SSB
08/01/2021

Arte de Tela de Kassio Massa, Arquiteto, urbanista e artista visual com graduação pela FAU Mackenzie, e mestrando na mesma universidade. Atua com desenho, fotografia e meios digitais.

“Dos imensos desafios diante de nós, que nos demandarão ampla gama de habilidades, de capacitações, da força de nosso trabalho, de nossos cuidados, desde a adaptação de sistemas agrícolas à transição energética, passando pelas frentes da saúde pública e da reparação e reconstrução de ecossistemas, pela moradia e pela preservação, expansão e comunicação dos conhecimentos, o maior de todos provavelmente é a construção da paz social. E, para enfrentá-lo, a grande lição nos foi dada há 2020 anos: ‘Amai-vos uns aos outros’”, escrevem Paulo Sérgio FracalanzaRosana Icassatti Corazza e Mariana Reis Maria para para a coluna “Rumo a Assis: na direção da Economia de Francisco”.

A arte que ilustra esta Coluna é uma obra de Kassio Massa, arquiteto, urbanista e artista visual com graduação pela FAU Mackenzie, e mestrando na mesma universidade. Atua com desenho, fotografia e meios digitais.

Eis o artigo publicado no site IHU


«Aqui está um ótimo segredo para sonhar e tornar a nossa vida uma bela aventura. Ninguém pode enfrentar a vida isoladamente (…); precisamos duma comunidade que nos apoie, que nos auxilie e dentro da qual nos ajudemos mutuamente a olhar em frente. Como é importante sonhar juntos! (…) Sozinho, corres o risco de ter miragens, vendo aquilo que não existe; é juntos que se constroem os sonhos». Francisco, 2019. (citação em Fratelli Tutti).

Vivemos, nestes tempos, uma espécie de luto. Apegamo-nos de tal forma a ilusões, a esperanças longamente acalentadas, que agora, sob a força descomunal desses vendavais perenes da mudança que ameaçam destruir a civilização humana e a teia da vida na Terra, enfrentamos imensa dificuldade em nos desvencilharmos das miragens que nos alentavam. Não seria essa uma imagem apropriada para nosso momento presente? 

As narrativas sobre o progresso inconteste, a embalar nossos sonhos, firmaram raízes no século XVIII entre os filósofos do Iluminismo escocês e francês. Ao longo do século XIX, encontraram terreno fértil nas cantilenas de variados pensadores: em Hegel e em Marx, com suas visões do desenvolvimento histórico ensejado pelo conflito; em Comte, com sua crença no aprimoramento da moral e no desenvolvimento intelectual da humanidade; em Spencer, com sua quimera determinística de um progresso permanente no sentido de um aperfeiçoamento teleológico do mundo. Mas, no século XX, a despeito dos episódios sangrentos das Grandes Guerras, das crises econômicas e da ascensão dos regimes totalitários que lançaram dúvidas sobre o destino radiante da civilização ocidental, parte expressiva da humanidade lançou-se a projetar, como que alheia às suas próprias realidades ora cruéis, quase sempre prenhes de misérias humanas, com o auxílio das novas ferramentas econômicas, com as recém criadas métricas do crescimento econômico e da produtividade e, sobretudo, com a ideia do desenvolvimento econômico, um mundo no qual destinávamo-nos a um futuro radioso, mais livre, mais justo, mais longevo e indubitavelmente muito mais rico.

Quando, em 1930, Keynes publica seu célebre ensaio sobre as “Possibilidades Econômicas para Nossos Netos” assevera, no vórtice do Crash da Bolsa de Nova Iorque, que a tormenta que se atravessava decorria das dores do crescimento de um sistema que continuaria, se soubéssemos afastar alguns obstáculos de seu caminho, a crescer constantemente, de tal forma que, pela mágica dos juros compostos, em mais cem anos a humanidade descortinaria pela primeira vez a solução de seu problema econômico: a penosa labuta para ganhar a vida com o suor do rosto.

