Dom Reginaldo Andrietta avalia o cenário político para antes e depois das urnas
Karla Maria | 6ª Semana Social Brasileira
“A Igreja louva e aprecia o trabalho de quantos se dedicam ao bem da nação e tomam sobre si o peso de tal cargo, em serviço de todas as pessoas” (cf. Gaudium et Spes, 75)
Louva, aprecia, acompanha e fiscaliza, é o que explica na entrevista a seguir dom José Reginaldo Andrietta, bispo da diocese de Jales e membro da Comissão Episcopal de Pastoral para a Ação Sociotransformadora da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Também responsável por acompanhar a Pastoral do Mundo do Trabalho, o poliglota dom Reginaldo destaca em detalhes as necessidades e fragilidades do processo eleitoral brasileiro que, para além das urnas, demanda participação popular contínua e atenta. Observa a apropriação de discursos religiosos e lembra o papel do clero em todo esse processo, à luz da Doutrina Social da Igreja.
Estamos em um processo eleitoral desanimados, confusos?
Não sei se estamos confusos ou inconscientes. Muitos não têm uma consciência de um projeto de sociedade, então vivem no imediato, próprio, sobretudo, daqueles que lutam pela sobrevivência. Temos mais ou menos 85 milhões de pessoas no Brasil que não têm uma representatividade na sociedade, seja a partir de associações ou sindicatos, e sequer têm um trabalho estável. Quando conseguem trabalho, é uma luta pela sobrevivência sem estarem organizados e terem uma representatividade.
A juventude brasileira está atacada em sua dignidade, seja pelo desemprego e/ou pela precarização do trabalho. Como pedir consciência política quando se tem energia, às vezes, apenas para sobreviver?
Pela minha experiência temos que considerar o conjunto da vida como um processo de formação integral, e isso se faz desde a infância, adolescência. Se nós começarmos a desenvolver a formação, esse tipo de consenso da importância de cada um irá se situar na lógica do bem comum; quando a pessoa está jovem já é um pouco tarde. Muitas entidades e organizações não se renovam. Muitas envelheceram porque não colocaram como estratégia justamente a formação das novas gerações desde a infância. É um processo de formação permanente e que não começa em uma determinada etapa. E neste sentido nós já observamos as consequências da não formação dessa consciência desde a infância. Por isso, nós temos no Brasil uma camada jovem importante, embora tenha reduzido a quantidade nos últimos tempos, mas sem uma participação organizada ativa na sociedade, porque aqueles que assumem funções de liderança não consideram esse processo formativo, então se apropriam de funções e de poder. Então essa análise sociológica deve ser considerada, mas aí é uma questão pedagógica também.
Todas as entidades da sociedade têm que considerar a necessidade de formação permanente desde a infância e nós vemos então que, quando se faz uma formação nesse sentido, já no período juvenil, há resultados muitos positivos, isso em termos de valores, ou seja, de solidariedade, voluntariado e aprendizado na convivência social, a socialização. A Pastoral de Adolescentes, por exemplo, que é uma pastoral social, não é exclusivamente religiosa. Ela ajuda o adolescente a entender a sua realidade e avançar no seu papel na sociedade.
Nós já tivemos nas últimas décadas um avanço muito significativo nesse sentido com vários programas direcionados a jovens trabalhadores e trabalhadoras, mas que estão estancados agora. Eu diria que tem que ter uma política global na sociedade, todas as entidades, e o Estado considerar essa estratégia fundamental, porque o que conta é a participação de todos e todas na sociedade. E aí entender e trabalhar a importância nos processos eleitorais e, portanto, participar com voto consciente. Faltam instâncias de participação em que os próprios jovens vão atuando e criando esse nível de consciência.
O senhor está dizendo que o processo democrático, a forma como nos organizamos como sociedade, hoje não é acessível, atrativa à juventude? A Semana Social Brasileira, a Pastoral Fé e Política, e iniciativas populares como o processo da Lei Ficha Limpa seriam exemplos desse processo democrático mais favorável?
