SSB
28/05/2021

Rerum Novarum: Convite para fortalecimento das lutas sociais por trabalho digno

A mensagem de renovação do Papa Leão XIII ganha cada vez mais importância e precisa ser reforçada, afirmam convidados

Por Marcos Vinicius dos Santos*| Jubileu Sul Brasil

Colaboram na reflexão sobre a Carta, que completou 130 anos no último dia 15 de maio, Alessandra Miranda, Secretária Executiva da 6ª Semana Social Brasileira; Padre Alfredo J. Gonçalves, vice-presidente do Serviço Pastoral dos Migrantes e dom José Ionilton Lisboa de Oliveira, bispo da Prelazia de Itacoatiara (AM), membro da Comissão Sociotransformadora da CNBB.

Foram três as motivações principais, no contexto da segunda metade do século XIX, que levaram o papa Leão XIII a publicar a Encíclica, em maio de 1891. Segundo padre Alfredo J. Gonçalves, a principal questão é aquela que está endereçada no subtítulo da carta: a condição dos operários.

A Doutrina Social da Igreja Católica alcançou particular importância na prática pastoral e com incidência sobre o cenário político no Brasil. A Rerum Novarum muito contribuiu para que a comunidade católica trilhasse esse caminho, que na época dialogava com a mudança na organização das classes sociais que o último século havia proporcionado. 

É importante ressaltar que praticamente 50 anos antes da publicação desta Encíclica, em 1844, Frederick Engels publicava o livro “A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra”, com tema muito semelhante. Os fatos evidenciavam a exploração do sistema capitalista desde o seu início.

“A condição dos mineiros, dos metalúrgicos, dos trabalhadores da indústria têxtil é muito precária do século XIX. Crianças com idade abaixo de oito anos trabalhando 12, 10 horas por dia. Mulheres trabalhando 15 horas por dia, homens trabalhando de sol a sol, muitos morrendo dentro das minas de carvão, trabalhando lá era difícil chegar aos 40 anos. As pessoas que moravam ao redor das fábricas abrigadas em alojamentos extremamente precários, muitas mulheres dormindo ao pé da máquina, crianças também. Muita gente mendigando pelas cidades, sem emprego. Aquelas fábricas incipientes não conseguem empregar todas as pessoas, a fila do desemprego muito grande. Essa concorrência por emprego permitindo aos patrões pagar salários infinitamente baixos, para condições de trabalho infinitamente precários”, descreveu Padre Alfredo.

Em vista das condições sociais geradas pelo sistema capitalista, havia a crescente necessidade de unir a classe trabalhadora e acolher os mais necessitados. A chamada “onda vermelha”, ou avanço do socialismo, que atingiu a Europa através dos mais diversos pensadores, foi a segunda motivação da Carta Encíclica Rerum Novarum, como explicou Padre Alfredo.

“Uma segunda motivação para escrever, é isso, o socialismo avançava com força na Europa. Naquela época, praticamente no final do século XIX, todos os países tinham um partido comunista. Já tinham vários escritos lançados, escritos sobre a condição dos operários, havia células comunistas por todos os países europeus. Assim, alguns vamos chamar a Rerum Novarum como o manifesto comunista da Igreja. Ela é escrita, na verdade, como contraposição ao manifesto comunista. O avanço do comunismo, falando era necessário organizar os trabalhadores em círculos católicos, dá uma atenção muito forte entre o pensamento da Igreja, na época, e o avanço da onda vermelha do socialismo, que vinha desde 50 anos antes. Os círculos comunistas geravam atração nos trabalhadores, sobretudo, a análise socialista da realidade feita por Frederico Engels, Marx e outros da época”, lembrou.

Outra questão do século XIX, é o surgimento dos “santos e santas sociais”, que consistem em dezenas de novas congregações religiosas. A maioria delas congregações que, além do seu caráter religioso, tem uma marca muito forte do ponto de vista sócio missionário.

