Dário Bossi
07/06/2023

Mais uma proposta para uma Vida Religiosa em saída

Foto: Leonardo Paleari/Flickr

Estamos na década decisiva para o futuro do Planeta, dizem os cientistas[1].

Nossa irmã Mãe Terra clama como uma das vítimas mais abandonadas e maltratadas, insiste o Papa Francisco (cf. LS 2).

A Jesus, que nos convida a olhar para os sinais dos tempos e a interpretar o tempo presente (Lc 12, 54-57), a Igreja responde reconhecendo a grave crise socioambiental em que nos encontramos e à qual condenamos as gerações futuras.

Esses tempos são violentamente marcados pelo sistema capitalista, que – apesar de tudo – continua com a opção suicida do extrativismo predatório e tenta disfarçá-la pintando-se de verde. Para isso, busca cada vez mais frequentemente a justificação e a cumplicidade do mundo religioso.

Os bispos da América Latina e do Caribe expressaram sua clara consciência sobre estas ameaças e denunciaram veementemente o modelo de saque dos bens comuns em sua Carta Pastoral "Discípulos Missionários Custódios da Casa Comum" (2018):

"O extrativismo é uma tendência desenfreada do sistema econômico de converter os bens da natureza em capital. É a ação de "extrair" a maior quantidade de materiais no menor tempo possível, para convertê-los em matérias-primas e insumos que a indústria vai utilizar. Estes serão transformados em produtos e serviços que outros vão comercializar, a sociedade vai consumir e que a própria natureza vai receber na forma de resíduos poluentes; é um circuito consumista que se gera com velocidade e risco crescentes" (n. 11).

O Papa retoma esse tema na exortação apostólica Querida Amazônia, após o Sínodo para a Amazônia:

"Às operações econômicas, nacionais ou internacionais, que danificam a Amazónia e não respeitam o direito dos povos nativos ao território e sua demarcação, à autodeterminação e ao consentimento prévio, há que rotulá-las com o nome devido: injustiça e crime." (QA, 14)

Para mascarar as intenções de sempre, que são a maximização dos lucros e o controle do poder, as corporações e os sistemas políticos sugerem o disfarce da transição. A mudança é necessária e urgente, claro, mas não muda o modelo de grande consumo de energia e dos bens comuns.

A própria situação das comunidades do Sul global, que vivem em territórios considerados "zonas de sacrifício", não se altera. Para muitas delas, o velho modelo colonial de pilhagem e espoliação, agora modernizado, mantém-se na perspectiva de novos produtos ao serviço da "transição" dos grandes: as terras raras e os chamados "mineiros críticos", necessários para novas tecnologias de produção de energia; os mecanismos de crédito de carbono; a expansão do agronegócio com agrotóxicos em regiões pobres para alimentar as mesas dos ricos; os grandes projetos de infraestrutura para exportação de mercadorias...

Mais uma vez, os "de cima" decidem e influenciam os projetos de vida dos "de baixo".

O grito do Papa Francisco "tirem as mãos da África!"[2], denunciando o extrativismo predatório, também se aplica à América Latina.

O freio mais eficaz à ganância desse modelo de saque é a resistência das comunidades em seus territórios. Na medida em que isso consiga frear a destruição e a acumulação de capital pelas corporações, as sociedades também poderão formular propostas sólidas, participativas e inclusivas de transição para modelos econômicos que respeitem os direitos das pessoas e da natureza.

E a resistência ocorre nos territórios, graças à identificação das comunidades com seus territórios!

É indispensável prestar uma atenção especial às comunidades aborígenes com as suas tradições culturais. Não são apenas uma minoria entre outras, mas devem tornar-se os principais interlocutores, especialmente quan­do se avança com grandes projetos que afetam os seus espaços. Com efeito, para eles, a terra não é um bem económico, mas dom gratuito de Deus e dos antepassados que nela descansam, um es­paço sagrado com o qual precisam de interagir para manter a sua identidade e os seus valores. Eles, quando permanecem nos seus territórios, são quem melhor os cuida. Em várias partes do mundo, porém, são objeto de pressões para que abandonem suas terras e as deixem livres para projetos extrativos e agropecuários que não prestam atenção à degradação da natureza e da cultura. (LS 146)

O Papa Francisco nos ajuda a dar um passo à frente e reconhecer que as culturas e espiritualidades são a principal forma de resistência, porque conectam as comunidades com seus territórios e as impulsionam a protegê-las.

