Desejos de esperançar e renascimento: Um ano do  “Mutirão em defesa da vida dos povos e seus territórios no Maranhão”

Alessandra Miranda, secretária executiva da 6ª Semana Social Brasileira da Cepast-CNBB | Foto: Osnilda Lima/6ªSSB/Cepast-CNBB

Véspera de São João, 2023

No inicio do ano 2022, em um processo de avançar no Mutirão pela Vida, por Terra e Território, a Comissão Episcopal para Ação Sociotransformadora da Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil (Cepast-CNBB), através da 6ª Semana Social Brasileira (6ªSSB), motivada, mas, sobretudo sensibilizada e indignada com as notícias de violências nos territórios quilombolas sofridas por pequenos agricultores e agricultoras no Maranhão, nos colocavam em uma perspectiva urgente da necessidade de atuação junto ao Regional Nordeste 5 da CNBB, às Pastorais Sociais e a Rede Eclesial Pan-Amazônica para aproximação, escuta e denuncia das atrocidades praticadas contra a vida das comunidades, sobretudo e lamentavelmente os assassinatos de lideranças e todas as difíceis consequências que ficaram nas comunidades, familiares e amigos/as.

Os dilemas em realizar uma Missão na semana dos festejos de São João em que nos debruçamos eram: como realizar uma Missão, no Maranhão, Nordeste em plena véspera dos festejos de São João? Poderia haver um esvaziamento nas ações previstas? A impressa daria espaço para as denuncias feitas pela Missão, já que um dos objetivos era fazer incidência através da comunicação? Os parceiros, movimentos populares e pastorais, teriam disponibilidade em fortalecer e participar das atividades? Muitas outras perguntas vieram. Refletimos coletivamente todas elas. E por fim, não houve dúvidas de que a vida é o centro da missão evangélica e transformadora do Mutirão pela Vida. A igreja em saída e acidentada foi a opção fundamental para o mutirão. Realizamos o “Mutirão em defesa da vida dos povos e seus territórios no Maranhão”, nos dias 21 a 24 de junho de 2023. [i]

Detalhes dos fatos levantados nas mais de 30 comunidades e as vivencias das escutas, reuniões com as lideranças das pastorais sociais e movimentos populares do MA, não iniciaram, e nem encontraram nos espaços um ponto de partida com a Missão, mas na valorização e reconhecimento de processo histórico das resistências já existentes, honrados, reverenciados nas vidas dos territórios. Identificamos que os aprendizados são ciclos integrados com a força cultural, social e religiosa. E é esta relação que está estabelecida de maneira estruturante com as celebrações e festejos do Bumba-meu-boi. É sobre estas relações que faço convergências a partir de agora.  

No Maranhão o destaque do São João é a festa do Bumba-meu-boi. A manifestação é reconhecida como Patrimônio Cultural do Brasil pelo Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional-IPHAN. As apresentações e cortejos através de uma narrativa também são conhecidas como o Auto do Boi. Competições podem fazer parte do processo que enraizado no cristianismo católico, a celebração não se encerra em junho, mas pode seguir até setembro as devoções a São João, São Pedro e São Marçal também estão no centro da experiência cultural. Como viver a dimensão de uma celebração que envolve tantas histórias, colonização, religiosidades, pertença a grupos; estética, dentre outras características, reconhecendo as violências e injustiças extremas no mesmo território? As duas dimensões, a da tristeza e indignação, assim como a da festa e da beleza, em comum tem as transcendências. O que as diferenciam é que algumas delas (tristeza e indignação) é fruto da injustiça e egoísmo, mas resistem honrando a ancestralidade através da resistência em seguir nos territórios. As outras (festa e beleza) são resultados da esperança e da tradição cultural de uma identidade de louvor e gratidão à vida – a festa. Porém as duas dialogam entre si com os aspectos das ancestralidades. No choro de resistir, mesmo em meio à violência, os que vieram antes são lembrados e honrados nas famílias que nos territórios construíram seus símbolos culturais, religiosos e de cuidado com a natureza, a Casa Comum. Estes se mantem e resistem nos territórios. Os do Bumba-meu-boi com o mesmo fervor, honram seus antepassados e valorizam os que antecederam, fazem memória, contam as histórias e se colocam de pé nos festejos.  

Seu Vicente, dona Maria Rita e o neto Arthur, menos de 5 metros separa o território onde vive a família, da plantação soja | Foto: Franci Monteles/Inspirar Comunicação

O conjunto das denúncias que ameaçam a vida dos territórios do Maranhão, seguem ressoando em nossas vidas, de forma ainda mais cruel na vida das comunidades: impunidades; não resolução dos crimes; ameaças às lideranças quilombolas e pequenos agricultores; violação aos direitos da natureza; doenças causadas pelos agrotóxicos, além das doenças e transtornos mentais, ainda seguem acontecendo e vivas nas histórias das comunidades. Estão longe de serem lembranças de tempos difíceis, mas seguem assombrando a vida das comunidades que permanecem em vigília. Seguimos na incidência. O relatório de denuncia foi entregue ao poder público (executivo e legislativo) em âmbito estadual e nacional; organizações nacionais e internacionais de defesa dos direitos humanos e da natureza, além de ampla divulgação para que a realidade seja conhecida pela sociedade em geral. As buscas pela transformação e resolução destas realidades permanecem.

Uma importante simbologia une nossos desejos de esperançar e do renascimento é o "batismo" do boi, que começa no sábado de aleluia (festa das luzes). O momento de batismo é quando o rito “libera” o boi a sair com e para o povo. Papa Francisco na mensagem em ocasião ao VII dia Mundial dos Pobres, apresenta o tema: Nunca afastes de algum pobre o teu olhar (Tb 4, 7). Continuaremos a esperançar com os povos oprimidos e das resistências, das criatividades e dos saberes do Maranhão. Cuidadores do Território, com suas dignidades, que sigam livres, espalhando belezas pelo caminho, inspirando e conspirando pela vida.

Como disse Adélia Prado “o que a memória ama fica eterno”. A gratidão é uma forma em expressar o amor eternizado. Em nome de dom José Valdeci, presidente da Comissão Sociotransformadora da CNBB e bispo em Brejo-MA reconhecemos todas as lideranças do Maranhão que atuaram na missão, assim como os membros da coordenação nacional da 6ªSSB e à Misereor. Todos/as convergindo para que se tornasse possível a Missão. Na dor e na alegria, a memória está eternizada!

Foto: Osnilda Lima/6ªSSB/Cepast-CNBB

[i] Acesse ao relatório completo: https://ssb.org.br/app/uploads/2023/03/RELATORIO-MARANHAO-2.pdf