De 30 de maio a 4 de junho, os bispos do regional Nordeste V (que corresponde ao Estado do Maranhão) da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) realizarão a visita Ad Limina Apostolorum aos dicastérios e congregações da Cúria Romana e ao Papa Francisco.
Na ocasião, dom José Valdeci Santos Mendes, bispo da Diocese de Brejo (MA) e presidente da Comissão Episcopal para a Ação Sociotransformadora da Conferência Nacional do Bispos do Brasil, entregou a mensagem abaixo ao Cardeal Michael Czerny!
Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano e Integral
Eminencia Reverendíssima,
Cardeal Michael Czerny!
Em plena comunhão e fraternidade com o Papa Francisco e seu magistério, os bispos da Igreja do Maranhão - Regional Nordeste V, junto às pastorais sociais do Regional Nordeste 5 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, no exercício de sua missão evangelizadora assume a opção preferencial pelos pobres, pela justiça socioambiental e pela paz.
O Maranhão é o segundo estado brasileiro com o maior número de pessoas assassinadas por situações de conflito no campo. De acordo com os dados apresentados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Federação dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras do Maranhão (FETAEMA), foram 14 vítimas entre os anos de 2021-22 e uma escalada de violência sem precedentes contra povos e comunidades tradicionais.
Segundo a CPT, nos últimos nove anos houve 1.685 casos de conflitos agrários, estatística que torna o Maranhão o estado mais violento da Amazônia Legal.
Já o Conselho Indigenista Missionário - CIMI Regional Maranhão, registra 28 assassinatos de indígenas do povo Tenetehara / Guajajara entre os anos de 2012 a 2021 em apenas 05 terras indígenas. Das vítimas, a dimensão de gênero é destacável, pois foram três mulheres mortas até o presente momento.
Ou seja, a violência no campo tem atacado com brutalidade mulheres lideranças comunitárias, ceifando suas vidas e de seus companheiros. Outro aspecto importante é que todas as pessoas vitimadas são negras, revelando a associação direta entre devastação de biomas, em especial o cerrado e Amazônia, a morte em larga escala de grupos racializados e a cobiça por territórios de povos e comunidades tradicionais.
Tal escalada de violência tem razões estruturais. A aposta governamental (em nível estadual e federal) no aumento da produção do agronegócio como fonte principal da balança comercial, no qual tem relação direta com casos de grilagem e morte no campo, o incentivo a megaprojetos de desenvolvimento com o aumento da degradação ambiental e expulsão de comunidades a todo custo de seus lugares de vida. Somam-se negligências nas investigações por parte do Governo do Estado do Maranhão e instituições competentes tanto em nível federal quanto estadual, transformando a impunidade em licenças para matar.
Assim, tem sido recorrente apontamentos das pastorais e organizações sociais sobre a guerra que tem ocorrido no estado. Casas invadidas, pessoas alvejadas a tiros por pistoleiros, desmatamentos e grilagem de terras, expulsão e violência contra comunidades, uso de agrotóxicos como arma química são reflexos desse cenário. Dessa forma, denúncias apontam que fazendas de soja usam aeronaves em voos baixos para lançar herbicidas sobre comunidades rurais, contaminando águas, roças, pequenos animais e pessoas. Um exemplo emblemático ocorreu nas comunidades tradicionais Carranca e Araçá, município de Buriti, na diocese de Brejo, em que moradores das comunidades foram envenenados por pulverização aérea, ocasionando queimaduras em crianças e a morte de animais.
Por sua vez, o Maranhão acumula péssimos índices históricos e não houve melhorias significativas nos últimos anos. Conforme o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), o estado possui a cidade brasileira que mais desmatou entre os anos de 2020-2021, falamos de Balsas, diocese de Balsas, um dos centros do agronegócio e da produção de soja em larga escala. Outros três municípios maranhenses estão na lista das 10 cidades do Brasil que mais desmataram o cerrado entre agosto de 2020 e julho de 2021, são eles Grajaú, na diocese de Grajaú, Caxias e Aldeias Altas, na diocese de Caxias. Todos esses municípios ao mesmo tempo que registram avanços no desmatamento e na produção de grãos, tem também intensos conflitos agrários, como é o caso da comunidade de Gostoso, no interior da diocese de Caxias.