Ou seja, são voltadas para uma determinada categoria ou para uma determinada situação do povo, com ações voltadas para a situação concreta da sociedade, muito característicos da época. Essas congregações buscavam acolher aos que sofriam com os efeitos do avanço desenfreado da tecnologia no mundo moderno e trouxeram uma nova sensibilidade da Igreja, e os desafios daquele tempo.

Tudo isso cria uma atmosfera dentro da Igreja, ela passa a respirar um oxigênio novo. Tudo isso vai desembocar na Rerum Novarum”, completou.

A partir desse cenário, que ainda persiste nos dias de hoje, a conversa seguiu com dom José Ionilton, que lembrou a importância de renovar a luta dos/as trabalhadores/as , assim como papa Leão XIII anunciou na Rerum Novarum. No texto, está ressaltada a necessidade de restaurar a dignidade da classe trabalhadora, lembrando a obrigação da classe empregadora não só com o lucro, mas para com a saúde de seus funcionários/as. Preservado a vida acima do lucro capitalista.

“O que foi falado em 1891, tem muita coisa que ainda pode ser refletida em 2021. Vemos uma crítica profunda, dizendo que é vergonhoso e desumano tratar os homens e as mulheres, os operários e as operárias, como apenas instrumentos de produção de lucro. Ele cita explicitamente os ricos e os patrões, que não deveriam tratar empregados como escravos. Portanto, uma voz muito importante para Igreja nesse documento. Hoje essa voz precisa continuar ecoando, porque o mundo do trabalho não está tão diferente, nos anos que nós estamos vivendo, em comparação os últimos anos daquela época de 1891”, refletiu dom José Ionilton.

Assim como naquele tempo, então, seria necessário agir com medidas prontas e eficazes, que venham em acordo com o auxílio dos homens e mulheres da classe trabalhadora.  A Encíclica toca nesse ponto ao falar sobre a importância da organização da classe trabalhadora e na presença das pastorais operárias, como forma de apoio. Uma pessoa ativa no mundo do trabalho, isolada, sem nenhum tipo de articulação, ficaria sem defesa, entregue à mercê da classe empregadora.

Um dos exemplos do interesse do capital prevalecendo sobre os da classe trabalhadora nos dias de hoje, apontou dom José Ionilton, está na reforma trabalhista que tivemos no Brasil 2017. Ela veio com a promessa de gerar mais empregos, reduzindo os custos para os empregadores, mas sem contrapartida suprimindo direitos e aumentando o desemprego.

“Os governos têm uma responsabilidade muito grande e, lamentavelmente, no mundo que nós vivemos e do que tem sido a realidade brasileira, o Governo, nos últimos anos, não tem cuidado da classe trabalhadora, muito pelo contrário. A gente vem enfrentando só prejuízo para a classe trabalhadora. [...] Nesse contexto que a gente vive, esse apelo do Papa para que haja uma pastoral operária organizada é importante para que haja essa atenção ao trabalhador, para não deixar que o trabalhador fique entregue nas mãos desses sanguessugas, ou desses gaviões que só fazem explorar a força de trabalho. Então, como disse o padre Alfredinho está na hora da gente retomar essa Encíclica na íntegra”, afirmou dom José.

O tema do trabalho, é uma prioridade para as ações da 6ª Semana Social Brasileira, principalmente devido aos efeitos danosos que a pandemia tem causado no país. A Carta Encíclica Rerum Novarum (das Coisas Novas): Sobre a Condição de Vida dos Operários, está disponível, na íntegra, para leituras e reflexões neste link.

O Ao Vivo 130 anos da Encíclica Rerum Novarum (das Coisas Novas) aconteceu no último dia 25, às 19h30 (horário de Brasília). A proposta do debate foi da Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Sociotransformadora da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), com mobilização da 6ª Semana Social Brasileira, em parceria com a Pastoral Operária e a Rede Jubileu Sul Brasil.

Assista a seguir a integra do Ao Vivo

*Com supervisão de Jucelene Rocha