Luciane Udovic
06/11/2023


Romper a fragmentação é crucial para avançar nas demandas populares com vistas ao Bem Viver dos povos

A construção de um projeto popular para o Brasil deve partir do momento de reconstrução que vivemos. Construir na reconstrução não é um jogo de palavras, mas a constatação dos efeitos que o período de 2016 a 2022 tiveram sobre a nação. É a dimensão dos desafios que teremos que vencer. Esgarçamento do tecido social, agravamento da pobreza, aumento das desigualdades, devastação ambiental são processos negadores do que almejamos: O cuidado com a Casa Comum e o Bem Viver dos povos.


Mas a realidade é dinâmica, com forças opostas constantemente em movimento. Das contradições nascem variadas formas de luta popular. O problema é que elas se organizam frequentemente de forma fragmentada. É como se fizessem um espelhamento do Estado, que atua com estruturas e políticas setorizadas e desvinculadas umas das outras. Essa desagregação leva a lutas pouco solidárias entre si e com agendas dispersas. Romper essa fragmentação é crucial para avançar nas demandas populares com vistas ao Bem Viver dos povos.


O Grito dos Excluídos Continental entende como caminho um diálogo capaz de construir ações políticas fundamentadas na radical materialidade dos direitos humanos, sociais e ambientais no Brasil. Isto significa romper a hegemonia do pensamento neoliberal, eliminar desigualdades sociais injustas, e desconstruir aparatos que sustentam as desigualdades estruturais da sociedade brasileira.


Com objetivo de defender e ampliar as políticas sociais, conquistar políticas socioambientais transformadoras e construir as bases de uma sociedade solidária, em um Estado Social de Direito no Brasil, o Grito dos Excluídos Continental há anos vem trabalhando na formação de lideranças, agentes de pastorais, conselheiros e conselheiras de direitos, através das Oficinas de Participação Cidadã. Uma ação de formação sistemática e contínua para fortalecer a participação e o controle social das políticas públicas. Nesta jornada, experiências e acúmulos foram se constituindo em propostas concretas no campo da saúde pública e de uma Seguridade Social Ampliada conforme prevê o art. 6º da Constituição Federal:


“São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015) - Parágrafo único. Todo brasileiro em situação de vulnerabilidade social terá direito a uma renda básica familiar, garantida pelo poder público em programa permanente de transferência de renda, cujas normas e requisitos de acesso serão determinados em lei, observada a legislação fiscal e orçamentária (Incluído pela Emenda Constitucional nº 114, de 2021”.

Seguridade social ampliada


Das reflexões sobre os caminhos de uma transformação estratégica, tomando-se o acumulado nas Semanas Sociais Brasileiras, no Grito dos Excluídos Continental, e na experiencia de ter realizado em 2010 uma I Conferência Mundial sobre o Desenvolvimento de Sistemas Universais de Seguridade Social, apontamos a necessidade de levar adiante uma formulação de políticas e sistemas integrados de proteções sociais. Nos Fóruns Sociais Mundiais de Saúde e Seguridade Social em 2018 e 2019, fizemos um debate que combinou a luta pela Democracia, Paz e Desenvolvimento com Justiça Sócio Ambiental.


A disputa sobre a interpretação e implementação de todos esses direitos em sua forma integrada, permite formular uma agenda de luta unificada, onde a democracia, entendida como um regime político que se legitima por sua capacidade de produzir justiça social e inclusão de todas as pessoas como sujeitos políticos de direitos, nos leva a discutir uma exigência radical de todos os direitos do citado artigo constitucional.


Os caminhos defendidos pelo Grito dos Excluídos Continental para o Brasil estão em convergência com as diretrizes e objetivos da 6ª Semana Social Brasileira, numa metodologia de diálogo e colaboração com vistas a potencializar este processo importante para Pastorais Sociais, Igrejas Cristãs, Movimentos Populares e todo o conjunto da sociedade civil. Nesse sentido, nossa forte expectativa é de que possamos nos unir na criação de um inédito Sistema de Proteção Social Ampliada como nunca se conseguiu materializar. Caminhar contra a desconexão entre economia política e política social, onde o modelo de desenvolvimento coloca o lucro de poucos acima da vida de todos.


