Há mais de duas décadas a iniciativa marca as mobilizações pela memória nacional da Independência do Brasil, no dia 07 de setembro.
Por Jucelene Rocha
O grito que ecoou no dia 7 de setembro de 1922 foi o famoso e controverso “Independência ou morte”, mas o eco que ressoa em todo país há exatos 198 anos, e parece se intensificar com o cenário de pandemia de Covid-19, é a sentença sombria de morte. É com este cenário, que no próximo dia 7 de setembro, o Brasil reviverá as memórias de quase 200 anos em busca da sua real independência. Com o lema “Basta de Miséria, Preconceito e Repressão! Queremos Trabalho, Terra, Teto e Participação!”, a 26ª edição do Grito dos/as Excluídos/as, traz para o cenário nacional as pautas que marcam as lutas pela conquista de direitos e pela garantia de outros tantos já conquistados.
“Neste ano, em particular, a crise sociosanitária imposta pela pandemia mundial de Covid-19 tomou relevância nesta articulação das pastorais, Igrejas e movimentos populares que, entre suas reinvindicações históricas, trazem o direito à saúde pública de qualidade e a valorização do Sistema Único de Saúde (SUS)”, diz o texto que anunciou a coletiva de imprensa que aconteceu na tarde desta quarta-feira (27), com o objetivo de despertar o Brasil para as mobilizações programadas em todo país. Este ano o Grito dos/as Excluídos/as tomou contornos diferentes. A pandemia tirou a população das ruas, mas não conseguiu desmobilizar momentos que revelam participação popular e afirmam as garantias do estado democrático.
A coletiva de imprensa que foi transmitida nas redes sociais de mais de 20 organizações, movimentos populares, instituições e pastorais da Igreja Católica contou com a participação do bispo de Roraima, segundo vice-presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e Presidente da Cáritas Brasileira, dom Mário Antônio da Silva; da representante do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR- Curitiba/PR),Roselaine Mendes Ferreira e da representante da Coordenação do Grito dos Excluídos/as e Romaria dos Trabalhadores/as, Rosilene Wansetto. A mediação ficou por conta do representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Cleiton Gomes da Silva.
Abrindo a série de falas e de denúncias importantes, dom Mário Antônio da Silva, não poupou críticas a quem alimenta a cultura de morte e exclusão. “Tem gente que não coloca a vida em primeiro lugar. É triste quando se coloca em primeiro lugar o lucro, a ganância. Além disso, hoje também tem muita gente colocando em primeiro lugar o preconceito, a violência, a tirania. É preciso servir, valorizar e defender a vida. Nesse tempo de pandemia, de morte, a vida precisa retornar ao seu lugar. O grito é esperança”, afirmou.
Muitos gritos
A voz que ressoou o grito das populações excluídas e das minorias veio de Curitiba (PR), por meio da Roselaine Mendes Ferreira, ou simplesmente, Neguinha, como carinhosamente é chamada. Catadora de materiais recicláveis, mulher, negra, trabalhadora, Neguinha relatou a partir do chão que pisa, o atual cenário que dificulta ainda mais a vida dos trabalhadores e trabalhadoras que tem com principal fonte de renda a coleta de materiais recicláveis. A quarentena atingiu em cheio a atividade das cooperativas e trabalhares/as. “Esse Grito veio em um momento oportuno, o tema condiz muito com nossa realidade. Eu sou catadora de materiais recicláveis desde criança e conseguimos, por meio de muito trabalho, organizar uma grande quantidade de catadores em associações e cooperativas, buscando sempre a contratação dessas pessoas para que se pague pelo serviço prestado. Os catadores prestam serviço há mais de 50 anos pra sociedade e para o poder público, muitas vezes não reconhecido. Recebemos xingamentos na rua, acham que o trabalho não é digno, dizem que estamos atravancando ruas, quando na verdade o que acontece é que não recebemos nenhum apoio do poder público”, relata.
