Está causando forte impacto na opinião pública a Carta ao Povo de Deus, assinada por 152 bispos de todo o país, publicada no domingo, 26 de julho, pela jornalista Mônica Bergamo, em sua coluna na Folha de São Paulo.

O documento dos bispos seria divulgado no dia 22 de julho, quando a Igreja celebra a memória de Santa Madalena, a Apóstola dos Apóstolos, mais seus organizadores entenderam que seria melhor encaminhá-lo à presidência da CNBB para ser analisado pelo seu Conselho Permanente, cuja reunião aconteceu na primeira semana de agosto.

Entretanto, o texto veio a público, sendo também encaminhado ao Papa Francisco e ao Cardeal Dom João Braz de Aviz.

O documento está sendo bem acolhido pelos diversos seguimentos religiosos e, multiplicam-se as manifestações públicas em seu apoio e divulgação.

Já se manifestaram publicamente a favor do documento: Conselho Nacional do Laicato do Brasil (CNLB), Comissão Nacional de Fé e Política (CEFEP),  Comissão Nacional de Justiça e Paz (CBJP),  Núcleo de Estudos Sociopolíticos (NESP), Conferência da Família Franciscana do Brasil (CFFB), Serviço Interfranciscano de Justiça Paz e Ecologia (SINFRAJUPE),  Comissão dominicana de Justiça e Paz,  Pastoral da Juventude, Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), diversas Pastorais Sociais, Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC) e um grupo considerável de padres e diáconos denominado Padres da Caminhada.

Conteúdo relevante e sua repercussão

É uma carta pastoral, promotora da unidade, aberta ao diálogo e fundamentada nos princípios da Doutrina Social da Igreja. Alguns destaques do documento. "Somos bispos da Igreja Católica (...) que no exercício de sua missão evangelizadora, sempre se coloca na defesa dos pequeninos, da justiça e da paz.  Escrevemos esta Carta ao Povo de Deus, interpelados pela gravidade do momento em que vivemos, sensíveis ao Evangelho e à Doutrina Social da Igreja, como um serviço a todos os que desejam ver superada esta fase de tantas incertezas e tanto sofrimento do povo”.

“Não temos interesses político-partidários, econômicos, ideológicos ou de qualquer outra natureza. Nosso único interesse é o Reino de Deus, presente em nossa história, na medida em que avançamos na construção de uma sociedade estruturalmente justa, fraterna e solidária, como uma civilização do amor”.

“O Brasil atravessa um dos períodos mais difíceis de sua história”. “A causa dessa tempestade (...) é provocada, em grande medida, pelo Presidente da República e outros setores da sociedade, resultando numa profunda crise política e de governança”.

“(...) incapacidade e a incompetência do Governo Federal, para coordenar suas ações, agravadas pelo fato de ele se colocar contra a ciência, contra estados e municípios, contra poderes da República; por se aproximar do totalitarismo e utilizar de expedientes condenáveis, como o apoio e o estímulo a atos contra a democracia, a flexibilização das leis de trânsito e do uso de armas de fogo pela população e o recurso à prática de suspeitas ações de comunicação, como as notícias falsas, que mobilizam uma massa de seguidores radicais”.

“Mazelas que se abatem também sobre a Casa Comum, ameaçada constantemente pela ação inescrupulosa de madeireiros, garimpeiros, mineradores, latifundiários e outros defensores de um desenvolvimento que despreza os direitos humanos e os da mãe terra”.

“Liberaram o uso de agrotóxicos antes proibidos, afrouxaram o controle de desmatamentos”. “É insustentável uma economia que insiste no neoliberalismo, que privilegia o monopólio de pequenos grupos poderosos em detrimento da grande maioria da população”.

“O desprezo pela educação, cultura, saúde e pela diplomacia”. “demonstrações de raiva pela educação pública; no apelo a ideias obscurantistas; na escolha da educação como inimiga; nos sucessivos e grosseiros erros na escolha dos ministros da educação e do meio ambiente e do secretário da cultura; no desconhecimento e depreciação de processos pedagógicos e de importantes pensadores do Brasil; na repugnância pela consciência crítica e pela liberdade de pensamento e de imprensa; na desqualificação das relações diplomáticas com vários países; na indiferença pelo fato de o Brasil ocupar um dos primeiros lugares em número de infectados e mortos pela pandemia sem, sequer, ter um ministro titular no Ministério da Saúde; na desnecessária tensão com os outros entes da República na coordenação do enfrentamento da pandemia; na falta de sensibilidade para com os familiares dos mortos pelo novo corona vírus e pelos profissionais da saúde, que estão adoecendo nos esforços para salvar vidas”.