Outras situações envolvem atentados contra lideranças comunitárias, como ocorreu recentemente contra Raimundo de Assis e sua esposa, que tiveram sua casa queimada e sofreram tentativa de homicídio no projeto de assentamento Grado Bravinho, e despejo na Comunidade Bom Acerto, onde fazendeiro derrubou as casas dos posseiros que vivem ali há mais de 40 anos isto tudo na zona rural do município de Balsas-MA. Outro dado, é que o Maranhão aparece como o estado brasileiro que mais possui pessoas vivendo em situação de miséria (conforme pesquisa realizada pela Organização das Nações Unidas ONU). De acordo com os dados relativos a 2019, quase 20% da população maranhense vive com renda mensal abaixo de R$ 145,00. A pandemia teve como efeito acirrar uma situação de desigualdade já existente no estado, empurrando famílias para a fome e subempregos.
Mas, constatamos também, a partir de nossa ação evangelizadora junto ao povo maranhense, um crescimento de lideranças engajadas nos mais diversas pastorais: Como a presença missionária junto às mulheres através da Pastoral da Mulher na luta contra a violência da mulher e o feminicídios que tem aumentado em todo o Estado, na organização das mulheres para o crescimento de auto estima e o exercício de ministérios nas Comunidades Eclesiais, a presença junto ao povo negro com a Pastoral Afro, a presença junto aos encarcerados através da Pastoral Carcerária, junto aos pescadores com Pastoral dos Pescadores, na Pastoral do Menor Abandonado, na Pastoral da Sobriedade na prevenção contra as drogas, na Pastoral da Criança acompanhando desde o nascimento até os 6 anos de idade, na Pastoral da Pessoa Idosa com carinho e compromisso sendo presença junto a essa faixa etária, e também marcando presença na Pastoral dos Surdos, junto às pessoas com deficiência auditiva; a Pastoral da Juventude vivenciando seu carisma e promoção de campanhas, como a luta contra o extermínio da juventude negra.
Constatamos também que animados pela fé e com a nossa presença enquanto Igreja junto ao povo, principalmente as populações tradicionais, os mesmos, seguem resistindo em busca de mais vida!
Conscientes de nossa missão e que “evangelizar é tornar o Reino de Deus presente do mundo” (Evangelli Gaundium, 176), Nesse sentido, nós, as Pastorais Sociais – REPAM (Rede Eclesial Pan Amazônica) do Regional Nordeste V da CNBB, assumimos a luta dos povos em defesa da Vida, principalmente junto aos mais pobres, preferidos de Deus (indígenas, camponeses, negros, mulheres, quebradeiras de coco, pescadores, juventudes e afins).
Diante desses desafios, é preciso seguir o caminho daqueles que deram a sua vida pelos mais pobres, aprofundando a prática de Jesus Cristo e sem medo, pois: “O sangue dos mártires é semente da Igreja” (Tertualiano, Apologético, 50, 13).
Eminencia, estamos aqui para partilhar e principalmente ouvir, aprender e podermos, voltando ao nosso querido estado do Maranhão, continuar nossa missão de pastores que amam o seu povo e o conduzem com esperança no caminho da experiência com o Deus da vida, para que, animados pela fé, possa continuar buscando uma vida mais digna e feliz.
Desde já nosso agradecimento e que o Deus da vida continue abençoando a vossa missão.
Amém.
Pelos Bispos da Província Eclesiástica do Maranhão
Dom José Valdeci Santos Mendes
Bispo da Diocese de Brejo-MA
Bispo Referencial da Comissão Episcopal Pastoral Sociotransformadora do Regional NEV da CNBB
Presidente da Comissão Episcopal Pastoral Sociotransformadora da CNBB