Neguinha destaca também a situação de injustiça com a categoria, nesse momento de pandemia de Covid-19. “Nesse momento de pandemia saíram várias linhas de crédito pra empresas, mas não se vê nenhum apoio para as associações e cooperativas, pelo contrário, muitos municípios preferiram fechar pra não ter que se responsabilizar, sendo que temos a Lei Nacional dos Resíduos Sólidos e lá é muito clara qual deveria ser a ação dos municípios, do governo, dos estados, com os catadores, reconhecendo a categoria, que já está dentro da classificação brasileira como um trabalho, dizendo que os estados e municípios tem que regularizar as associações, dar galpão digno, implementar a coleta seletiva, colocar equipamentos e remunerar os catadores pelos serviços prestados e muitas vezes isso não acontece. Alguns municípios fizeram contrato emergencial para que os catadores continuassem executando sua função, mas muitos alegaram que o vírus poderia contaminar os trabalhadores, mas os catadores sempre estiveram na linha de frente, nos graus máximos de risco, porque sempre veio de tudo dentro da coleta seletiva, isso sempre aconteceu porque não existe uma campanha ambiental adequada para que a população entenda que nós prestamos um serviço para a sociedade e o poder público tem que pagar por esse serviço”, denuncia.
Por causa da pandemia houve uma diminuição importante na renda de catadores e catadoras de materiais recicláveis porque para respeitar as orientações sanitárias é preciso deixar o material por 72 horas em quarentena nos galpões, então só é possível trabalhar duas ou três vezes por semana. “Muitas empresas deixaram de comprar e os que continuaram comprando, pagam um valor muito abaixo do esperado” relata a catadora. Neguinha relata uma situação ainda mais vulnerável: “temos um número muito pequeno de catadores organizados, a grande maioria está nas comunidades, da favelas, sendo explorados pelos atravessadores, levando o material reciclável para dentro dos seus quintais e ai sim correndo risco de contaminar seus familiares, seus filhos, porque muitas vezes as crianças participam desse processo de seleção, então a gente busca que os municípios organizem esses catadores em associações e para que não haja o trabalho infantil. Então, o Grito veio pra gente intensificar a nossa luta por direitos, porque quando acontece uma pandemia a gente vê que os excluídos são os que mais sofrem porque não tem a opção de ficar em casa de quarentena”, conclui.
A pandemia
O Brasil já soma mais de 117 mil mortes por causa da pandemia. A representante da Coordenação do Grito dos Excluídos/as e Romaria dos Trabalhadores/as, Rosilene Wansetto, que também integra o Jubileu Sul Brasil, manifestou solidariedade às famílias vitimadas e criticou a irresponsabilidade do governo Bolsonaro diante do cenário de crise sanitária que o país enfrenta. “Essas vidas poderiam ter sido poupadas se tivéssemos um governo de verdade. Nós temos um desgoverno. Lá em fevereiro a gente já via que estávamos vivendo um governo sendo conduzido por um fascista, um genocida, que não valoriza a vida. Ainda não tínhamos em vista a pandemia, que se construiu nos meses seguintes. O governo aplicou menos de 50% do orçamento para combater a pandemia. É preciso lembrar que o SUS é a política pública que tem salvado vidas nessa pandemia. E valorizar a importância da saúde pública”, denunciou.
Insegurança trabalhista
“Hoje nós estamos atingindo, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 19 milhões de pessoas desempregadas, parte dessas, cinco milhões estão numa situação de contratos suspensos e 13 milhões desempregadas realmente. Então é uma situação desesperadora porque significa não ter alimento para colocar na mesa dos seus filhos”, diz Rosilene que também afirma: “Essa crise não é nossa, não é do povo brasileiro, essa crise é do capital, é da burguesia e não podemos pagar por essa crise”.
Participação popular
A coordenação do Grito dos Excluídos está animando grupos que em todo Brasil estão encontrando formas criativas para realizar mobilizações presenciais e organizadas coletivamente ou transmitidas pelos meios digitais. “O Grito já está acontecendo de várias formas. Temos a indicação de que no dia 7 de setembro a gente coloque um pano preto em nossas portas, em nossas janelas, coloque cartazes com essas denúncias ou anunciando o que nós queremos. Vai ter mobilização de rua, com todos os cuidados, em alguns locais, vai ter rodas de conversas presenciais ou virtuais, em Aparecida vai acontecer a transmissão da missa às 9h, no dia 7 de setembro, pela TV Aparecida e outras emissoras católicas e depois, o Grito vai continuar com ações e mobilização sempre no Dia D, dia sete de cada mês vai ser o nosso dia de mobilização pra continuar ecoando esse grito por Terra, Teto, Trabalho e participação”, informa Rosilene.