Sim, mas com esse limite de ter na sua estratégia de ação uma pedagogia de formação das novas gerações, porque aqueles e aquelas que lideram os processos pastorais já são de meia-idade, até envelhecidos, então é preciso uma estratégia permanente de formar as novas gerações e possibilitar que as novas gerações como sujeitos irem visualizando o seu destino. Eles têm não só o direito como a responsabilidade de irem projetando a vida em sociedade.
É uma estratégia permanente, que muitas vezes não está presente na sociedade, e com isso há apropriação em todas as instâncias e manipulação, e desse jeito a sociedade não se democratiza porque não contempla a participação progressiva, permanente com a educação à participação.
O senhor vê as eleições como um processo limitado?
As eleições são muito limitadas, inclusive podem ser o momento mais antidemocrático que existe, caso as forças dominadoras, de distintas maneiras, se apropriem do processo para justamente se apropriarem do poder do Estado. Então, ali se manifesta inclusive um processo ditatorial com aparência de democracia. Os poderes se aliam neste momento para manipular, então dizemos que esse é o auge da democracia, mas pode não ser dependendo do contexto: poder na mídia, manipulação do poder econômico, e aí tem um processo de manipulação para institucionalizar depois esse processo dominador, então todo cuidado nesse sentido.
Por isso que o processo democrático é permanente. Eu costumo dizer que um dos dias mais importantes de todo o processo eleitoral é o dia seguinte das eleições, é aí que nós vemos se aqueles que se dedicaram justamente a fazer a sua campanha passaram a se organizar melhorar para continuar na luta ganhe ou não ganhe as eleições. De qualquer maneira tem que continuar um processo de organização popular para participação na gestão pública. A questão-chave de tudo é a participação, a valorização de cada ser humano independente de sua condição social, mas é claro que tem que partir das maiorias que são aqueles que compõem a classe trabalhadora estejam ou não trabalhando, e, sobretudo, a partir daqueles que estão mais excluídos da participação econômica e social.
O discurso religioso é muito utilizado pelos candidatos. Como o eleitor pode se precaver em relação a isso?
Utiliza-se muito o discurso religioso moralista, porque nós estamos em uma cultura acentuadamente religiosa e moralista. Nesse sentido, muitos se utilizam disso. Agora, partindo do princípio de que a moral e a religião podem ser libertadoras ou opressoras, depende muito de como se utiliza esse discurso de um lado ou de outro. Supostamente a religião, a moral, é para ajudar os seres humanos a viverem mais plenamente os seus valores humanos, portanto têm uma dimensão libertadora porque é uma dimensão humanizadora, porque desenvolve os valores dos seres humanos no sentido da convivência e coexistência social, mas normalmente são utilizados para justificar práticas dominadoras, daí existe manipulação. Manipulam sentimentos e símbolos de determinados aspectos éticos, mas falseando a realidade. Os próprios candidatos se apresentam como moralmente corretos, quando na realidade muitas vezes é o contrário, então é um processo manipulador, de ideologia. A ideologização da política ela ocorre sempre, e ideologização no sentido de falsear a realidade e que permite se impor, então todo cuidado nesse sentido também.
Que tipo de cuidado?
Esse é o processo de conscientização. Ajudar as pessoas a serem críticas diante de tudo aquilo que é manipulação, não se deixar levar por qualquer tipo de discurso. Conhecer práticas, ver se existe coerência entre discurso e a prática, essas são as funções daqueles que têm formação e partilharem ao máximo, isso é democracia também. Impor-se com fidelidade à realidade dos fatos, não manipulá-los, e aí faz parte do papel jornalístico também.
O que vemos é justamente uma avalanche de manipulação dos fatos nesta e em eleições passadas. Há a relativização da verdade, o uso de notícias falsas e o descrédito do conhecimento científico. Como o senhor, representante da Igreja, enxerga essa realidade no dia a dia, e como avalia que ela tem impactado no processo político e eleitoral brasileiro?
