“O que nos recomendaram foi que nos lembrássemos dos pobres” (Gl 2, 10). Esta foi a recomendação que Tiago, Cefas e João fizeram a Paulo e Barnabé como sinal de comunhão recíproca

Andreson, que em 2016 vivia em situação de rua, na Praça da Sé, região central de São Paulo. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

É provocador ler que os Apóstolos chamados “colunas da Igreja” (Gl 1, 9) exigiram dos missionários entre os pagãos, Paulo e Barnabé, como prova de comunhão eclesial o serviço aos pobres.

Significativa é a resposta de Paulo: “Isso procurei fazer sempre, com toda a solicitude” (Gl 2, 10). “Isso”, ou seja, lembrar dos pobres na missão. “Procurei sempre fazer”, ou seja, Paulo afirma que sempre lembrou dos pobres, fez opção clara por eles. “Com toda a solicitude”, ou seja, de forma concreta, real e com dedicação. Não era um serviço ocasional, esporádico.
O que viveram Tiago, Cefas, João, Paulo e Barnabé nos primeiros anos do Cristianismo, com certeza refletia o que eles viram e ouviram Jesus fazer e falar ou ouviram dizer que Jesus fazia e falava.

Basta lembrar que Jesus afirmou ter vindo para os pobres: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa Notícia aos pobres” (Lc 4,18); “Aos pobres é anunciada a Boa Notícia” (Mt 11, 5) e que Jesus se identificou com os pobres: “Eu garanto a vocês: todas as vezes que vocês fizerem isso a um dos menores dos meus irmãos, foi a mim que o fizeram” (Mt 25,40); “Eu garanto a vocês: todas as vezes que vocês não fizeram isso a um desses pequeninos, foi a mim que não o fizeram” (Mt 25,45).

O Documento de Puebla afirmou que “o serviço aos pobres é a medida privilegiada, embora não exclusiva, de nosso seguimento de Cristo” (nº 1145). E mais: “Os pobres merecem uma atenção preferencial, seja qual for a situação moral ou pessoal em que se encontrem” (nº 1142).

São João Paulo II na Exortação Apostólica sobre a Vida Consagrada afirmou: “Servir os pobres é ato de evangelização e, ao mesmo tempo, selo de fidelidade ao Evangelho e estímulo de conversão permanente” (n. 82).

O Documento de Aparecida nos encorajou a dedicar “tempo aos pobres, prestar a eles amável atenção, escutá-los com interesse, acompanhá-los nos momentos difíceis, escolhê-los para compartilhar horas, semanas ou anos de nossa vida, e procurando, a partir deles, a transformação de sua situação” (nº 397).

Mais recentemente o Papa Francisco na Encíclica “A alegria do Evangelho” afirmou que “somos chamados a descobrir Cristo nos pobres: não só a emprestar-lhes a nossa voz nas suas causas, mas, também, a ser seus amigos, a escutá-los, a compreendê-los e a acolher a misteriosa sabedoria que Deus nos quer comunicar através deles” (n. 198). E disse ainda que “sem a opção preferencial pelos pobres, o anúncio do evangelho corre o risco de não ser compreendido (n. 199). Ele nos faz esta provocação: “Ninguém deveria dizer que se mantém longe dos pobres, porque as suas opções de vida implicam prestar mais atenção a outras incumbências… Ninguém pode sentir-se exonerado da preocupação pelos pobres e pela justiça social” (n. 201).

No domingo (15), eleitores e eleitoras de municípios brasileiros escolhem prefeitos e vereadores. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Estamos em tempo de eleição municipal e vivendo a Semana de preparação para o IV Dia Mundial dos Pobres. Creio que seja oportuno considerar na avaliação dos candidatos e das candidatas, seja à Prefeitura Municipal, seja à Câmara de Vereadores do município onde vivemos, esta opção, este olhar atencioso para com os pobres.

Nosso voto tem que ser no candidato ou candidata que tenha incluído em seu Projeto eleitoral, de forma explícita, que dará uma atenção particular, preferencial aos pobres, excluídos e marginalizados, garantindo assim a superação das desigualdades sociais.

Com está na Mensagem da Presidência da CNBB por ocasião das eleições municipais de 2020, divulgada no dia 28 de outubro: “Quem não se compromete com os excluídos e se mostra indiferente diante da morte de pessoas e das graves feridas do meio ambiente não merece o voto de quem deseja uma sociedade justa e democrática” (n. 6).

Não podemos votar de qualquer jeito. Temos de acolher como dirigidas a nós o que disseram Tiago, Cefas e João a Paulo e Barnabé: lembrem-se dos pobres (cf. Gl 2, 9-10). Lembremos deles, dos pobres e excluídos de nossos municípios na hora de definir nossos votos para a Prefeitura e para a Câmara de Vereadores. Acolhamos o pedido do Papa Francisco no título de sua Mensagem para o IV Dia Mundial dos Pobres: “Estende a tua mão ao pobre (Eclo 7, 32)”. Que o nosso voto seja dado assim como um gesto de compromisso com o pobre. Estendamos a mão para digitar os números de nossos candidatos ou candidatas pensando nos pobres, superando “as barreiras da indiferença” (Papa Francisco na Introdução da Mensagem).

Vale lembrar neste contexto da eleição municipal o que diz o Papa Francisco na Exortação Apostólica Querida Amazônia: “Faz-nos mal permitir que nos anestesiem a consciência social, enquanto um rastro de dilapidação, inclusive de morte por toda a nossa região… coloca em perigo a vida de milhões de pessoas, em especial… camponeses e indígenas” (n. 15).
Rezemos a oração atribuída a Salomão, que está no capítulo 9 do Livro da Sabedoria, especialmente o versículo 10: “Manda a Sabedoria desde o céu santo e a envia desde o teu trono glorioso, para que ela me acompanhe e participe de meus trabalhos, me ensine o que é agradável a ti”.

Rezemos e deixemo-nos guiar pela Sabedoria divina na escolha do voto que vamos dar no dia 15 de novembro.

Dom José Ionilton Lisboa de Oliveira, SDV
Bispo da Prelazia de Itacoatiara (AM)
e membro da Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Sociotransforamdora e Comissão de Enfrentamento ao Tráfico Humano da CNBB.