SSB
04/05/2021

Saldo de um ano de pandemia: mais 9 milhões de brasileiros na pobreza. Entrevista especial com Luísa Cardoso

Foto: aladin_kinach

"Após a pandemia, teremos maior desigualdade de raça, maior desigualdade de gênero, maior desigualdade de renda e maiores desigualdades regionais no Brasil", diz a pesquisadora.

Por Patricia Fachin | IHU

Antes da pandemia do novo coronavírus, em 2019, 13,9 milhões de brasileiros viviam na extrema pobreza e 51,9 milhões, na pobreza, o que corresponde, respectivamente, a 6,6% e 24,8% da população. Um ano depois do início da crise sanitária e com a redução do Auxílio Emergencial, o contingente de brasileiros vivendo nessas condições vai aumentar: "a taxa de extrema pobreza este ano será de 9,1% (19,3 milhões de pessoas) e a de pobreza 28,9% (61,1 milhões de pessoas). Assim, após um ano de pandemia, teremos um acréscimo de aproximadamente 9 milhões de brasileiros em situação de pobreza", diz Luísa Cardoso, uma das autoras do estudo realizado pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades, da Universidade de São Paulo - Made-USP, a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2019 - Pnad Contínua e da Pesquisa Domiciliar Covid realizada ao longo de 2020 (Pnad Covid-19).

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos - IHU, Luísa explica como o pagamento do Auxílio Emergencial às famílias foi fundamental para reduzir o índice de pobreza no país. "No estudo, observamos dois momentos distintos para o ano de 2020: o primeiro em julho, quando o auxílio era R$ 600 reais e R$ 1.200 para mães solo, e o segundo momento em outubro, quando o auxílio era R$ 300 reais e R$ 600 para mães solo. Em julho, a taxa de extrema pobreza foi de 2,4%, ou seja, 5 milhões de pessoas estavam em situação de extrema pobreza, enquanto a taxa de pobreza era de 20,3%, representando 43 milhões de pessoas. Esse foi o patamar mais baixo registrado para esses indicadores nas últimas décadas. Com a redução do auxílio em outubro, a taxa de extrema pobreza mais que dobrou e foi para 5,1%; já a taxa de pobreza aumentou para 24,6%, números ainda menores do que os previstos para o cenário com o auxílio de 2021 e para o cenário sem o auxílio", informa.

Luísa Cardoso | Foto: Arquivo Pessoal

Luísa Cardoso é doutora em Demografia pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, mestre em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio e graduada em Economia pela Universidade de Brasília - UnB. É pesquisadora do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo - Made-USP.

Confira a entrevista.

Que percentual da população brasileira vivia em situação de pobreza ou extrema pobreza antes da pandemia e qual passou a ser este percentual no decorrer deste primeiro ano de crise sanitária?

Luísa Cardoso - Em 2019, antes da pandemia, a taxa de extrema pobreza era de 6,6%, o que representa 13,9 milhões de pessoas. Já a taxa de pobreza era de 24,8%, afetando 51,9 milhões de brasileiros. Considerando o valor médio de R$ 250 reais, estabelecido para o Auxílio Emergencial em 2021, calculamos que a taxa de extrema pobreza este ano será de 9,1% (19,3 milhões de pessoas) e a de pobreza 28,9% (61,1 milhões de pessoas). Assim, após um ano de pandemia, teremos um acréscimo de aproximadamente 9 milhões de brasileiros em situação de pobreza.

Após um ano de pandemia, teremos um acréscimo de aproximadamente 9 milhões de brasileiros em situação de pobreza

Qual foi o peso do Auxílio Emergencial em 2020 para conter o aumento da pobreza e da miséria no país?

Luísa Cardoso - Antes da pandemia, já era possível observar uma tendência de aumento da pobreza, mas ela foi contida graças ao Auxílio Emergencial.

No estudo, observamos dois momentos distintos para o ano de 2020: o primeiro em julho, quando o auxílio era R$ 600 reais e R$ 1.200 para mães solo, e o segundo momento em outubro, quando o auxílio era R$ 300 reais e R$ 600 para mães solo.

Em julho, a taxa de extrema pobreza foi de 2,4%, ou seja, 5 milhões de pessoas estavam em situação de extrema pobreza, enquanto a taxa de pobreza era de 20,3%, representando 43 milhões de pessoas. Esse foi o patamar mais baixo registrado para esses indicadores nas últimas décadas. Com a redução do auxílio em outubro, a taxa de extrema pobreza mais que dobrou e foi para 5,1%; já a taxa de pobreza aumentou para 24,6%, números ainda menores do que os previstos para o cenário com o auxílio de 2021 e para o cenário sem o auxílio.

