Confira a entrevista, com dom José Valdeci Santos Mendes, bispo de Brejo (MA) e presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Sociotransfomadora da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), concedida por e-mail ao site da 6ª Semana Social Brasileira (SSB). Com o tema “Mutirão pela Vida: Por Terra, Teto e Trabalho”, a 6ª SSB ocorre de 2020 a 2022. A iniciativa já está sendo realizada em todo o Brasil no formato on-line.
Segundo dom Valdeci as “Semanas Sociais vêm como espaço onde a Igreja, junto com os movimentos populares e outras organizações que defendem a vida, possa refletir e buscar caminhos para estabelecer princípios, para uma sociedade mais justa e solidária”. O bispo também ressalta, que a 6ª SSB vai ganhando força em todo o território nacional: “Acreditamos que seja um grande marco na nossa história, no fortalecimento para construir o Brasil que queremos. Juntos, no mutirão pela vida, tecendo redes de solidariedade, de justiça e direitos na busca do Reino de Deus e do Bem Viver”.
Por que a CNBB, desde 1991, assume iniciar e motivar as Semanas Sociais no Brasil?
Acreditamos que poderemos partir destes dois fundamentos, muito importantes para o nosso entendimento das Semanas Sociais Brasileiras: um primeiro fundamento vem do próprio seguimento de nosso Senhor Jesus Cristo. Os Evangelhos mostram qual foi a opção de Jesus. Foi junto aos pobres e marginalizados, sendo nós, seguidores e seguidoras de nosso Senhor Jesus Cristo, somos chamados e chamadas a nos confrontarmos com a realidade gritante que enfrenta o nosso povo, somos chamados a perceber que Cristo está presente na pessoa dos que estão sofrendo (Mt 25,31-46). O segundo fundamento é a Doutrina Social da Igreja. A Igreja, ao longo de sua tradição, trás esta riqueza do compromisso social. Nós cristãos, cristãs, não podemos fechar os nossos olhos diante da realidade, diante das injustiças, de violação de direitos, de ameaça contra a vida e a dignidade das pessoas, principalmente dos marginalizado, somos interpelados a sermos profetas e profetizas para anunciar a vida, e com dignidade. Portanto, as Semanas Sociais vêm como espaço onde a Igreja, junto com os movimentos populares e outras organizações que defendem a vida, possa refletir e buscar caminhos para estabelecer princípios para uma sociedade mais justa e solidária.
Quais são os objetivos da 6ª Semana Social Brasileira?
A partir dos mutirões de reflexões definimos para 6ª Semana Social Brasileira quatro objetivos:
• Articular pessoas de boa vontade, Igrejas, movimentos sociais e populares, e a sociedade brasileira para o envolvimento nos processos sociopolíticos, com a realização do mutirão pela vida.
• Realizar os mutirões, resultando em processos de mobilização, formação e proposição de ações concretas de incidência política e transformação social, nos âmbitos locais e nacional.
• Reconhecer e valorizar as potencialidades da resistência popular nas lutas cotidianas do povo e grupos organizados.
• Possibilitar levantamento e sistematização das violações dos direitos humanos e da natureza que afetam o acesso à dignidade e a conquista da Terra, do Teto e do Trabalho, contribuído para elaborações e concretização do projeto para o Brasil.
Por que a 6ª SSB decide pautar o tema Mutirão pela Vida: Por Terra, Teto e Trabalho?
No mutirão não tem espaço para o individualismo, exige compromisso de construir juntos, de lutar juntos e, de modo especial, quando percebemos que são tantas vidas ameaçadas e eliminadas: povos indígenas, comunidades tradicionais, comunidades quilombolas, ribeirinhos, ciganos, pescadores e pescadoras, quebradeiras de coco, geraizeiros, povos das periferias, lavradores, assentados e tantos outros mais, isso nos motiva, para caminharmos juntos e juntas. Terra, Teto e Trabalho é inspiração que vem do papa Francisco, quando em 2014, no encontro com os movimentos populares, ele descobre a importância dos três “Tês” para a vida do povo: Terra, Teto e Trabalho e, por isso, afirma: “Nenhuma família sem teto, nenhum camponês sem terra; nenhum trabalhador sem direitos’’.