É uma questão ambígua, a vida humana é ambígua, então por um lado tem o substrato crítico na sociedade que está aí presente que é um valor. Hoje em dia, as pessoas realmente colocam questões sobre tudo, e isso é importante, mas ao mesmo tempo é aquele processo manipulador, dominador, e neste contexto muitos se dizem donos de verdade acusando os demais de serem ideológicos sem entender que tudo é ideologia, como tudo é política e tudo tem de alguma maneira espiritualidade.
Tudo é cultura, então tudo está integrado, não existe um aspecto desvinculado do outro, e no caso, todo posicionamento é um posicionamento ideológico, não tem jeito, porque tem ideia, tem conceito e propostas. Agora, os critérios cristãos de verdade em primeiro lugar são amor, entendimento, comunhão, solidariedade, o bem, a justiça. Quem que pode ir contra valores como tais? São valores inerentes a todos os seres humanos, não exclusivos ao cristianismo. O que é essencialmente exclusivo na cultura religiosa, sem querer dizer que não está isso presente em outras culturas, mas que é uma especificidade do cristianismo é o amor gratuito, porque todos falam do amor, mas quem é que dá a vida até para os inimigos, em função da coletividade, não em função de determinado grupo? Então, quando existem polarizações, qual a perspectiva cristã? Vamos nos entender, o que conta em primeiro lugar é o bem comum, o que está acima do bem particular.
A polarização política é muito presente...
Temos que encontrar caminhos de diálogo e entendimento, mas que não seja um tipo de diálogo também de oposição daquele que tem mais poder cultural, político e econômico. Esse princípio é muito importante, porque nos permite avançar naquelas ambigüidades, então em um país como o Brasil ou os EUA, com suas polarizações, temos que encontrar caminhos de diálogo e entendimento, mas não de superação só daquele momento. São de questões que estão enraizadas historicamente.
Para ter diálogo e entendimento não significa ter de ceder a princípios dizendo “nós temos que nos entender e a sociedade continua estratificada em classes com o conflito capital e trabalho se impondo”. Aí seria como que nos submetemos àquilo que é um princípio de dominação histórico. Isso precisa ser superado. Vamos viver em comunhão, onde todos têm os mesmos direitos com as suas diferenças, e, portanto, o critério da equidade e não só da igualdade é um esforço constante de criar uma consciência profunda de que não basta só dar passos em uma eleição, nós temos que dar passos históricos grandessíssimos, e daí entendermos então o projeto de vida cristã conceituado como Reino de Deus, que é a justiça divina, que é acolhida na vivência e convivência humana, e, portanto, a relação entre o humano e o divino.
Neste momento de pandemia, a desigualdade social está escancarada. A política brasileira fracassou? Qual o peso dos eleitores e da própria Igreja neste cenário?
Na realidade não é a política que fracassa. Não se trata de fracasso, e sim de posição em um contexto de fragilidade como este, de pandemia. A fragilidade se manifesta maior para a classe mais desprotegida, que é a classe trabalhadora que acaba perdendo emprego, acaba tendo condições mais precárias e mais dificuldades para sobreviver, mas aquele detentor do grande capital está bastante protegido e encontra caminhos para inclusive gerar mais recursos, porque nós estamos no capitalismo financeiro, então, se existe menos investimento na produtividade e no trabalho também, existe mais investimento no mercado financeiro, e aqueles que têm esses mecanismos vão ficar evidentemente mais ricos. [...] A dinâmica do processo histórico continua e em um momento como esse a classe trabalhadora também está mais fragilizada, mas não só pela pandemia. As reformas que ocorreram cortaram as pernas dos sindicatos e fragilizaram a organização coletiva dos trabalhadores com negociações mais individualizadas, então neste sentido já veio de um processo de ataques não só aos direitos, mas à organização dos trabalhadores.
