O Módulo 4 do Curso "O Presente e o Futuro do Trabalho" trouxe o tema: "Alternativas de organização do trabalho" e debateu a economia solidária, agricultura familiar; o futuro do trabalho a partir dessas formas de organizações.
Por Antônia Carrara | Pastoral Operária
Rede Xique Xique (RN) | Adriano Cavalcante da Silva
A Rede Xique Xique traz na sua simbologia, o cacto, porque é uma planta que resiste às mais difíceis situações. A Rede se fortalece não só dentro de um espaço de comercialização, mas também dentro de uma mística, na simbologia do cacto – o xique xique. É reflexão e ação, dentro dos ensinamentos de Paulo Freire também. É uma rede mista, com diversidade de pessoas: homens, mulheres, jovens...
Em 2003, houve os diálogos com produtoras e produtores. Em 2004, deciciu-se criar uma pessoa jurídica, que é a Associação de comercialização solidária, ou seja, a Rede Xique Xique formalizada. Cooperativas e grupos vão se agregando. Em 2012, foi formada a Cooperativa de comercialização solidária Xique Xique, que trouxe mais uma força para o processo de comercialização. A Cooperativa dá organicidade: notas fiscais, relações para acesso a políticas públicas e outras questões necessárias.
Os 3 eixos na Rede:
Agroecologia, economia solidária e feminismo. 3 elementos que orientam os processos.
- Agroecologia – produtos Livre de agrotóxicos, com preocupação desde a produção até chegar no prato, sem exploração e cuidando do meio ambiente. Cuidando da Casa Comum
- Feminismo – Visa trazer a presença da mulher e as reflexões das mulheres nos espaços de gestão. Se houver na produção, desrespeito e violência contra as mulheres, o produto não é válido.
- Economia solidária – processo coletivo, cooperação, colocando o ser humano à frente do processo econômico. Valorizar a dimensão humana. Outra economia já acontece, que transforma a realidade, transforma vidas.
Dimensões:
Autogestão – 16 núcleos , que são 16 cidades de 4 territórios diferentes do Rio Grande do Norte. E vão chegando novos municípios que se propõem a atuar na linha de trabalho, eixos e princípios da Rede. Tem o Conselho Gestor que se reúne a cada 3 meses, com 3 representantes de cada núcleo. A função é realizar planejamento, avaliações, buscar estratégias. O conselho diretor se reúne uma vez por mês, com uma pessoa de cada núcleo, para acompanhar se o que está planejado, realmente está sendo executado.
Articulação – A Rede tem parceria com movimentos feministas construindo políticas públicas para as mulheres. Participa da Comissão de orgânicos do Estado, do Fórum Potiguar de economia solidária; e em nível nacional, da ANA – Articulação Nacional de Agroecologia e da ASA – Articulação do Semi Árido.
Certificação - Há um acompanhamento da produção de perto, nos núcleos. A certificação participativa é feita por um conjunto de pessoas que fazem a fiscalização, e dá o reconhecimento do produto orgânico. A partir de 2019, a Rede é credenciada para ser um organismo de conformidade da produção, que já consegue certificar os produtores e produtoras. E já está ampliando para que a certificação seja para todo o estado do Rio Grande do Norte. Não é um processo somente fiscalizatório, mas de educação sobre a importância do selo no produto para buscar outros mercados.
Comercialização – Hoje tem a sede através de projetos, espaço multiuso com energia solar, onde tem sementes crioulas. Hoje em dia se trabalha dentro de todos os protocolos de higiene para não haver contaminações de COVID 19 e também com delivery.
A Carta de Princípios da Rede apresenta, entre outros elementos:
- Uma outra economia que tenha a solidariedade como pilar sustentador
- Financiamento, produção, comercialização e consumo devem se distanciar de todas as formas de exploração do trabalho
- A valorização do trabalho das mulheres e jovens é primordial
- Na produção agroecológica não basta ter produtos orgânico, mas deve envolver todo um processo histórico, buscando produto, história, vida e transformação do mundo.
Rede Esperança (RS) | Irmã Lourdes Dill
Irmã Lourdes começa sua exposição sobre a Rede Esperança com uma frase do Papa: “Os rios não bebem sua própria água. As árvores não comem seus próprios frutos. O sol não brilha para si mesmo. As flores não espalham suas fragrâncias para si. Viver para os outros é uma regra da natureza. Todos nós nascemos para ajudar uns aos outros e umas às outras. Não importa quão difícil seja. A vida é boa quando você está feliz, mas é muito melhor, quando você faz os outros felizes.” A Irmã completa: Esta frase é um fundamento da economia solidária, que é um projeto de vida. É para o coletivo, para quem acredita em outra possibilidade de economia.