Qual é o perfil dos brasileiros que foram beneficiados pelo Auxílio Emergencial?

Luísa Cardoso - Os beneficiários do Auxílio Emergencial são as pessoas de baixa renda, em maior situação de vulnerabilidade, pertencentes ou não ao Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal.

De modo geral, as mulheres, em especial as mulheres negras, são mais vulneráveis à pobreza, devido ao caráter estrutural do machismo e do racismo na nossa sociedade

Por que é importante analisar o aumento da pobreza a partir de uma perspectiva de gênero e raça? O que esse tipo de abordagem revela sobre a pobreza no país?

Luísa Cardoso - A sobrerrepresentação feminina na pobreza é uma das consequências da desigualdade de gênero, dado que as mulheres estão mais presentes na economia informal e em ocupações de baixa remuneração, além de serem as principais responsáveis pelas tarefas domésticas e pelos cuidados com os filhos, idosos e doentes. De modo geral, as mulheres, em especial as mulheres negras, são mais vulneráveis à pobreza, devido ao caráter estrutural do machismo e do racismo na nossa sociedade.

A linha da pobreza no Brasil é R$ 436 e R$ 469 e a da extrema pobreza, R$ 151 e R$ 162 em valores de 2020 e 2021, respectivamente

Segundo projeções do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo - Made-USP, com a redução do Auxílio Emergencial neste ano, 61 milhões de brasileiros estarão na pobreza. Como é feita essa estimativa e o que este número significa e representa quando se trata de analisar a pobreza e as desigualdades no país, especialmente nos próximos anos?

Luísa Cardoso - De acordo com o Banco Mundial, utilizando a taxa de paridade do poder de compra de 2011 (1,90 dólares por dia e 5,50 dólares por dia), a linha da pobreza no Brasil é R$ 436 e R$ 469 e a da extrema pobreza, R$ 151 e R$ 162 em valores de 2020 e 2021, respectivamente.

Para implementar nossa análise, utilizamos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2019 - Pnad Contínua e dados da Pesquisa Domiciliar Covid realizada ao longo de 2020 (Pnad Covid-19). Utilizamos métodos de imputação múltipla para estimar a renda familiar simulada nos cenários sem auxílio e com auxílio nos valores estabelecidos para 2021. Imputamos os valores do Bolsa Família na Pnad Covid-19 de agosto e novembro a partir dos dados do Bolsa Família observados na primeira entrevista da Pnad Contínua anual de 2019. A imputação é feita por grupos de renda, raça e gênero. Criamos 18 grupos de acordo com a renda (abaixo de R$ 89 por mês, entre R$ 89 e R$ 178, e acima de R$ 178), gênero (mulher ou homem) e raça (brancos, pretos e pardos e outros) e replicamos na Pnad Covid-19 o percentual de famílias que, de acordo com a Pnad Contínua, receberam Bolsa Família em 2019 em cada um dos grupos. Apenas famílias que recebem auxílio na Pnad Covid-19 são alocadas para imputação do Bolsa Família. Em seguida, calculamos as taxas de pobreza no cenário de linha de base, nos dados observados da Pnad Covid e em um cenário simulado contabilizando o auxílio com os valores de 2021.

A partir desses cálculos, podemos afirmar que, após a pandemia, teremos maior desigualdade de raça, maior desigualdade de gênero, maior desigualdade de renda e maiores desigualdades regionais no Brasil. É muito provável que a nossa economia estará mais precária, com altos índices de desemprego e fome.

Após a pandemia, teremos maior desigualdade de raça, maior desigualdade de gênero, maior desigualdade de renda e maiores desigualdades regionais no Brasil

A partir da experiência do Auxílio Emergencial, que novos desenhos de políticas públicas precisam ser pensados para o Brasil, especialmente para atingir os brasileiros mais vulneráveis?

Luísa Cardoso - O nosso estudo deixa evidente que são as mulheres negras as que mais estão sofrendo com a crise atual. Assim, para proteção desse grupo demográfico, se torna crucial que sejam pensadas políticas de enfrentamento ao racismo e ao machismo.

Além disso, considerando o ciclo geracional da pobreza, precisamos da elaboração de políticas voltadas aos jovens e crianças que estão em casa, como políticas de acesso à internet para os alunos de escolas públicas. Não só os estudantes seriam beneficiados, mas também suas famílias.