Em contraposição, número de pessoas que dependem da agricultura para sobreviver têm aumentado gradativamente na cidade

A horta da favela de Manguinhos tem o tamanho de três campos de futebol e fica sob uma linha de força. Foto: Ian Cheibub / DER SPIEGEL

Jaqueline Deister | Brasil de Fato

A proposta para a revisão do Plano Diretor do município do Rio de Janeiro tem sido duramente criticada por agricultores urbanos que não se sentem contemplados no planejamento de cidade apresentado na versão preliminar do documento finalizada neste ano.

Na cidade do Rio, os agricultores estão localizados em bairros como Santa Cruz, Campo Grande, Vargem Grande, Guaratiba, Sepetiba, localizados na zona Oeste, e também em bairros como Manguinhos e Complexo da Penha, na zona Norte. Entre os problemas listados pelos trabalhadores rurais está o não reconhecimento da capital fluminense como um território que também planta alimentos.

A invisibilidade dos agricultores urbanos por parte do poder público gera escassez de políticas públicas eficientes no apoio da produção agrícola que abastece as principais feiras agroecológicas do Rio. Bernadete Montesano é agricultora e integra a Rede Carioca de Agricultura Urbana. De acordo com ela, a minuta do Plano não menciona, sequer, a palavra alimento, o que aponta um descaso da política para com agricultores familiares do município.

“No Plano Diretor a situação do Rio aparece como um território todo urbanizado, não existe área rural. Há uma crise de identidade muito grande. É pior do que o preconceito. É você não existir. É como se esses agricultores não existissem e produzissem em suas cidades. É um conflito que vivemos. O que a gente quer é que haja esse reconhecimento e que ele se dê de uma forma em que agricultores e agricultoras desenvolvam os seus trabalhos de forma qualificada e com respeito dessa identidade de trabalhador e produtor na sua cidade”, explica.

O Plano Diretor do município é um instrumento de elaboração da política urbana e é revisto a cada 10 anos. O processo de revisão da última versão começou em 2018. Um ano depois, a Prefeitura do Rio iniciou o contato com diferentes setores da sociedade civil para a revisão da política de desenvolvimento da cidade que culminou na última versão do planejamento a que Bernadete se refere.

Dificuldades

Os números mostram que as pessoas que dependem da agricultura para sobreviver têm aumentado de forma gradativa na capital. Dados da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater-Rio) apontam que, oficialmente, existem cerca 1.500 agricultores que se dedicam ao comércio de produtos rurais, cadastrados no município. De acordo com o levantamento da empresa, a agricultura orgânica e agroecológica, tem registrado aumento em torno de 15% a 25 % ao ano.

Sandra Kokudai integra a Rede Ecológica, que há 20 anos estimula o consumo consciente e também atua como assessora parlamentar do vereador Reimont (PT), que preside a Frente Parlamentar de Segurança Alimentar e da Agricultura Carioca. Segundo ela, hoje, um dos principais entraves para os agricultores familiares está na política fiscal do município.

“Uma grande dificuldade dos agricultores é o reconhecimento dos territórios agrícolas na cidade do Rio nas políticas fiscais para que se garanta o direito ao pagamento do Imposto Territorial Rural (ITR) em propriedades com usos rurais e não exclusivamente agrícolas, assim como para tirarem a Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (DAP), necessário para a comercialização institucional”, destaca a arquiteta, que chama a atenção para a necessidade de saneamento básico em todo o município como essencial para a produção de alimentos de qualidade.

“Também é preciso reconhecer o direito de ‘Morar e Plantar’ na cidade, garantindo segurança fundiária, melhores condições de moradia, saneamento básico bem implementado e acesso à água de qualidade para consumo e para plantio”, ressalta.

Histórico

A morosidade no desenvolvimento de políticas públicas para os pequenos produtores cariocas é notória há anos. Apesar de ser de 2019, a lei que institui a Política Municipal de Apoio à Agricultura Urbana e Periurbana ainda não foi implementada.

Em seu texto, a lei estabelece, por exemplo, “a promoção de práticas agroecológicas visando o menor impacto no meio ambiente, incluindo impacto no solo, gestão de recursos hídricos, saúde dos trabalhadores, poluição gerada pelo transporte entre outros”.

Além de lutar pela implementação da lei de apoio a agricultura urbana, os agricultores cariocas também atuam em prol da aprovação e regulamentação do Projeto de Lei 1854/2020 que trata sobre o Circuito Carioca de Feiras Orgânicas e consolida, no âmbito municipal, conceitos sobre o sistema orgânico de produção agropecuária.

Recentemente a prefeitura transferiu o circuito das feiras da Secretaria Municipal de Trabalho e Renda (SMTR) para a Secretaria Municipal de Ordem Pública (SEOP) passando a ter um caráter mais fiscalizador.

Roda de Conversa

Com o intuito de ampliar o debate sobre a importância da agricultura urbana, a Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro (AARJ) e a Rede Carioca de Agricultura Urbana (Rede CAU), com o apoio da Iniciativa Agroecologia nos Municípios, que é uma ação da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), organizaram a roda de conversa “A cidade também planta” com o objetivo de refletir sobre o modelo de desenvolvimento da cidade a partir do olhar crítico das organizações e famílias produtoras.

O primeiro encontro ocorre nesta terça-feira (21), às 18h, e tem como tema o Plano Diretor da cidade do Rio. Ao todo, serão quatro rodas. As outras três tratarão a respeito do abastecimento e comercialização de produtos agrícolas; agricultura urbana e, por fim, terra e território.