Essa lógica de favorecimento do grande capital está presente na política, mas não é a política que falha, é uma determinada política que é imposta por aqueles que têm mais recursos. Aí é preciso então a consciência nos processos eleitorais, porque podem estar votando contra si mesmos manipulados e favorecendo um determinado tipo de política.
O voto em branco, nulo ou mesmo aquele voto de protesto em candidaturas que parecem improváveis são frequentes no cenário eleitoral brasileiro. O senhor acredita que a eleição de Jair Bolsonaro, a qual cientistas políticos apontam ter contado também como um voto de protesto ao Partido dos Trabalhadores, tenha ensinado algo ao eleitorado brasileiro?
Eu não diria isso significa necessariamente um protesto ao governo que estava anteriormente, mesmo porque o Temer já tinha estado cerca de dois anos já, então poderia ser também um protesto a ele. É muito simplista dizer que é um voto de protesto. Na realidade é uma falta de comprometimento com a vida do país e, portanto, uma acomodação, e de alguma maneira uma inconsciência também. Dizer que aquele que não foi votar ou que votou em branco estaria necessariamente protestando eu acho que é demais, porque suporia uma consciência, e que tipo de consciência? A manipulada, porque na realidade tudo o que foi feito nos meios de comunicação falsamente acusando o PT, por exemplo, daquilo que necessariamente ele não fez, então houve uma manipulação, então é um voto manipulado, ou uma atitude manipulada. O que coloca em questão é o que determina a consciência das pessoas? Hoje os meios de comunicação são bastante determinantes, então o que tem que colocar em questão é o papel dos meios de comunicação, que não são tão leais, eu diria, aquilo que é a realidade, porque eles são manipulados por poderes econômicos e estão nas mãos dos poderes burgueses, então toda atenção a isso. Na verdade é um voto manipulado e não de protesto. De protesto se os meios de comunicação tivessem um referendo sobre eles próprios, uma consulta popular sobre o que pensam dos meios de comunicação e talvez daí apareceriam muitos problemas.
Em um país em que historicamente o nível educacional é muito limitado, evidentemente os resultados eleitorais correspondem também à falta de informação, análise e criticidade e isso vai continuar por muito tempo se não tiver um investimento na educação de qualidade. Estão tentando eliminar a educação cidadã com escola sem partido, que na realidade é escola sem consciência política, sem consciência cidadã. Nas igrejas muita gente não quer tratar o tema política porque não entende o que é a visão cristã, então temos uma contexto geral de negação da política por aqueles que querem se apropriar da vida política.
Falta compreensão por parte dos católicos da Doutrina Social da Igreja Católica e de seu papel dentro do cenário político? Qual o papel das Igrejas?
Sim, e o conjunto todo da sociedade condiciona muitos na Igreja a pensarem assim: política é coisa suja, porque existe intencionalidade neste sentido de separar religião e política no sentido correto do estado laico, evidentemente, mas no sentido que não se pode ter criticidade sobre o mundo político. Veja aí nas eleições presidenciais, como muitos foram criticados pelo fato de falar em uma homilia de uma maneira mais crítica. [...] Nós não podemos entrar de maneira crítica na vida política, mas eles manipulam pessoas de Igreja e interferem na vida de Igreja. É como se os cristãos não pudessem intervir na vida política em nome do Estado laico, mas o Estado laico intervém nas Igrejas de alguma maneira e usam Igrejas também, então neste sentido está faltando uma análise mais profunda, que sim o Estado é laico, mas as pessoas não são laicas, então o Estado também tem que ter políticas de participação que considerem os valores presentes inclusive em todas as filosofias e religiões, então tem que ter um diálogo e a contribuição de todos em função do bem comum, só que muitas vezes não se exerce esse diálogo, e o critério fundamental seria: “olha nós queremos a corresponsabilidade e participação de todos os cidadãos, e se as Igrejas estão dispostas a motivar os seus membros a participar da vida em sociedade ótimo, mas não para defender interesses religiosos, confessionais”.
