SSB
05/03/2021

 Nathalie Becquart, primeira mulher subsecretária do Sínodo dos Bispos: 'Nunca o imaginei"

 Nathalie Becquart | Imagem: Arquivo pessoal

No dia 6 de fevereiro deste ano, a irmã Nathalie Becquart, xaveriana, foi nomeada pelo papa Francisco como subsecretária do Sínodo, a primeira mulher a ocupar o cargo e com direito a voto. Ela expressou o desejo de que a Igreja "inclua mulheres mais e mais na reflexão, discernimento e processo de tomada de decisão”.
A pasta do Sínodo dos Bispos é primeiramente encarregada para ajudar a organizar os encontros sinodais, nos quais centenas de bispos católicos que se reúnem em Roma, todos os anos, para discutir temáticas com Papa.

Eis reportagem de Nathalie Becquart, concedida ao site Pastoral da Cultura

"[O chamamento] foi tão forte, que não o sinto como uma coisa minha, mas para todas as mulheres, para todo o povo de Deus. (…) Acredito verdadeiramente que a escolha de me nomear, eu que não sou nem bispo nem sacerdote, é uma maneira do papa continuar a abrir a porta aos leigos e às mulheres nas estruturas da Igreja», considera a Ir. Nathalie Becquart, recentemente nomeada subsecretária do Sínodo dos Bispos.

Em entrevista, a religiosa de 52 anos fala da importância do seu direito de voto na assembleia sinodal, da participação da mulher na Igreja e da necessidade de nela e no mundo se concretizar uma «mudança de mentalidades», da separação entre a nomeação para lugares de responsabilidade nas estruturas eclesiais e o sacramento da Ordem, bem como da ordenação de mulheres e do tema do próximo Sínodo ordinário, “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”, previsto para outubro de 2022, entre outros assuntos.

Que mensagem transmite o seu voto ao próximo sínodo?

O direito ao voto é uma consequência de ser subsecretária do Sínodo e das novidades trazidas pela Constituição “Episcopalis communio”, de 2018, na qual se estabelece que também pessoas não ordenadas podem ser membros do Sínodo.

Para além disto, sei bem que durante os últimos sínodos, sobre os jovens e sobre a Amazónia, emergiram questões sobre o facto de os delegados das ordens religiosas puderem votar enquanto as religiosas mulheres não. Penso, então, que esta minha nomeação é um facto, isto é, que o papa Francisco quis escutar as vozes e os desejos de quem pede uma maior presença das mulheres na Igreja a todos os níveis. Creio que isto entra também na visão eclesiológica do papa, que tem em conta a importância do “sensus fidei” do povo de Deus. Por isso, sim, penso que a minha nomeação pode ser lida como querer incluir a consideração do “sensus fidei” nas estruturas.

Portanto, para si, o papa não chegou a esta decisão por causa das muitas “pressões” recebidas, mas porque na Igreja começou efetivamente um processo de amadurecimento sobre a questão feminina?

Penso que há, com efeito, um processo de amadurecimento sobre a questão das mulheres, e que é também mais amplo do que o debate eclesial. A Igreja, efetivamente, está inserida na sociedade, e o atual momento histórico mostra-nos que, após séculos, o lugar e o papel das mulheres mudou: agora trabalham, são chamadas de vários lados, a relação com os homens também mudou. A Igreja deve ser interpelada por isto.

Há que dizer que, no passado, foi a própria Igreja a introduzir inovações: pensemos no facto de Paulo VI ter concedido a leigos e mulheres participar nas últimas sessões do Concílio Vaticano II para a redação dos documentos. Ou pensemos no próprio Sínodo dos Bispos que é fruto do Concílio (alguns dizem que é o melhor fruto), onde as mulheres trabalham ao lado dos bispos. É em virtude deste caminho que hoje se cê uma presença feminina mais ampla na cúria ou nas Igrejas locais, por exemplo na minha Igreja em França, onde várias mulheres têm cargos de responsabilidade.

Alguns lamentam, todavia, um grande atraso na Igreja em relação ao caminho de inclusão das mulheres. O que falta?

É muito importante chegar a uma mudança de mentalidade. É um verdadeiro desafio, e ainda está em curso, porque viemos de uma experiência de cunho patriarcal. Basta pensar no facto de que em muitos países do mundo o direito de voto para as mulheres ser uma novidade recente. Sem falar das violências e dos abusos ainda perpetrados em relação às mulheres, das discriminações nos campos dos negócios, da política, do desporto… O caminho é longo e árduo. Por isso, a Igreja deveria ser exemplo, remendar a situação no seu interior, mesmo sendo certo que a Igreja não se pode comparar a outra qualquer organização.

Pouco antes da sua nomeação, foi publicado o “motu próprio” “Spiritus Domini”, que foi saudado como um novo passo, ainda que tímido, para uma maior inclusão feminina. Que pensa dele?

Creio que o documento é, antes, um passo fundamental: toca-se o Direito Canónico, e pela primeira vez as mulheres recebem um ministério institucionalizado. O desafio é alto. Mas é verdade que se este documento e a minha nomeação se tornaram “notícia de última hora”, significa que ainda há muito a trabalhar.

Um cargo como o seu poderá ser uma abertura para uma futura ordenação sacerdotal das mulheres?

Penso que o papa foi muito claro sobre esse ponto. A questão chave para ele julgo que é outra, ou seja, a separação entre o exercício da responsabilidade e o ministério ordenado. Durante muito tempo, ainda que ao início não fosse assim, a liderança na Igreja foi associada à ordenação, mas isso é passado. O papa procura desligar a responsabilidade da ordenação.

Por outras palavras, para dar um papel a uma mulher na Igreja não é preciso que se torne sacerdote?

A verdadeira questão é um maior envolvimento das mulheres nos processos de decisão. Creio que este é o tema chave para a Igreja de hoje. O papa Francisco está a seguir este caminho de tornar a Igreja sinodal e desembaraçar-se de uma Igreja clerical. Uma Igreja como a das origens, onde não havia uma liderança pessoal (o que pode conduzir também aos abusos), mas em que se desenvolvia uma perspetiva mais colegial e um trabalho de equipa. Sei que não podemos tomar o modelo dos primeiros séculos e aplicá-lo hoje, não estamos no mesmo contexto, mas devemos inspirar-nos neste antigo modelo sinodal. Sabemos – e é essa a minha experiência com os jovens – que é mais frutuoso para a evangelização ter uma equipa pastoral, e não que alguém a decidir sozinho, quer seja um padre ou um leigo.

Já trabalhou como consultora na Secretaria do Sínodo; nesta nova tarefa quais serão as suas responsabilidades?

A minha prioridade é escutar as pessoas que compõem aqui a equipa, assim como todas as outras pessoas com quem contactarmos. Depois estudar, ler, aprender. Não esqueçamos que a Secretaria de que faço parte tem o encargo de preparar o próximo Sínodo. Este é o trabalho principal. É como criar uma obra de arte, temos de pensar na preparação, ver como organizar tudo e fazê-lo em conjunto. A nossa Secretaria não está na Lua, deve ligar-se à cúria romana e às Igrejas locais, porque o Sínodo é para toda a Igreja. O que me questiono é: como posso contribuir para tudo isto juntamente como cardeal Grech e o P. Luis Marín de San Martín [também subsecretário]?

Salvatore Cernuzio
In Vatican Insider
Trad.: Rui Jorge Martins
Imagem: Ir. Nathalie Becquart | D.R.
Publicado em 01.03.2021