Irmã Lourdes e Abegair resumem o que é a Rede Esperança:
A experiência de Santa Maria tem a ver com esperançar e para isto, Dom Ivo Lorscheider foi um grande sinal de esperança. Veio jovem, implantou a Cáritas, mas fez mais: desafiou a Cáritas a fazer experiências alternativas coletivas do meio urbano e rural. Surgiram no Rio Grande do Sul, os PACS – Projetos alternativos comunitários , a primeira sementeira lançada, organização de pequenos grupos. Dom Ivo motivou um projeto, que em 1987 originou o Projeto Esperança. Em 1989, foi realizada a experiência legal: a Cooesperança, Cooperativa mista dos pequenos agricultores urbanos e rurais vinculados, abrangendo várias dioceses próximas. Em rede com universidades e outras parcerias. Já pensando a comercialização. O povo se organizando e a Igreja motivando com a mística. A tecnologia das universidades. E recursos da política pública.
“Houve momentos muito ricos, na época dos governos democráticos populares, avançando nas políticas públicas...
E hoje tanta coisa devastada, no Brasil com governo indigesto, que prejudica o povo, mas este governo vai passar.”
Houve parceria com a Misereor, a Cáritas Brasileira e Cáritas Rio Grande do Sul, que apoiaram o espaço fixo de comercialização inaugurado em 1989. Essa experiência da feira teve várias etapas. Em 1992, foi criado o Feirão colonial em espaço próprio, sempre tendo as questões da formação, da mística, auto gestão... Agroecologia, integração urbana e rural. Em 1992, houve o 8º encontro de CEBs e o espaço da Rede foi o grande centro que acolheu toneladas de alimentos para o encontro com 5 mil pessoas durante 8 a 10 dias. Aí nasceu em Santa Maria, a primeira Associação de catadores. Já tem 30 anos que faz parte da Rede.
Crises vieram e foram muitas, mas sempre nascem coisas novas. Em 1994, na implantação do Plano Real houve vários desafios de comercialização, mas no mesmo ano, nasceu a Feicoop, que reunia produtores locais, depois regionais, estaduais, nacionais, internacionais. Hoje é Latino americana. Na primeira, foram 27 empreendimentos e um público de 4 mil pessoas. Foi para Santa Maria, a maior feira realizada naquele ano. Não havia ideia de fazer uma segunda experiência, mas as pessoas foram se animando e com os governos populares tivemos força para avançar: prefeito, governador ajudaram. A feira cresceu. E em 2019, a última edição presencial, teve a presença de mil empreendimentos e 305 mil pessoas, de 30 países, 26 estados do Brasil, abrangendo 3 continentes. Assim, a FEICOOP vem trazendo empreendimentos de vários lugares do mundo. Existem crises, mas também esperança. E os eventos não são só de comercialização, mas atividades culturais, seminários, oficinas, formação, enfim uma feira de produtos, mas também uma feira de ideias. Com grande presença de jovens. Em torno de 500 Jovens do acampamento do Levante Popular da Juventude fazem parte da Rede Esperança. A juventude é apaixonada por esta forma de organização cooperativado, no espírito de partilha.
A Rede inspira. A Universidade Federal de Santa Maria começou uma polifeira inspirada na experiência da Rede Esperança. A Prefeitura de Santa Maria também criou várias feiras inspiradas na Rede. Também participamos de políticas públicas, como o PNAE, da época dos governos Lula e Dilma. Participamos de 8 edições do Fórum Social Mundial, o que revelou uma gigantesca esperança. Participamos do Fórum brasileiro, conselho nacional de economia solidária, conselhos regionais... Sendo integrados na Cáritas Brasileira, comemoramos 40 anos da nossa organização. Somos felizes de estar na Rede Cáritas.
Na pandemia a feira se realizou de forma on line durante 15 dias, com seminários e shows populares, muito bem participados e assistidos.
“Uma outra economia não se sonha, ela já acontece.
Sonhar e realizar o sonho é o futuro do trabalho. A reinvenção do trabalho. O emprego tradicional não voltará. Na reinvenção do trabalho vem a pauta da economia solidária.
Em sintonia com a economia de Francisco e Clara, para derrubar este capitalismo. Inspirado em São Francisco, com a experiência feminina de Clara.”
Frase de inspiração: “Tudo que nasce pequeno vira processo. Tudo que nasce grande vira monstro. Para nós, o capitalismo é um monstro que destrói trabalhadores/as”, Abegair do Carmo Flores
O trabalho em rede é importante porque conecta pontos. Combate o isolamento dos grupos, coloca-os coletivamente nas decisões. Em primeiro lugar, foi criada a Teia Esperança, pois não existia redes. Depois, fomos aprendendo a trabalhar em rede...
As pessoas não conhecem o valor dos produtos. Por isso, pensamos a economia solidária como nova maneira de produzir, comercializar, consumir... E essa nova maneira tem que ser mostrada. E é nesses grupos, nessas redes que podemos mostrar o que é a economia solidária. Que não é só fazer o produto, mas colocar a vida nesse produto. Um exemplo é a cadeia produtiva que conseguimos formar: a cadeia do moranguinho; desde o plantio da muda, até os produtos feitos da fruta. Economia solidária é muito mais do que se vê e do que se vive. Ela pode nos ajudar a transformar toda a situação que está aí. É resistência.