O vice-diretor geral da FAO fala sobre a pré-cúpula da ONU sobre sistemas alimentares que termina hoje em Roma, dois meses antes a cúpula de setembro em Nova York: os recursos bioculturais devem ser protegidos contra a agricultura comercial

 Agricultura familiar, Lagoa das Flores - Vitória da Conquista-Ba | Foto: jhelfny/flickr

A entrevista é de Fausta Speranza, publicada por Vatican News, 28-07-2021. A tradução é de Luisa Rabolini para o IHU

A pré-cúpula da ONU sobre sistemas alimentares foi organizada - de 26 a 28 de julho em Roma - para estabelecer uma plataforma essencial de reflexão sobre segurança alimentar e sustentabilidade, para depois promover, na cúpula de setembro no Palácio de Vidro, verdadeiros e próprios planos de ação. Trata-se de alcançar um nível aceitável de nutrição para todos no mundo e garantir a produção de alimentos para os mais de 9 bilhões de pessoas que deverão povoar o planeta até 2050. No centro do debate, o impacto da pandemia nos sistemas alimentares e importância de uma transição ambiental.

Emergiu a urgência de repensar a forma como devem ser elaborados planos de ação concretos, como afirma o vice-diretor da FAO, Mario Lubitnik, que relembra, em primeiro lugar, que mais de 800 milhões de pessoas sofrem de fome no mundo e que três bilhões de pessoas se alimentam com alimentos de baixa qualidade que não garantem uma boa nutrição.

Citando o Papa Francisco, o vice-diretor da FAO lembra que tudo isso representa um escândalo absoluto. Ele ressalta que faltam apenas nove anos para 2030, data indicada como prazo para a meta de erradicação da fome no mundo segundo os Objetivos do Milênio da ONU, e depois explica que não é mais possível raciocinar em termos de prioridades pensando no prato de arroz a ser garantido para aqueles que não o têm. Essa pré-cúpula serviu - explica ele - para reiterar que é necessária uma abordagem sinérgica, que considere a relação e as relações entre questões que vão da economia às culturas locais, os atores que vão do público ao privado.

Uma visão integral

Segundo Lubitnik, é fundamental iniciar com esta pré-cúpula um processo de análise e reflexão que levará à elaboração de planos de ação concretos em setembro. Não existem soluções mágicas, mas prioridades precisas. É uma questão de compreender, frisa, que é necessária uma abordagem que considere os mais diversos aspectos, remetendo-os a "uma só saúde", ou seja, a um único conceito de saúde humana, capaz de considerar patologias humanas e animais, meio ambiente, consequências das mudanças climáticas, dinâmica comercial, mecanismos de produção, respeito às culturas indígenas, sociedade civil, investimentos públicos e privados, além das urgências obrigatórias ligadas à pandemia que - afirma Lubitnik - deveria ter sido considerada como grave risco já antes da eclosão do caso Covid -19. Enfim, um exemplo concreto: aproximar temas como fome e sustentabilidade.

A urgência de respeitar as bioculturas no discurso do cardeal Turkson

Lubitnik destaca a importância do discurso de ontem do prefeito do Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral, Cardeal Peter Kodwo Turkson, que pediu a valorização dos pequenos produtores indígenas e tradicionais, “que manter uma relação saudável com as terras cultivadas”. O chefe do dicastério vaticano explicou como o uso de sistemas alimentares próprios das culturas locais, definidos como "agroecossistemas", será útil especialmente "em países mais sensíveis às mudanças climáticas e, portanto, mais expostos à variabilidade de chuvas e temperaturas, secas e inundações”. E a questão é que, em vez disso - lembra Lubitnik - com demasiada frequência a gestão dos recursos bioculturais em todo o mundo é sacrificada em benefício da agricultura comercial, deletéria para a vitalidade e a resiliência das culturas e espécies alimentares.

IFAD, o apelo para as mulheres que são as primeiras vítimas das injustiças

“Vemos como as mulheres são postas à margem, é injusto e incorreto”. Isso foi denunciado ontem por Sabrina Dhowre Elba, embaixadora da boa vontade da ONU para o Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (IFAD). Atriz, ativista e modelo, Elba está empenhada nesse projeto desde abril de 2020, graças a projetos apoiados pelo Ifad em Serra Leoa e direcionados a mulheres e jovens das áreas rurais. "Em todo o mundo, 1,7 bilhão de mulheres e jovens vivem em áreas rurais, o que representa mais de um quinto de toda a humanidade. É inaceitável que representem quase metade da força de trabalho rural, mas tenham mais probabilidade do que os homens de viver na pobreza e sofrer fome", disse Elba, acrescentando que para fazer realmente algo "o primeiro passo é perceber que há uma lacuna" em detrimento das mulheres, por isso deve-se também "reconstruir a maneira como se olha para as mulheres".

“Elas sabem - acrescentou Elba - o que querem e quando têm poder e meios que se tornam mais produtivas e eficientes. Devemos dar-lhes oportunidades de se colocarem à prova, apoiá-las para conseguirem o que pedem”. O preconceito e a estigmatização de que as mulheres são vítimas é um freio ao seu potencial que permanece assim sem possibilidade de expressão, portanto para Elba "é o reconhecimento da comunidade mundial, dos líderes e dos governos que deve mudar". Como apoiar as mulheres pequenas produtoras de áreas rurais é uma das questões-chave que devemos abordar, disse a "campeã para a igualdade de gênero" da Cúpula das Nações Unidas sobre Sistemas Alimentares, Jemimah Njuki, diretora para a África do International Food Policy Research Institute. Embaixadora da Boa Vontade das Nações Unidas para o Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (IFAD).

A Urgência para proteger crianças e jovens

"A Pré-Cúpula dos Sistemas Alimentares da ONU é uma oportunidade para definir a agenda sobre como vamos fortalecer os sistemas alimentares, promover dietas saudáveis e melhorar a nutrição, especialmente para crianças e jovens": é o que consta no site da Organização Mundial da Saúde em um comunicado conjunto da OMS e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). "Em nível global, uma em cada três crianças não se desenvolve devido à má nutrição - uma das principais causas de mortalidade infantil em todo o mundo - enquanto duas em cada três crianças não têm acesso às dietas mínimas de que precisam para crescer, se desenvolver e aprender. Continuamos a ver taxas de definhamento elevadas e um aumento preocupante do sobrepeso e da obesidade entre crianças pequenas", acrescenta o comunicado.

A nota também destaca "uma combinação tóxica de pobreza crescente, desigualdade, conflito, mudança climática e Covid-19" como mais uma ameaça aos sistemas alimentares e ao bem-estar nutricional das crianças, especialmente daquelas das comunidades e famílias mais pobres e vulneráveis. A OMS e a Unicef apelam a "uma transformação do sistema alimentar que ouça as vozes das crianças e dos jovens e desbloqueie dietas nutritivas, seguras, acessíveis e sustentáveis para cada criança, em todo mundo".

Uma voz da África

O presidente de Ruanda, Paul Kagame, anunciou cinco ações que resumem uma posição comum para a África, alinhada com a Agenda 2063 do continente e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. A posição anunciada por Kagame é baseada em cinco ações, elencadas no comunicado pré-cúpula: adotar de políticas alimentares com foco na nutrição, como os programas de alimentação escolar; apoiar os mercados locais e as cadeias de abastecimento de alimentos; aumentar o financiamento agrícola para 20 por cento das despesas; estimular as cooperativas de agricultores e garantir o acesso das mulheres aos fatores produtivos; por fim, expandir os programas de seguridade social e investir em sistemas de alerta climático.