Como a 6ª SSB pode estimular a participação política à luz da Palavra de Deus e da Doutrina Social da Igreja, para fortalecer a cidadania, o bem comum e o acesso à Terra, Teto e Trabalho?
Sendo a 6ª SSB um “Mutirão pela Vida: Por Terra, Teto e Trabalho”, sabemos que a política, em primeiro lugar, deve estar a serviço da vida, como também visar o bem comum de todos e de todas. Sendo assim, é necessário que os cristãos, cristãs possam se deixar guiar pela Palavra de Deus que nos motiva defender a vida. “Apresentei diante de vós, a vida e a morte, bênção e a maldição. Escolhe, pois a vida, para que vivas, tu e tua descendência” (Dt 30,19). E como diz o papa Francisco: “Rezo ao Senhor para que nos conceda mais políticos, que tenham verdadeiramente a peito a sociedade, o povo, a vida dos pobres” (EG 205). O documento 105 da CNBB, citando o Concilio Vaticano II, diz: “Os católicos versados em política e devidamente firmes na fé e na doutrina cristã, não recusem, cargos públicos, se puderem por uma digna administração prover o bem comum e, ao mesmo tempo, abrir caminho para o evangelho” (AA14). Tudo isso para demonstrar como é importante a presença dos cristãos, das cristãs no campo político.
A Doutrina Social da Igreja pode ser uma luz à perversão do capitalismo?
Jesus Cristo nos diz: “Eu vim para que tenham vida e tenham em abundância” (Jo 10,10). Esse deve ser o nosso princípio, a defesa da vida que nos proporciona a viver a partilha, a solidariedade, a comunhão. Isso nos motiva para olhar aqueles e aquelas que são salteados e jogados às margens da sociedade. A Campanha da Fraternidade deste ano nos interpela: “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele” (Lc 10,33-34). Precisamos ter convicção de que o sistema capitalista, mata, exclui, deixa os mais fracos num abandono total.
O acesso a terra é uma questão histórica não resolvida no Brasil. Como a 6ª SSB vai conduzir essa discussão?
Um dos temas que vamos refletir é sobre a Terra. O nosso olhar deve ajudar a compreender que a Terra é dom de Deus. Quando falamos da terra devemos ter a compreensão que é um espaço habitado pelo ser humano e toda a criação de Deus. Existem povos com suas tradições, com seus costumes, com sua cultura e que precisam ser respeitados. Uma das nossas reflexões é encontrar caminhos que nos ajudem a compreender que a Terra (território) é para ser habitada por quem precisa e deverá nos levar a um questionamento: por que nossas periferias são aglomeradas pelos empobrecidos? Uma das saídas não seria estar na terra para produzir? Existem movimentos populares já fazendo esse debate.
Hoje, a concentração da riqueza está em poucas mãos, cerca 147 grupos (dos quais 75% são bancos) controlam 40% do sistema corporativo mundial, de modo que 1% dos habitantes da Terra detém riqueza, igual à dos 99% restantes. Qual será o debate da 6ª SSB diante dessa realidade?
Dentro do processo que estamos construindo, acreditamos que a solidariedade permanente não pode faltar com os empobrecidos. A solidariedade! Isto nos ajuda a compreender tantas experiências que já acontecem: de resistência e de saberes populares nas diversas culturas. Um segundo passo é saber ouvir seus gritos, clamores, iniciativas, esperanças, e ao mesmo tempo ajudá-los para que os povos da Terra possam se sentir fortalecidos para vencer a cultura de morte imposta pelo sistema. Juntos acreditarmos que outra sociedade é possível, pautada na solidariedade, na defesa da vida; onde as comunidades tradicionais, os povos indígenas e tantos outros, tenham sua autonomia e poder de decisão nos seus territórios, na alimentação e no seu modo de ser. Como Igreja, precisamos viver a compaixão estando junto com os/as que sofrem e necessitam de nosso compromisso.