As espiritualidades nascem do vínculo ancestral com a terra, onde cada comunidade se enraíza e vincula à sua história. Ao mesmo tempo, a convivência de uma comunidade em seu território é uma oportunidade fecunda para cultivar sonhos, perspectivas futuras e projeções de vida. É o que entende o filósofo indígena brasileiro Ailton Krenak, quando diz que "o futuro é ancestral".

Começamos a entender, portanto, o sentido e a importância dos caminhos de fé e da presença das igrejas junto às comunidades. Não para impor visões, mas para respeitar a profundidade de suas espiritualidades, compartilhá-las e alimentar-se mutuamente nelas.

Muitas comunidades ouvidas na fase preparatória do Sínodo pediram à Igreja exatamente isso: uma aliança, para fortalecer sua resistência e consolidar sua voz de denúncia e reivindicação.

Um dos desafios para a vida religiosa, portanto, é a fidelidade a essa aliança. 

Poderíamos dizer que o extrativismo predatório provoca a Vida Religiosa e vem "extraí-la" de suas rotinas protegidas, convocando-a à proximidade samaritana com as comunidades ameaçadas nas raízes de seus territórios.

É dessas considerações que nasceu o projeto do "Atlas das Igrejas no Cuidado da Casa Comum".

Há algum tempo, temos mapas cada vez mais precisos (e preocupantes) sobre conflitos causados pela mineração na América Latina. Sabemos que, em muitos casos, esses conflitos estão associados a ameaças, criminalização e perseguição de líderes comunitários, catequistas, religiosas/os ou padres que tomam posição em defesa dos territórios, em nome da fé e do povo.

Mas, ainda não temos um mapa que identifique onde as igrejas estão presentes, ao lado de comunidades ameaçadas pela mineração, e onde elas não estão.

Uma aliança de organismos religiosos (CLAR, CRB, CNBB e a rede ecumênica Igrejas e Mineração) avalia que essa seria uma ferramenta preciosa para provocar ainda mais a Vida Religiosa à saída, ao compromisso profético, à solidariedade. Esta iniciativa se tornaria também um apelo urgente a toda a Igreja, para que assuma corajosamente o cuidado da nossa Casa Comum.

O processo de pesquisa e leitura do território, para identificar onde estão os principais conflitos minerários em determinada região e em que medida as igrejas estão próximas, é um exercício importante para despertar uma compreensão mais ampla da vocação a que Deus e seu povo chamam a Vida Religiosa.

Por isso, convidamos as comunidades consagradas da América Latina a colaborar no projeto Atlas[3], que ficará em construção por um ano e será apresentado com seus resultados no seminário-workshop CLAR, previsto para agosto de 2024.

Os Bispos exortam as comunidades católicas do continente a ver e tocar a realidade, contemplando nela o Evangelho da Criação e percebendo a ação do Espírito Santo na história humana; a analisar, interpretar, discernir o que é apropriado ou não das atividades extrativistas nos territórios e, assim, propor, planejar, agir para transformar nosso próprio estilo de vida, influenciar as políticas energético-mineradoras dos estados e governos, e as políticas e estratégias das empresas dedicadas ao extrativismo, com vistas à consecução do bem comum e de um desenvolvimento humano autêntico, sustentável e integral. (Discípulos Missionários, 12)

Que esta orientação magistral dos bispos do CELAM nos impulsione, por mais uma missão comum em defesa da Vida e da Criação!


[1] Um dos estudos mais contundentes, publicado em abril de 2023, é "O decênio decisivo: propostas para uma política de sobrevivência", do autor brasileiro Luiz Marques. Nesta entrevista, você encontrará uma breve síntese: https://elefanteeditora.com.br/luiz-marques-o-ser-humano-nunca-viveu-situacao-tao-grave/

[2] Por ocasião da visita à República Democrática do Congo, em 31 de janeiro de 2023

[3] Para informações e colaboração, consulte psocial@gmail.com