“(...) caos socioeconômico que se avizinha, com o desemprego e a carestia que são projetados para os próximos meses, e os conchavos políticos que visam à manutenção do poder a qualquer preço”.

“As reformas trabalhista e previdenciária, tidas como para melhorarem a vida dos mais pobres, mostraram-se como armadilhas que precarizaram ainda mais a vida do povo”.

“Governo Federal demonstra omissão, apatia e rechaço pelos mais pobres e vulneráveis da sociedade, quais sejam: as comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas, as populações das periferias urbanas, dos cortiços e o povo que vive nas ruas, aos milhares, em todo o Brasil”.

“O Presidente da República, há poucos dias, no Plano Emergencial para Enfrentamento à covid-19, aprovado no legislativo federal, sob o argumento de não haver previsão orçamentária, dentre outros pontos, vetou o acesso a água potável, material de higiene, oferta de leitos hospitalares e de terapia intensiva, ventiladores e máquinas de oxigenação sanguínea, nos territórios indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais (Cf. Presidência da CNBB, Carta Aberta ao Congresso Nacional, 13/07/2020)".

“No plano econômico, o ministro da economia desdenha dos pequenos empresários, responsáveis pela maioria dos empregos no país, privilegiando apenas grandes grupos econômicos, concentradores de renda e os grupos financeiros que nada produzem. A recessão que nos assombra pode fazer o número de desempregados ultrapassar 20 milhões de brasileiros. Há uma brutal descontinuidade da destinação de recursos para as políticas públicas no campo da alimentação, educação, moradia e geração de renda”.

“A religião é utilizada para manipular sentimentos e crenças, provocar divisões, difundir o ódio, criar tensões entre igrejas e seus líderes. Ressalte-se o quanto é perniciosa toda associação entre religião e poder no Estado laico, especialmente a associação entre grupos religiosos fundamentalistas e a manutenção do poder autoritário”.

“Este cenário de perigosos impasses, que colocam nosso país à prova, exige de suas instituições, líderes e organizações civis muito mais diálogo do que discursos ideológicos fechados”.

“É dever de quem se coloca na defesa da vida posicionar-se, claramente, em relação a esse cenário”.

“O momento é de unidade no respeito à pluralidade! Por isso, propomos um amplo diálogo nacional que envolva humanistas, os comprometidos com a democracia, movimentos sociais, homens e mulheres de boa vontade, para que seja restabelecido o respeito à Constituição Federal e ao Estado Democrático de Direito, com ética na política, com transparência das informações e dos gastos públicos, com uma economia que vise ao bem comum, com justiça socioambiental, com “terra, teto e trabalho”, com alegria e proteção da família, com educação e saúde integrais e de qualidade para todos”.

“Estamos comprometidos com o recente ‘Pacto pela vida e pelo Brasil’, da CNBB e entidades da sociedade civil brasileira, e em sintonia com o Papa Francisco, que convoca a humanidade para pensar um novo “Pacto Educativo Global” e a nova “Economia de Francisco e Clara”, bem como, unimo-nos aos movimentos eclesiais e populares que buscam novas e urgentes alternativas para o Brasil”.

A saudável recepção deste documento para além do campo religioso demonstra que mesmo diante da crescente pluralidade no campo religioso brasileiro não significa que o catolicismo e a fé cristã tenham perdido sua relevância social.

A Igreja permanece ainda como a grande instituição capaz de propor valores no campo espiritual, familiar, econômico, cultural, jurídico, político, ambiental e social.

O passado recente da Igreja no Brasil, de compromisso com a defesa da democracia e dos direitos humanos, sua luta a favor dos direitos dos pobres, dos indígenas e dos marginalizados lhe garante credibilidade perante a sociedade, mesmo para os não católicos e não cristãos. Sua ação durante os anos difíceis da repressão militar nos ‘anos de chumbo’ salvou muitas vidas e foi fundamental para a volta à normalidade democrática. Com sua ação evangelizadora e pastoral, a Igreja continua a ser um fator importante na construção da cidadania e na reserva ética da sociedade para tornar o Brasil um país justo e solidário. O testemunho de vida comprometida com a defesa dos direitos humanos e ambientais de tantos membros da Igreja Católica no Brasil, inclusive pelo martírio, faz da fé cristã um estandarte erguido a orientar a tantos que perderam o rumo e o sentido da vida, renovando-lhes a esperança e devolvendo-lhes o direito de sonhar.