Prazo para veto presidencial ao projeto de lei anti-indígena aprovado pela Câmara e pelo Senado vai até sexta-feira, dia 20 de outubro de 2023

Indígenas Pataxó, Tupinambá e Tumbalalá reúnem-se com a secretária nacional de diálogos sociais e articulação de políticas públicas da Secretaria-Geral da Presidência da República, Kelli Mafort, para pedir veto total do PL 2903. Foto: Marina Oliveira/Cimi

POR ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DO CIMI

Amanhã, dia 20 de outubro, termina o prazo para que o presidente Lula vete o Projeto de Lei (PL) 2903/2023, aprovado pelo Senado no dia 27 de setembro por 43 votos a 21. A proposta legislativa que ataca os direitos indígenas foi aprovada pelo Senado ao mesmo tempo em que o Supremo Tribunal Federal (STF) fechou posição contrária à tese do chamado “marco temporal”.

Afrontando a decisão recente do STF e a Constituição Federal, o PL 2903 – que antes tinha o número de PL 490/2007, aprovado na Câmara Federal em maio – institui o marco temporal como um critério para a demarcação de terras indígenas e abre as terras já demarcadas para a exploração predatória, além de permitir contato com povos indígenas isolados e incluir outros ataques frontais aos direitos territoriais e constitucionais dos povos originários.

O PL 2903 é inconstitucional em seu conteúdo e sua forma, como apontou a Assessoria Jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) em nota técnica emitida quando o projeto ainda tramitava no Senado.

Por isso, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e diversos povos e organizações indígenas e da sociedade civil têm solicitado ao presidente Lula que vete integralmente o projeto.

Nesta semana, o Cimi endereçou um novo documento a órgãos do governo federal, elencando as razões pela qual a entidade defende o veto total ao projeto. 

“A forma de um Projeto de Lei Ordinária não possui competência para alterar, conter ou superar disposições constitucionais, que é do que se trata o estatuto jurídico-constitucional dos direitos indígenas, previsto nos artigos 231 e 232 da Carta Maior”, aponta o documento (clique aqui para acessá-lo na íntegra).

Os artigos 231 e 232 da Constituição Federal são cláusula pétrea, “por se tratar de direitos e garantias individuais, exercidos sempre de forma coletiva pelos indígenas”. Nesse sentido, “não podem ser modificados nem mesmo por meio de PEC, devendo estes serem aplicados em sua expressa literalidade, conforme desejo do constituinte originário”, explica a Assessoria.

Esta posição também é sustentada pela Sexta Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF), que divulgou uma nota pública nesta quinta-feira (19) na qual defende o veto total ao projeto ruralista. 

O equilíbrio e a autonomia entre os poderes também foi ponderado pela equipe jurídica do Cimi como critério para que a Presidência rejeite o PL em sua totalidade. Além de trazer uma série de dispositivos inconstitucionais, que atacam os direitos indígenas, a proposta legislativa avança sobre um tema que já é objeto de julgamento de repercussão geral da Suprema Corte.

 Mesmo se fosse o caso de legislar sobre o tema, o Executivo e o Legislativo deveriam aguardar “o trânsito em julgado do RE 1.017.365 no STF”, aponta o documento.

Liderança indígenas da região Sul da Bahia reúnem-se com a secretária nacional de diálogos sociais e articulação de políticas públicas da Secretaria-Geral da Presidência da República, Kelli Mafort, para pedir veto total do PL 2903. Foto: Marina Oliveira/Cimi

Indígenas em Brasília

Na tarde de quianta-feira (19/10), lideranças dos povos Pataxó, Tupinambá e Tumbalalá reuniram-se, em Brasília, com a secretária nacional de diálogos sociais e articulação de políticas públicas da Secretaria-Geral da Presidência da República, Kelli Mafort. Na ocasião, as lideranças e representantes de movimentos indígenas reforçaram a importância do presidente vetar integralmente o projeto. 

“Esse PL é um genocídio para os povos indígenas, mas ele sendo vetado será um renascimento, para  dos povos indígenas da Bahia”,  argumentou o cacique Jucinaldo Tumbalalá.

Para a cacica do povo Tupinambá de Olivença, Maria Valdelice, o PL é uma “sentença de morte”. “Eu queria pedir ao presidente que vete esse PL porque a gente precisa viver e esse PL é a morte do povo indígena do Brasil”, exigiu a liderança. 

Durante a reunião, a integralidade do veto foi considerada ponto inegociável, não cabendo rejeição parcial do PL. “Se não houver o veto total, vai sinalizar algo negativo. Não vamos aceitar o veto parcial de um projeto de lei em que não cabe veto parcial. Não há nada que pode ser flexibilizado ali, nem uma vírgula”, afirmou Dinamã Tuxá, da coordenação executiva da Apib, na reunião.

Apib

No dia 9 de outubro, a Apib enviou ao presidente Lula um ofício em que lista uma série de pontos que atestam a inconstitucionalidade do projeto e as razões pelas quais o presidente precisa vetar integralmente o PL 2903. 

Na avaliação da Apib, o projeto elaborado e defendido pela bancada ruralista é uma “violação frontal do artigo 231 da Constituição Federal e da competência do STF”. O veto total ao projeto, portanto, é a única forma de evitar “incomensuráveis violações” aos direitos indígenas.

A posição também foi reforçada por outras organizações, como a Comissão Guarani da Verdade, que, no início de outubro, também solicitou ao presidente Lula o veto integral ao projeto que ataca os direitos dos povos indígenas.

Tramitação do veto

Ao receber um projeto de lei encaminhado pelo Congresso Nacional, o presidente da República tem um prazo de 15 dias úteis para vetar o projeto. Caso não se manifeste no período, o projeto é automaticamente sancionado – ou seja, aprovado. No caso do PL 2903, o prazo para Lula vetar a proposta legislativa encerra-se amanhã, dia 20 de outubro.

A expectativa dos povos indígenas é que Lula cumpra a promessa de se posicionar ao lado dos povos indígenas, vetando integralmente o projeto. Se o veto for integral ou parcial, contudo, a proposição retorna ao Congresso Nacional, que passa a ter 30 dias para analisar a posição do presidente.

Para derrubar o veto presidencial, deputados e senadores precisam formar maioria absoluta – ou seja, 257 votos de deputados e 41 votos de senadores. Se os votos favoráveis à rejeição forem menores em alguma das duas Casas legislativas, o veto é mantido.