Como disse o papa Francisco, é a partir da escuta desses povos periféricos que será possível 'abrir caminhos de esperança'
A pandemia escancarou um mundo caótico necessitado de transformação profunda. Implicações sociais, econômicas, ambientais, um sistema que gera desemprego, fome, desigualdade e morte se espalhou pelos quatro cantos da Casa Comum. Clamores são inúmeros.
No Brasil são mais de 600 mil mortos pelo coronavírus! A fome assombra 20 milhões de pessoas. Da população ativa, 14 milhões estão desempregados. Milhares estão trabalhando sem direitos assegurados, expandindo o trabalho análogo à escravidão. O país registra mais de 2 mil conflitos por direito a terra e água. Mais de 21 mil famílias foram despejadas em plena pandemia e 100 mil vivem ameaçadas mesmo estando em moradias precárias. São 8 milhões de pessoas sem teto, em um país que tem 8 milhões de residências vazias.
Os números foram apresentados durante o Seminário Nacional da 6ª Semana Social Brasileira. Com o Tema: "O Brasil que queremos: o bem viver dos povos", aconteceu no último dia 23 de outubro, realizado no formato híbrido. De caráter ecumênico e inter-religioso, contou com pastorais sociais, movimentos populares, associações, sindicatos e entidades de ensino de todo Brasil. Promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), tem como objetivo sensibilizar e mobilizar a sociedade em torno do maior desafio proposto por papa Francisco: Terra, Teto e Trabalho. Desde 2021 Mutirões pela Vida com essa temática vem sendo realizado em todo o Brasil.
Tarefa dificílima em um país presidido por Jair Bolsonaro. Um governo aporofóbico (ódio aos pobres), que coloca a economia a serviço da elite e empurra para a exclusão e miséria a maioria da sua população. Um país destroçado para que os mercados triunfem.
Porém, como disse papa Francisco ao IV Encontro Mundial dos Movimentos Populares (16-10-21), é a partir da escuta desses povos periféricos, "homens e mulheres que sofreram na própria carne a injustiça, a desigualdade, o abuso de poder, as privações, a xenofobia" que será possível "abrir caminhos de esperança".
Caminho que se apoia no Evangelho, no 'protocolo' pelo qual seremos julgados (cf. Mt, 25-31-46), pois "a salvação consiste em cuidar dos famintos, dos doentes, dos prisioneiros, dos estranhos, em suma, em reconhecer a Cristo e servi-lo em toda a humanidade sofredora". Além da conversão individual, é preciso romper com as "estruturas de pecado" do modelo socioeconômico perturbador, que perdeu o "rosto humano". "É preciso trabalhar por mais justiça e cancelar este sistema de morte", ressalta o papa.
O pontífice indicou a Doutrina Social da Igreja como orientação para essa jornada de luta pela vida: a opção pelos pobres, o destino universal dos bens. Destacou a solidariedade, "não só como virtude moral, mas também como um princípio social... que procura abordar sistemas injustos a fim de construir uma cultura de solidariedade que exprima... a determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum".
Outro desafio apontado por Francisco "é estimular e promover a participação e a subsidiariedade entre os movimentos e entre os povos, o que pode limitar qualquer esquema autoritário, qualquer coletivismo forçado ou qualquer esquema centrado no Estado". Estes princípios promovem uma economia e uma política que reconhecem o papel dos movimentos populares, "a família, dos grupos, das associações, das realidades territoriais locais, por outras palavras, daquelas expressões agregativas de tipo econômico, social, cultural, desportivo, recreativo, profissional, político, às quais as pessoas dão vida espontaneamente e que lhes tornam possível um efetivo crescimento social". A economia deve estar a serviço dos povos na construção da paz e da justiça e no cuidado da Casa comum. Papa Francisco inseriu dois pontos na agenda por terra, teto e trabalho: o salário universal e a redução da jornada de trabalho.
Pedido atendido pela 6º Semana Social Brasileira. Em sua "Carta Mutirão pelo Brasil que queremos: o bem viver dos povos", dará continuidade aos
"mutirões pela vida por terra, teto e trabalho, com soberania, democracia e outra economia; seguir os projetos de redução da jornada de trabalho e de uma renda básica universal; apoiar e fortalecer os coletivos organizados em processos de autogestão e economia popular solidária, através das redes de cooperação e comercialização das iniciativas locais de geração de renda; ... lutar por demarcação das terras indígenas e quilombolas, reforma agrária popular; luta contra a grilagem de terras, proteção de comunidades e lideranças ameaçadas e mobilização contra os despejos, auto-organização das mulheres, das juventudes, das periferias, ações para salvar nascentes e rios, contra a privatização das águas, contra o encarceramento em massa, luta sindical, direitos das pessoas com deficiências e idosas".
Motivados por essa agenda, sejamos "servidores dos povos que clamam por terra, casa, trabalho e uma vida boa... que nos coloca em harmonia com toda a humanidade, com toda a criação" (papa Francisco).