O relatório da reforma eleitoral, apresentado na Câmara, o “emendão” da PEC-125, se for aprovado até outubro passa a valer para a eleição do próximo ano. Entre muitos retrocessos, dois se destacam: a implantação do distritão e o afrouxamento da cota mínima de 30% de candidaturas de mulheres.

Arthur Lira (PP-AL) quer colocar em votação proposta de reforma eleitoral que deve dificultar representação de mulheres e de minorias no Congresso Nacional. Crédito: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

Por Laércio Portela | Marco Zero

Maioria entre a população brasileira, as mulheres ocupam 15% das cadeiras na Câmara dos Deputados. Se considerarmos as mulheres negras, são apenas 2,5%. Somados, homens e mulheres, pretos e pardos, 24,7%. Uma única indígena – Joênia Wapichana (Rede-RR) – foi eleita deputada federal. Os jovens de 20 a 29 anos não passam de 3,7% no Congresso.

A questão é que o que está ruim pode ficar ainda pior se o relatório da reforma eleitoral, apresentado esta semana na Câmara, o “emendão” da PEC-125, for aprovado até outubro e passar a valer para a eleição do próximo ano. Entre muitos retrocessos, dois se destacam: a implantação do distritão e o afrouxamento da cota mínima de 30% de candidaturas de mulheres.

Com o distritão, a eleição proporcional para vereadores, deputados estaduais e federais passa a ser majoritária. Entram os mais votados e os votos dados a todos os outros candidatos e aos partidos são desconsiderados. Celebridades, novos e velhos ricos sem nenhuma história partidária e base social devem estar entre os mais beneficiados.

Os partidos perderão influência – não por acaso, Bolsonaro é um presidente sem partido – e o incentivo para apresentar candidaturas mais diversas. Se já vivemos hoje uma crise de representatividade, ela vai se aprofundar .

A proposta, na prática, também acaba com a exigência de que os partidos lancem pelo menos 30% de candidatas mulheres ao determinar que, não sendo alcançado, o percentual pode ser preenchido por homens, além de derrubar as sanções ao não cumprimento da cota mínima.

Num ritmo muito aquém do necessário, assegura 15% das cadeiras na Câmara dos Deputados e assembleias para as mulheres em 2022, escalonando até 22% em 8 anos. Hoje, em seis países da América Latina com a obrigatoriedade da paridade no número de candidatas e candidatos, as mulheres já ocupam entre 40% e 48% das cadeiras nos parlamentos. O Brasil amarga a última posição neste ranking, empatado com o Paraguai.

A Câmara dos Deputados entrou em recesso, mas o presidente Arthur Lira (PP-AL) quer levar o projeto à votação no início de agosto. Por se tratar de Proposta de Emenda Constitucional, são necessários três quintos de apoio de parlamentares em duas votações no plenário da Câmara e duas no Senado. A pressa e a falta de debate com a sociedade são os ingredientes tradicionais que completam esse cardápio indigesto.

Existem mil e uma maneiras de destruir a democracia por dentro e não precisa nem ser um Bolsonaro para enxergar isso.

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LAÉRCIO PORTELA

Co-autor do livro e da série de TV Vulneráveis e dos documentários Bora Ocupar e Território Suape, foi editor de política do Diário de Pernambuco, assessor de comunicação do Ministério da Saúde e secretário-adjunto de imprensa da Presidência da República