Em 1974, quando a população mundial atingia a marca dos 4 bilhões de seres, em pleno movimento do Renascimento do Debate Ambiental, nosso grande economista Celso Furtado, reconhecido como um dos mais fecundos teóricos do desenvolvimento econômico brasileiro salpica alguns grãos de areia na engrenagem de nossos pensamentos faustianos sobre as potencialidades do Brasil [1]. Dizia Furtado, perfeitamente inteirado sobre o debate ambientalista com as contribuições decisivas de Georgescu-Roegen (1971) e de Donella Meadows e sua equipe, o “Limits to Growth” (1972), que a ideia de um sistema em crescimento infinito contido num sistema finito era fisicamente impossível. Também admoestava que abandonássemos a crença de que, ao longo do tempo, naturalmente ocorreria uma convergência entre os padrões de desenvolvimento das nações contrariava todas as evidências disponíveis. Finalmente, sugeria que o american way of life, como padrão de consumo e ideal civilizatório, não possuía quaisquer virtudes e não deveria servir como referência para nossos projetos de desenvolvimento do Brasil.

Entretanto, tanto tempo passado, ainda chafurdamos no lodaçal da negação das evidências. Como humanidade ainda não voltamos as costas ao horizonte envolto pelas promessas do crescimento e pelas expectativas de um consumo mais pródigo com suas imagens publicitárias de felicidade histriônica. Afinal, como podemos superar a promessa de um mundo que, a despeito de seu evidente fracasso civilizatório, ainda nos seduz? Ora, é mister constatar que as crises que se abatem sobre a humanidade, a crise ambiental, a crise social, a crise política, a crise sanitária, a crise migratória estão todas interligadas. Cada vez mais nos damos conta da urgência de soluções, mas também nos damos conta da impotência de nossas respostas tímidas. Talvez, com o esvaziamento dos horizontes mais amplos nas promessas do (neo)liberalismo, do socialismo real, do capitalismo e do anarquismo, o que mais precisemos agora são novas narrativas que permitam que nos reconciliemos com nossos próximos, humanos e não humanos. Que nos reconciliemos com a vida.

Se hoje vivemos nas sombras de um mundo fechado, podemos nos surpreender com boas novas. Assim, recebemos a notícia de uma nova Encíclica Papal que traz em seu título uma imagem de esperança. Em Fratelli Tutti [2], o Papa Francisco exorta a humanidade a trilhar os caminhos da fraternidade e da amizade social. Exorta-nos a zelar pelos últimos, pelos desvalidos, a que não deixemos ninguém pelo caminho e a integremo-nos na humanidade em toda a sua diversidade. Assim, de forma lúcida, no capítulo quinto, intitulado “A Política Melhor”, o parágrafo 162 afirma a centralidade da questão do trabalho:

“Numa sociedade realmente desenvolvida, o trabalho é uma dimensão essencial da vida social, porque não é só um modo de ganhar o pão, mas também um meio para o crescimento pessoal, para estabelecer relações sadias, expressar-se a si próprio, partilhar dons, sentir-se corresponsável no desenvolvimento do mundo e, finalmente, viver como povo.” (Francisco, 2020).

É digno de nota que aí se constata uma conceituação de trabalho muitíssimo mais ampla do que a contida nos manuais de Economia. Mesmo se nos debruçarmos sobre produções alternativas, com algumas honrosas exceções [3], raras vezes veremos o desemprego esboçado como flagelo que atenta contra o sentido mesmo da concepção de Economia, em sua acepção substantiva. Pois, como nos ensina Polanyi, a definição de Economia guarda dois sentidos. Um sentido formal, expresso na noção de “economizar” e que diz respeito à eficiência dos processos, à competição, à obra da acumulação do capital e, num outro registro, um sentido substantivo, remetendo à ideia de que ninguém neste mundo pode viver sem um meio material (e social) que o sustente.

Se na grande exceção europeia do Pós-Segunda Guerra, os “Trinta Gloriosos”, o pleno emprego chegou a figurar como objetivo precípuo de alguns Estados Nacionais, nos dias de hoje, encontramo-nos como que anestesiados frente à escalada brutal da redundância do trabalho vivo em todos os rincões do planeta. As brutais taxas de desocupação e o imenso sofrimento que delas derivam continuam a se elevar continuamente.

Segundo dados do último World Employment and Social Outlook [4] há quase meio bilhão de pessoas com insuficientes níveis de trabalho pago: estima-se em 188 milhões o número de desempregados165 milhões de pessoas na categoria dos subocupados por insuficiência de horas trabalhadas e outros 120 milhões na força de trabalho potencial (que buscaram trabalho, mas não estavam disponíveis, ou que estavam disponíveis mas não buscaram trabalho). Num outro registro alarmante, as taxas de pobreza moderadas ou extremas no trabalho atingem uma população de 630 milhões de trabalhadores, homens e mulheres, ou seja, um a cada cinco, que recebem, respectivamente, menos de 3,2 ou 1,9 dólares em paridade de poder de compra por dia.

