SSB
25/01/2021

A desigualdade digital transformada em uma ameaça crítica

O Fórum Econômico Mundial acaba de publicar a décima sexta edição de seu Relatório de Riscos Globais, referente a 2021. Em meio à pandemia de Covid-19, é óbvio que esta ocupa um lugar protagonista, mas não é a única. Algo semelhante aconteceu em 2006, com um dos surtos de gripe mais letais, em 2013, alertando sobre o perigo representado pela resistência aos medicamentos, em 2016, com o Ebola, em 2019, com as ameaças biológicas e, adivinhem…, em 2020, quando a pandemia ainda nem havia estourado, alertando sobre o quanto os sistemas de saúde estavam sobrecarregados.

A reportagem é de David Bollero, publicada por Público, 21-01-2020. A tradução é do Cepat e publicada no IHU

Um dos capítulos se centra nas barreiras existentes à inclusão digital, justamente em um momento em que todos os especialistas afirmam que o coronavírus acelerou drasticamente a chamada Quarta Revolução Industrial, usando termos tão batidos como "transformação digital" nas organizações.

De acordo com o relatório, tanto o teletrabalho como a expansão do comércio eletrônico, a telemedicina e a educação através da internet continuarão modificando nossas interações em relação ao modo como as entendíamos historicamente. No entanto, essa abordagem está levando a um aumento ainda maior da desigualdade, para a qual o relatório adiciona o slogan "digital". Tanto é que considera que será uma ameaça crítica pelo menos nos próximos dois anos, tornando-se o sétimo risco mais provável a longo prazo.

A exclusão digital é inegável e, com ela, se enfraquece ainda mais a coesão social, já completamente erodida em muitos países, minando as perspectivas de uma recuperação inclusiva. Essa divisão digital, segundo o Fórum Econômico Mundial, aparece nas mais diversas formas, embora entre as mais comuns estejam a própria acessibilidade à tecnologia e as lacunas na regulamentação.

Sem acessibilidade
Segundo o relatório, o uso da internet varia muito de um país para outro, com taxas de penetração superiores a 87% nos países de maior renda e menos de 17% nos mais pobres. Além disso, entre os mais ricos, como pudemos evidenciar na Espanha, milhões de pessoas foram isoladas digitalmente, durante a pandemia, em termos de trabalho, medicina, educação… O Fórum Econômico Mundial não analisa a Espanha, mas o Reino Unido, onde aponta que a maioria das famílias vulneráveis teve que escolher entre conectividade ou alimentos.

Em relação às lacunas na regulamentação, o Fórum Econômico Mundial afirma que 23% dos países proíbem ou censuram notícias, limitando assim o acesso de seus cidadãos aos recursos digitais. Entre aqueles que não se enquadram nessas práticas, a legislação fica aquém da digitalização, o que resultou em um número menor de atores privados concentrando mais poder na internet.

A automação
Outro perigo que o Fórum Econômico Mundial vem alertando há muito tempo é o impacto da automação no emprego. Já em seu último relatório de 2020 sobre “O futuro do emprego”, alertou sobre como a automação pode substituir 85 milhões postos de trabalho em apenas cinco anos. Empregos, em geral, com menor qualificação que, por outro lado, proporcionam renda aos grupos mais vulneráveis. Um despropósito ao qual as economias desenvolvidas e emergentes não estão dando resposta, amparando-se na necessidade de aumentar a produtividade. Da mesma forma, o número de trabalhadores vulneráveis não é menor em todo o mundo: estima-se que a economia paralela emprega 60% da força de trabalho mundial.

Desconexão
O relatório também chama a atenção para o paradoxo de uma sociedade cada vez mais desconectada, apesar do aumento da conectividade. A polarização crescente e a desinformação imparável favorecem que se ampliem as lacunas, aumentando as fraturas sociais. Ao mesmo tempo, alerta sobre os riscos envolvidos no uso de algoritmos e Inteligência Artificial (IA).

O Fórum Econômico Mundial expõe como o rastreamento da produtividade dos funcionários por meio de algoritmos e a previsão de reincidência de pessoas com antecedentes já é uma realidade, ao mesmo tempo em que alerta sobre como indivíduos e grupos não estatais podem acessar algoritmos que podem espalhar conteúdo perigoso com um eficiência, velocidade e alcance nunca antes vistos, aludindo assim à desinformação. O número de países que sofreram campanhas de manipulação por meio das redes sociais organizadas disparou 150%, entre 2017 e 2019.

Análise parcial
Sendo assim, o Fórum Econômico Mundial exige maior apoio à educação básica e a aprendizagem permanente que pode aumentar a alfabetização digital. Infelizmente, nas conclusões deste capítulo, nenhuma menção é feita à impossibilidade de muitos grupos vulneráveis de ter acesso à tecnologia.

Na Espanha, o confronto com a realidade durante o confinamento foi brutal ao ver como o problema para 10% dos alunos não era a falta de conhecimento digital, mas o fato de nem mesmo ter acesso à internet. Mundialmente, segundo dados da UNESCO, o número chega a 40% dos estudantes, com 826 milhões de alunos sem acesso a um computador em casa. Lamentavelmente, análises como as do Fórum Econômico Mundial continuam acentuando os riscos, não só para as sociedades mais ricas, mas também para os seus membros em melhor situação, sem apontar soluções para uma exclusão que avança cada vez mais.