresso Nacional. É hora de virar a página e começar a cuidar da saúde, educação, produção e bem-estar dos indígenas, inclusive com previsão de recursos para compra de terras onde eventualmente seja necessário. Temos também de ouvir o que os indígenas querem”, escreveu.
Na quarta-feira, houve uma audiência pública interativa, antes da reunião em que a CRA aprovou o PL do marco temporal no Senado, para debater o assunto. Entre as participantes estava a presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana. Ela denunciou os retrocessos que o PL representa, inclusive contra cláusulas pétreas da Constituição Federal de 1988.

“Estamos debatendo aqui a validade da Constituição Federal, aprovada nesta Casa, que traz questões fundamentais para a segurança e a proteção da vida dos povos indígenas. Então, discutir o PL 2.903/2023 é fazer valer ou não a nossa Constituição. A proteção aos povos indígenas é considerada direito fundamental, são cláusulas pétreas, amplamente reconhecidas e garantidas em diversos julgados“, pontuou a presidenta da Funai.

O organização Observatório do Clima chamou o PL 2.903/2023 de “PL do Genocídio” e lembrou que o texto aprovado na CRA, “flexibiliza todo o uso das terras indígenas e inviabiliza, na prática, as demarcações (…) permite contestar demarcações em qualquer momento do processo, decretar a suspeição de antropólogos no exercício de seu trabalho, arrendar terras indígenas, instalar nesses territórios atividades impactantes sem consulta prévia e até reverter homologações já feitas”. O projeto, lembra o Observatório do Clima, “permite à união retomar ‘reservas indígenas’ caso se verifique ‘alteração dos traços culturais’ da comunidade – um dispositivo racista que fede às teses de ‘integração do índio’ da ditadura militar”.

Última movimentação


Rodrigo Pacheco tem o poder de paralisar a tramitação do “PL do Genocídio”, como chama o Observatório do Clima. Mais propenso a negociações com o governo federal, o presidente do Senado adota uma postura pacificadora em torno de questões polêmicas, diferente do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Na noite de 30 de maio, Lira colocou a pauta em votação, e ainda afirmou haver uma falta de liderança do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para encontrar uma solução para essa questão. O então PL 490 foi aprovado com 283 votos favoráveis e 156 contrários dos deputados federais, debaixo de muitos protestos de indígenas de todo o País.

No STF, o julgamento do marco temporal teve início no ano de 2021 e foi paralisado, pela oitava vez, quando o placar estava em dois votos a um. O relator Edson Fachin e o ministro Alexandre de Moraes se manifestaram contra o entendimento da existência de um marco temporal para as demarcações de terras indígenas, e Nunes Marques, indicado por Jair Bolsonaro, a favor.
Em junho, André Mendonça, outro ministro indicado por Bolsonaro, pediu vistas no julgamento. Na sequência, Mendonça apresentou uma questão de ordem para saber se poderia participar do julgamento, já que havia atuado sobre ele como advogado-geral da União.

No dia 15, o plenário do STF decidiu por unanimidade que o ministro André Mendonça pode participar do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1017365. Ele terá direito a voto em relação à matéria de repercussão geral, mas não poderá se manifestar sobre o caso concreto, disse à época o STF. Após a decisão, o caso está pronto para voltar à pauta de julgamentos. Quando Mendonça pediu vistas, a presidente do STF, Rosa Weber, fez pressão para que o processo voltasse à pauta antes de sua aposentadoria. “Eu só espero – e tenho certeza de que vai acontecer – que eu tenha condições de votar, porque tenho uma limitação temporal, pessoalmente, para proferir o meu voto”, disse.