Portanto, não há maior eloquência possível do que a fornecida por esses dados a atestar o imenso fracasso de nosso mundo em prover trabalho digno às pessoas. Infelizmente, o quadro, aparentemente, só tende a piorar. E sobejam razões para esse pessimismo.

Primeiro, pois vivemos desde a crise financeira de 2008 uma prolongada desaceleração [5] que parece ser, para muitos analistas, um “novo normal”. No momento atual, com maior intensidade, em razão dos impactos da pandemia, o FMI projeta a pior recessão desde a Grande Depressão de 1929, com um decrescimento global estimado da ordem de 4,9% [6].

A segunda razão é que o crescimento neste momento é (e será) muito menos rico em empregos do que antes. Baixo crescimento da produtividade e dos investimentos em capital fixo, retrações da demanda agregada explicadas em parte pelo estado deprimido das expectativas e pela ampliação das desigualdades de renda e riqueza (os estratos mais ricos têm menor propensão ao consumo) e, finalmente, a desaceleração da inovação e da integração comercial [7] são todos motivos apontados para esta redução do que os economistas chamam de elasticidade de renda dos empregos. Ademais, poderíamos acrescentar a esta lista os receios trazidos com a perspectiva de robotização em larga escala dos processos industriais, na esteira da indústria 4.0, e as evidências cada vez mais robustas do decréscimo acelerado dos preços dos robôs trabalhadores quando comparados aos custos da mão de obra humana.

Um terceiro motivo, se os anteriores não fossem já suficientes, é que crescem os temores de que os empregos que estão a ser criados – como já se sabe absolutamente insuficientes para absorver o enorme contingente de seres humanos à procura de trabalho, de renda e de reconhecimento – são crescentemente precários, perigosos, insalubres, alienantes, algo que uma nova literatura sociológica e antropológica tem denominado, sem eufemismos, de bullshit Jobs [8].

Finalmente, há uma última razão incontornável: mesmo que o crescimento pudesse retornar, estamos a ultrapassar velozmente as fronteiras planetárias seguras para a manutenção da teia de vida em nosso planeta. Não há mais como fechar os olhos para os efeitos que as vastas e profundas alterações produzidas pelo Homo sapiens têm provocado sobre os sistemas naturais. Segundo a compreensão científica mais avançada em nossos dias, o chamado Sistema Terra compreende terra, oceanos, atmosfera e os solos, incluindo os ciclos naturais do planeta, dentre os quais o do carbono, o da água, o do nitrogênio, o do fósforo e o do enxofre, além de processos terrestres e marinhos profundos. Esse complexo sistema envolve interações igualmente complexas entre processos físicos, químicos e biológicos, cuja resultante se reflete em espetacular teia da vida, da qual nossa particular sociedade faz parte, com suas múltiplas formas, historicamente circunstanciadas, de organização sociocultural e econômica. A forma predominante em nossos tempos é profundamente dependente de matérias-primas e combustíveis de origem fóssil – além de vertiginosamente desigual, insensatamente esbanjadora e insistentemente míope no que diz respeito à sua própria dependência com relação ao sistema terrestre. Cada vez mais essa forma é a do moto insustentável do consumismo e da tônica do endividamento - o modelo que Schor (2008) tratou como de “overworking” dos estadunidenses, que se alastra para o resto do mundo, como uma pandemia. Uma forma de organizar a vida social, a produção e o trabalho que, como apontou Jackson (2009), se institui numa lógica sem sentido na qual as pessoas “são persuadidas a gastar dinheiro que não têm, em coisas de que não precisam, para criar impressões que não duram, em pessoas de que não gostam”. Essa forma de organização tem permitido, de forma persistente, desde o segundo Pós-Guerra, uma aceleração absolutamente sem precedentes da expansão, em escala e em intensidade, da presença, da influência e dos impactos de nossa espécie sobre os componentes e sobre a operação do sistema terrestre.

A miopia que parece obliterar o senso comum, ao lado da desinformação e até o obscurantismo hoje perniciosamente difundidos, insiste em ocultar, ignorar ou negar efeitos para os quais a Ciência já possui diagnóstico e diante dos quais clama por ações de mitigação, de adaptação e de reparação, orientadas por um princípio maior, de precaução.