Como a Igreja do Brasil, com a mobilização da 6ª SSB, pode ajudar com a construção de uma sociedade soberana, justa e fraterna.
Durante este tempo de pandemia, desde o mês de abril, estamos nos reunindo de modo virtual com os organismos, pastorais, com os regionais, bispos referenciais, como também os Mutirões de Conversa. Algumas conclusões são muito importantes: vimos que é importante alimentar solidariedade permanente, oferecer formação para nossas lideranças. Um compromisso sociotransformador é a articulação das pastorais e organismos. Mas, também com uma abertura de dialogo e engajamento com os movimentos populares e outras organizações. Estamos constatando, também, que este tempo está nos ensinando que é possível articular o meio rural e urbano, acreditamos que a solidariedade e articulação fortalecerá a nossa democracia.
Como a 6ª SSB pode mobilizar, provocar a incidência, fortalecer a democracia e fomentar solidariedade em tempo de pandemia covid-19?
A pandemia da covid-19 vem para escancarar, ainda mais, a realidade de desmando e a precariedade das políticas públicas diante o descaso para com os empobrecidos e, como se não bastasse, o desvio de verbas que deveria estar a serviço da saúde. Assim como o desvio do auxilio, que deveria chegar a quem precisa e não está chegando. A 6ª SSB nos desperta para um compromisso maior com as políticas públicas, fortalecendo as experiências de solidariedade que já estão acontecendo, no campo da agroecologia, na troca de saberes populares, no fortalecimento das redes de iniciativas populares, tendo como horizonte a construção de uma sociedade pautada na justiça, no direito, em que os grandes eixos estruturais possam nos nortear: soberania, democracia e economia.
Como a 6ª SSB pode apontar luzes, caminhos possíveis às dificuldades deste tempo frente à pandemia da Covid-19?
A 6ª SSB é um processo! Neste caminhar destacamos a importância da escuta que nos proporciona colher frutos que presentes na experiência do povo, mas também desafios: por exemplo, no Mutirão de Conversa, do dia 27 de junho, a líder sindical de Alcântara, no Maranhão, partilhava a pressão que estão sofrendo as comunidades quilombolas pela base espacial. Não podemos esperar o final da realização da 6ª SSB, mas devemos incorporar estes elementos em nossas reflexões e buscarmos saídas. Essas atividades irão nos ajudar a um engajamento maior naquilo que estamos propondo para ser um processo permanente, naquilo que o papa Francisco propõe: “nenhuma família sem Teto, nenhuma camponês sem Terra, nenhum Trabalhador sem direitos”.
Nesse sentido, como a 6ª SSB pode plantar sementes que poderão alimentar o processo de criação de um novo modo de viver, de produção e consumo justo, levando em consideração os direitos da natureza?
O nosso engajamento é no compromisso com a vida. Acreditamos que a 6ª SSB traz uma proposta, uma perspectiva nova, que é a defesa da vida e do meio ambiente. O diálogo ocorre a partir de um compromisso com os princípios que nos orientam: a vida, a dignidade e a cidadania, tendo como base os direitos humanos inspirados no Evangelho e na Doutrina Social da Igreja.
Inicialmente, a 6ª SSB tinha uma proposta de realização, diante da pandemia, como as ações e mobilizações estão acontecendo?
Desde o início do mês de abril, a equipe executiva está trabalhando em produção de vídeos, reuniões virtuais, orientações metodológicas, seminários regionais, produção de textos iluminadores, Mutirões de Conversa, com temas específicos. Muitas atividades que seriam presenciais estão ocorrendo de modo virtual. O que percebemos é um grande engajamento para que, de fato, a 6ª SSB aconteça e seja um grande marco na nossa história, no fortalecimento para construir o Brasil que queremos. Juntos no mutirão pela vida, tecendo redes de solidariedade, de justiça e direitos na busca do Reino de Deus e do Bem Viver.