De Atenas, "berço da pólis", Papa Francisco dá o alarme para o perigoso "retrocesso da democracia" na Europa mas também em outros partes do mundo, desafiada por "populismos", "nacionalismos" e "autoritarismos".

Campo de refugiados em Mitilene, na Grécia | Foto. @antoniospadaro

A reportagem é de Luca Kocci, publicada por Il Manifesto, 05-12-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.

Grécia é a segunda etapa da trigésima quinta viagem apostólica do pontífice, que cruzou o Chipre na quinta e sexta-feira e no sábado desembarcou em Atenas, de onde partirá na segunda-feira, depois de ter visitado no domingo o campo de refugiados de Mytilene, na ilha de Lesbos.

Na capital grega, o Papa foi recebido na manhã de sábado pela Presidente da República, Katerina Sakellaropoulou. Diante dela, do chefe do governo e de vários ministros, no palácio presidencial de AtenasFrancisco proferiu seu discurso em defesa da democracia. “Aqui começamos a nos sentir cidadãos não apenas da nossa própria pátria, mas de todo o mundo”, disse o papa, citando Sócrates. E depois, continuando com Aristóteles: “Aqui o homem se deu conta de ser ‘um animal político’ e, como parte de uma comunidade, viu nos outros não súditos, mas cidadãos, com os quais organizar juntos a polis. A democracia nasceu aqui”.

Aquela democracia, que aparentemente se tornou patrimônio de todos os Estados e da própria União Europeia, mas que hoje, Bergoglio frisou com "preocupação", está mostrando um evidente "retrocesso". A prática da democracia é de fato “complexa”, “requer a participação e envolvimento de todos”, envolve “esforço e paciência”. Em vez disso, “o autoritarismo faz tudo apressadamente e as fáceis garantias oferecidas pelos populismos parecem tentadoras. Em várias sociedades, preocupados com a segurança e anestesiados pelo consumismo, cansaço e descontentamento conduzem a uma espécie de cepticismo democrático”. Atalhos que podem, portanto, anular um percurso que durou mais de dois milênios.

O antídoto, segundo o papa, para essa deriva antidemocrática? “Participação” e “boa política”, ou seja, uma política ao serviço do bem comum e dos mais fracos. Existe de fato “um cepticismo em relação à democracia causado pelo distanciamento das instituições, pelo medo da perda da identidade, pela burocracia. O remédio para isso não está na busca obsessiva de popularidade, na sede de visibilidade, na proclamação de promessas impossíveis", mas na "boa política" como “arte do bem comum". E “para que o bem seja realmente participado, deve ser dada uma atenção particular, diria prioritária, aos grupos mais frágeis”.

Na contingência do tempo presente, segundo Bergoglio, existem duas consequências operacionais e compromissos práticos de uma “boa política”: cuidar da “casa comum” - ou seja, do planeta - e o acolhimento dos migrantes.

Tomando como símbolo as oliveiras do Mediterrâneo, devastadas por doenças e incêndios, “espero que os compromissos assumidos na luta contra as alterações climáticas sejam cada vez mais partilhados e não sejam apenas de fachada, mas sejam implementados com seriedade. Que as palavras sejam seguidas por fatos, para que os filhos não paguem a enésima hipocrisia dos pais”, disse o Papa Francisco. Parecem ressoar as palavras de Greta Thunberg, com suas acusações contra os grandes da Terra - inclusive por ocasião da última COP26 em Glasgow - de não agir, mas apenas fazer um "blá-blá-blá".

E depois os migrantes. “Este país, caracterizado pelo acolhimento, tem visto chegar em algumas das suas ilhas um número de irmãos e irmãs migrantes que superior aos próprios habitantes, aumentando assim as adversidades, que ainda ressentem as complicações da crise econômica”, disse Bergoglio, apontando o dedo para a Europa. “A demora europeia persiste: a Comunidade Europeia, dilacerada por egoísmos nacionalistas, em vez de ser o motor da solidariedade, às vezes parece bloqueada e descoordenada. Se antigamente os contrastes ideológicos impediam a construção de pontes entre o leste e o oeste do continente, hoje a questão da migração abriu fissuras também entre o sul e o norte”. O que é preciso, porém, é uma "visão global, comunitária”, para que os migrantes, "protagonistas de uma terrível odisseia moderna", segundo as possibilidades de cada país, sejam acolhidos, protegidos, promovidos e integrados no pleno respeito de seus direitos humanos e de sua dignidade”.

Hoje os migrantes estarão no centro dos gestos e das palavras do pontífice, que regressará a Lesbos, onde já esteve em 2016. Ressoarão palavras semelhantes às pronunciadas anteontem em Chipre, durante a oração ecuménica com os migrantes: “Olhando para vocês, penso em muitos que tiveram de voltar porque foram rejeitaram e acabaram em campos de concentração, verdadeiros campos de concentração, verdadeiros postos de confinamento, de tortura e de escravidão”. E a denúncia dos “arames farpados”: são colocados para impedir a entrada do refugiado, aquele que vem pedir liberdade, pão, ajuda, fraternidade, alegria, que está fugindo do ódio e se depara com um ódio que se chama arame farpado. Essa é a história dessa civilização desenvolvida, que nós chamamos de Ocidente”.