Fronteiras Planetárias e Limites Operacionais Seguros são termos que cientistas, contados hoje às dezenas de milhares pelo mundo afora, se empenham em esclarecer e difundir, na esperança de fazer avançar o próprio conhecimento científico e de informar tomadores de decisão e o público em geral a fim de evitar um colapso do sistema terrestre. O desafio gigantesco em termos de amealhar conhecimento de diferentes áreas científicas rendeu esse fruto que é o trabalho organizado por Steffen e colegas (2015) e Rockström e colegas (2009) e outros. A partir dele podemos reconhecer nove processos fundamentais que têm garantido a singular estabilidade do sistema terrestre ao longo dos últimos 11 mil anos: as alterações climáticas, a perda de biodiversidade, o empobrecimento da camada de ozônio, a acidificação dos oceanos, os fluxos biogeoquímicos (os ciclos do nitrogênio e do fósforo), a alteração do sistema de terras (desflorestamento), a utilização de água doce, a carga atmosférica de aerossol e a poluição química. Para cada um desses processos, os cientistas se esforçaram desenvolver indicadores e realizar mensurações a fim de determinar qual seria o espaço seguro para operação da humanidade e os limites de impacto que seriam capazes de suportar sem que sua resiliência fosse ultrapassada – ou seja, sua “fronteira” diante da qual maiores perturbações antrópicas levariam a níveis incertos de alteração. Infelizmente, já em 2015 quatro dessas fronteiras planetárias haviam sido ultrapassadas: a taxa de extinção, o desflorestamento, a concentração de carbono atmosférico (associado às transformações climáticas) e os ciclos biogeoquímicos (do nitrogênio e do fósforo. Multiplicam-se e tornam-se mais frequentes os alertas da comunidade científica sobre os riscos que essas transformações aceleradas colocam, em escalas cada vez mais amplas, em progressiva intensidade, com efeitos irreversíveis sobre a estabilidade das condições do Sistema Terra, que está se tornando menos hospitaleiro para a própria espécie humana (KENDALL, 1992; RIPPLE et al, 2017; RIPPLE et al, 2019).

Como as antigas fórmulas parecem não surtir qualquer efeito, é mister que busquemos no imenso repertório de experiências e de outras formas de organização social e política que a humanidade ainda conserva, alternativas ao status quo. E uma dessas alternativas, forjada ao longo dos tempos nos movimentos de luta a defrontar trabalhadores e capitalistas, trazida ao centro das reivindicações operárias em diversos momentos e lugares [9], pode ser fonte de revitalização dos campos social, político e ecológico. Trata-se da proposta de Redução do Tempo de Trabalho. Num mundo que há duzentos e cinquenta anos, ao menos, registra um prometêico crescimento das forças produtivas do trabalho, movidas a combustíveis fósseis, com a crescente redundância de força de trabalho viva, há que se pensar no registro da partilha do emprego, ou seja, para recuperar a célebre máxima: “trabalhar menos, para trabalharem todos” [10]. Todavia, a RTT não se apresenta somente como alternativa para criação de empregos, mas como medida fundamental para a ressignificação dos modos de vida, no sentido que emprestamos, em outro trabalho [11], ao significado “substantivo” da RTT, apoiando-nos em Polanyi. Qual seja, abandonarmos os limites estreitos do significado formal do econômico que aprisiona a redução do tempo de trabalho nas armadilhas da produtividade, da eficiência e da concorrência internacional e ampliarmos o alcance desta importante forma de luta em seu sentido “substantivo”: a ideia de que não há comunidade humana que possa prosperar sem que se articulem homens e mulheres para que o tecido social e o tecido ecológico sejam preservados e que, cada qual, possa contribuir.

De outra parte, cresce a convicção de que a redução do tempo de trabalho, trazendo à cena a solidariedade envolvida na partilha do emprego, e a busca deliberada por reduzir a produtividade num conjunto de atividades que se animam pela doação (de tempo, de cuidados, de afetos) [12] são absolutamente necessárias para fazer face ao colapso ambiental que já se encontra entre nós.