O enfrentamento das desigualdades, a defesa dos 3 T’s, que sintetizam as dimensões-chave da Proteção Social - Teto, Terra e Trabalho - próprias da ordem econômica e social vinculada a um sentido humanitário, de uma transição ecológica e de cuidado da casa comum são os pilares dessas convergências. Também o diálogo da economia de Francisco e Clara, que aponta para uma lógica humanitária que prioriza a qualidade das relações entre seres humanos e destes com a natureza. Compreendendo como parte dela, o trabalho e as riquezas que são socialmente produzidas e que, consequentemente, precisam ser socialmente distribuídas.

Propostas


Como principal eixo de um projeto popular para o país, propomos a adoção de um modelo multidimensional de desenvolvimento para o Brasil, cujas bases sejam:
a) rompimento com o extrativismo / exploração do conhecimento, do trabalho humano e dos recursos da natureza;


b) eliminação do rentismo e estabelecimento de mecanismo de distribuição da riqueza produzida e a redistribuição da riqueza acumulada, mediante mecanismo de desfinanceirização da economia e das próprias políticas sociais, como forma de abrir as portas para a construção de um sistema de proteções sociais e ambientais que integre todas as seguridades que necessitam as populações para enfrentar as desigualdades injustas: seguridade civil e política, seguridade econômica, seguridade social e seguridade ambiental;


c) concretização de um novo pacto ecossocial como resultado da disputa por uma sociedade solidária e por um Estado Social de Direito;


d) Promoção de reforma tributária que tenha por objetivo a implantação da justiça fiscal, Impostos progressivos em relação ao patrimônio e à renda, com implementação do Imposto sobre Grandes Fortunas;


Vemos ainda, a Saúde como uma importante política pública. Dela emergem e nela se manifestam inúmeras questões vividas pelos seres humanos e pelo meio ambiente. Temos um Sistema Único de Saúde – SUS criado pela Constituição Cidadã de 1988 e, portanto, ainda jovem. Resultado da luta de movimentos populares e profissionais, é objeto de cobiça pelo capital financeiro. Entendemos que devemos defendê-lo de maneira intransigente, marcadamente em suas premissas constitucionais: público, universal, integral e com participação popular.

Neste sentido, especificamente em relação à Saúde e ao SUS, propomos:

  • Consolidação do SUS como política pública de nação, pilar da democracia e da soberania nacional;
  • Fortalecimento da democracia e do Sistema Único de Saúde (SUS) como condição necessária para uma saúde pública, universal, integral e equânime para todos os brasileiros e brasileiras;
  • Tornar cláusulas pétreas da Constituição Federal Brasileira os artigos 196, 197, 198, 199 e 200;
  • Financiamento da saúde desvinculado de fatores que variem conforme a dinâmica da economia;
  • Constitucionalização do piso de investimentos na Saúde;
  • Aumento do investimento público per capita com saúde;
  • Fixação de meta no sentido de que investimento público em saúde alcance 6% do PIB em 5 anos;
  • Efetivo empenho do governo na urgente recuperação das perdas ocorridas a partir da Emenda Constitucional nº 95/2016 – 70,4 bilhões de reais desde 2018;
  • Reestruturação do SUS a partir da retomada de seus princípios constitucionais, com foco na desnaturalização da escassez e adoção de métricas de suficiência e de distribuição espacial que atendam as necessidades da população;
  • Fortalecimento das competências do SUS previstas no artigo 200 da Constituição Federal;
  • Aprimoramento do modelo de gestão, estruturando-o pela materialização dos direitos humanos e gestão participativa como ferramenta de construção de políticas públicas;
  • Promoção da produção e disseminação do conhecimento científico e tecnológico, de análises de situação de saúde e da inovação em saúde, contribuindo para a sustentabilidade do SUS.

Em síntese, nosso empenho é pelo estabelecimento de formas de luta convergentes por um Brasil democrático, de Paz e com um desenvolvimento solidário capaz de produzir justiça social e ambiental/climática, com envolvimento dos governos da Federação Brasileira neste debate, gerando incidência política. Incidência na construção de um projeto que supere a hegemonia neoliberal na sociedade e no estado brasileiro, transformando consciências neste processo e ampliando a ambição democrática da Nação, dos Governos e do Estado Brasileiro.


Luciane Udovic, coordenação do Grito dos Excluídos Continental