Ontem, 08/06 a Igreja celebrou a Solenidade do Santíssimo Sacramento do Corpo e do Sangue de Cristo ou Corpus Christi ou Corpus Domini. Podemos dizer, também, que a presença de Jesus Ressuscitado está em todos os corpos explorados, desfigurados, violentados, desprezados, desumanizados. Talvez sejamos/as convidados/as a ajoelhar-se, contemplar e ser presença servidora e solidária diante desses corpos. Pois, para servir é preciso inclinar-se, ninguém serve a partir de uma posição superior, é preciso ‘descer’ para servir os corpos machucados, feridos, famintos...
O pão partido é o símbolo que mais contrasta a tentação do poder, quase sempre bênção para quem acumula. Este pão é Corpo de Jesus, consagrado hoje mais uma vez na celebração de Corpus Christi, na Esplanada dos Ministérios. Na mesma Esplanada, nestes dias, cerca de mil e quinhentos indígenas, de diversos povos do Brasil, ficaram acampados, organizando seminários e debates, manifestações e danças circulares em busca da defesa de seus territórios, contra a tese jurídica do Marco Temporal.
Dois eventos profundamente interligados, que a vida religiosa celebra e acompanha com devoção e compromisso. A Eucaristia é presença viva do Deus que se faz carne e história no meio de nós. Nos corpos destes indígenas que deixaram suas terras, padecendo o frio das noites de Brasília nas tendas e clamando pelo direito à terra dos ancestrais, reconhecemos também o corpo ferido e humilhado de Jesus, como ensina o Evangelho de Mateus.
Pela fé, hoje, o povo de Deus reunido em celebração caminhará em procissão, como uma só família que busca vida plena. Com a mesma fé e esperança, nestes dias, os povos indígenas dançaram ritmando seus passos ao som do maracá.
Chamou-me a atenção a deputada indígena Célia Xakriabá: a sessão do debate na Câmara estava começando, mas ela fez questão de correr fora, ao encontro de seus parentes. Não teve tempo de dizer nada, nem um discurso breve; simplesmente, juntou-se à roda de dança, no ritmo que invocava a resistência dos ancestrais, no Toré, no Guachiré… Os povos indígenas dizem que é com as batidas dos pés destas danças que o mundo se mantém em equilíbrio.
A dureza da realidade, porém, corrói a intensidade desta mística
O julgamento do Marco Temporal foi novamente adiado, pela quarta vez, em seis anos de um processo que os povos teimosamente não querem largar.
No campo religioso, muitas pessoas que celebram Corpus Christi se escandalizam quando são feitas aproximações como esta, entre o “sagrado” e o “profano”. Mas o sagrado terá fronteiras, na Eucaristia cósmica (LS 236) que celebramos hoje? Eu quero acreditar, com esperança, numa Igreja a caminho em busca de Jesus encarnado, ontem, hoje e sempre, nos corpos feridos e na fé profunda do povo simples, que comunga e que parte o pão.
Dário Bossi é religioso da Congregação dos Missionários Combonianos e membro da Comissão Especial para a Ecologia Integral e Mineração da CNBB