Aliás, se pensarmos nos marcos das múltiplas formas que podem assumir a reorganização das formas de vida social, política e econômica, como alternativas à ordem vigente sob o regime do capital, encontraremos na liberação do tempo heterônomo e na consequente ampliação do tempo autônomo um conjunto de atividades prodigioso a ser preenchido: cuidadosrevitalização espaços públicosreconstrução de ecossistemas, hortas públicasagroecologia, etc.

Como nos chama à reflexão a encíclica Fratelli Tutti, “o todo é mais que a parte, sendo maior também que a soma delas”. Uma sociedade universal haverá que ser um poliedro, no qual cada face reflete culturas, identidades, formas locais de organização, de produção, de vida, de trabalhos com sentidos de realização do potencial humano, de cuidados consigo, com o próximo, com a Casa Comum. Um poliedro que certamente sempre terá arestas, mas no qual as “diferenças convivem, integrando-se, enriquecendo-se, iluminando-se reciprocamente”.

Fruto da evolução de milhões e milhões de anos, num milagre de resiliência, formas de vida distintas ainda existem hoje, ainda que não exatamente como existiram no passado. Nas terras, nos mares, nos ares. A vida mesma que encantou Francisco e Clara. Há sempre um pequeno irmão ou irmã, cuja vida, como reconheciam os dois santos inspiradores, é merecedora de todo cuidado, de todo carinho, de toda atenção, como a de qualquer outra pessoa. Tantos pequeninos e pequeninas, hoje, são a herança de formas de organização que, como as faces do poliedro, representam a grande riqueza social e cultural nesse planeta, construída por centenas ou milhares de anos, em relações chamadas “tradicionais”, “autóctones”, “indígenas” ou “alternativas” com seus meios. Muitos precisam do pão; outros, apenas que se respeitem suas formas de vida, a peculiaridade de seus trabalhos, em seus territórios e, sobretudo, suas próprias existências. Saibamos que, suas sementes, suas formas de plantá-las, suas formas de cuidar-se uns dos outros e de zelar pela vida serão parte do caminho para uma saída da enrascada em que nos encontramos.

Haverá que nos inspirar, também, esse conhecimento que, nesse momento, insiste em rebrotar, a cada dia, entre o nascer do irmão Sol e o despontar da irmã Lua. Renasce, a despeito de toda guerra, de todo ódio, de toda ganância, de toda intolerância, de todo obscurantismo, de todo preconceito. E com ele, também tem continuidade um grande milagre das múltiplas formas da vida e do trabalho humano. Um milagre até na própria existência desses pequeninos e pequeninas que nos herdam esse mundo insano, que a nós nos cabe ajudar a melhorar.

Dos imensos desafios diante de nós, que nos demandarão ampla gama de habilidades, de capacitações, da força de nosso trabalho, de nossos cuidados, desde a adaptação de sistemas agrícolas à transição energética, passando pelas frentes da saúde pública e da reparação e reconstrução de ecossistemas, pela moradia e pela preservação, expansão e comunicação dos conhecimentos, o maior de todos provavelmente é a construção da paz social. E, para enfrentá-lo, a grande lição nos foi dada há 2020 anos: “Amai-vos uns aos outros”.

Autores

Paulo Sérgio Fracalanza é professor Livre Docente do Instituto de Economia da Unicamp, fracalanza@unicamp.br

Rosana Icassatti Corazza é professora Doutora do Instituto de Geociências da Unicamp, rcorazza@unicamp.br

Mariana Reis Maria é doutoranda no Programa de Ciência Econômica do Instituto de Economia da Unicamp, marireis_maria@hotmail.com

Notas

[1] Aliás, é mister dizer que suas reflexões são escritas num momento em que crescíamos a taxas históricas desde o Pós-Guerra de pouco mais de 7,5 ao ano e, com exceção do bloco socialista, éramos a nação que mais havia crescido neste período.
[2] Francisco, 2020.
[3] Uma dessas exceções é um artigo de Amartya Sen de 1997.
[4] ILO (2020).
[5] Slowdown, em inglês.
[6] IMF (2020).
[7] ILO (2018), especialmente à página 5 o box Slow Growth: the new normal?
[8] Empregos de merda, em português. Ver especialmente Brygo & Cyran (2018) e Graber & Cerutti (2018).
[9] Ver, especialmente, Fracalanza (2008).
[10] Conforme o título do livro de Aznar (1993)
[11] Fracalanza, Maria & Corazza (2020).
[12] Mair, Druckman, Jackson (2020).

Referências Biobliográficas

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