As Igrejas em geral estão motivadas a isso, muitas estão equivocadas ou mal intencionadas, incentivando os seus membros a participarem para defenderem interesses dessas instituições, o que não é correto. Aí sim tem que respeitar o Estado laico. O quanto que a Igreja Católica, por exemplo, já contribuiu para o desenvolvimento do Estado democrático de direito, e as garantias institucionais, e a participação saudável na política, e justamente para garantir que o Estado seja de todos e todas, que seja autenticamente democrático? Então não existe necessariamente contradição, o que falha é falta de diálogo, de entendimento de maneira coordenada, de todos os segmentos da sociedade.
No atual cenário político e econômico, abster-se de votar é possível? Seria um pecado, digamos assim?
Não, não, é o direito em determinadas circunstâncias de objeção de consciência. Primeiro que é um princípio fundamental. Eu penso que na nossa cultura política nós devemos considerar isso, não necessariamente a obrigatoriedade do voto, porque é como obrigar aquilo que talvez não seja uma convicção da pessoa, então ela tem uma obrigação moral, mas não necessariamente uma obrigação legal, porque o que tem de crime em abster-se em uma eleição?
Pode ser que aquele que esteja participando das eleições esteja cometendo um crime porque está escolhendo gente criminosa – olha aí a questão ética. Às vezes pode ter mais crime na escolha de um candidato do que na não-escolha. Pode ser imoral, você não participar no processo, mas pode não ser crime, e pode ser imoral, portanto, fazer escolhas erradas. E é tanto imoral a escolha errada como a não-escolha também.
Seria a liberdade de escolha com consciência...
Neste sentido a consciência moral seria de realmente participar, mas o direito a abster-se em determinadas circunstâncias, porque muitas vezes não existe uma opção de escolha saudável e aí sim seria o voto de protesto. Digamos que entre cem eleitores, 99 digam não pelo voto nulo, branco ou em abstenção, fica revelado que existe um protesto aí, e aí tem que ser pensado. Por exemplo, o Bolsonaro dizer que ele representa toda a sociedade brasileira, quando ele não representa nem sequer a maioria do eleitorado, então é imoral ele dizer que está representando toda a sociedade e que está representando o eleitorado, não ele representa uma parte que é menos que 50% do eleitorado, então isso tem que ser pensado. Pensar na minha postura como governante e saber ouvir aqueles que são críticos a mim também, isso é democracia.
Qual é ou deve ser o papel do clero nesse momento político? Incentivo e formação do laicato, isenção?
No momento eleitoral, que é uma questão permanente, a função do clero é ajudar em primeiro lugar os membros de suas comunidades, e nós como Igreja, a termos uma análise profunda do processo político e entender que nele estão os processos eleitorais e que em primeiro lugar o que conta é a participação plena dos cidadãos, que significa democracia direta e não só a representativa, então, trabalhar para construir uma participação direta na vida pública no nível municipal, dos estados e da federação, e fortalecer, portanto, os instrumentos de participação popular. Por exemplo, os conselhos paritários nos três níveis, que nos últimos tempos foram fragilizados ou anulados, e nesse sentido nós temos que trabalhar com instrumentos.
Por exemplo, o orçamento participativo. Ele é importantíssimo, nós promovemos o orçamento participativo nas comunidades, e isso deve ocorrer em todas as instituições e na vida municipal. Como que a população é consultada na distribuição dos recursos seja do município, do estado, da federação? Então, nós temos que participar dando ideias e justamente participando nos planejamentos das ações governamentais e na avaliação das ações governamentais, mas têm que ser criadas estruturas de participação, muito além dos conselhos, como assembleia popular. Isso tem que ser considerado. Todo gestor público no nível municipal tem que criar sistemas de assembleias populares, saber ouvir a população e integrar isso no seu plano de governo.
A cidadania organizada não é uma ameaça ao poder público, é uma contribuição. É fundamental que o clero desenvolva esse método participativo desde as suas comunidades na Igreja e em todas as instituições com as quais trabalha e na vida social em geral, portanto incentivando, porque o clero também tem como missão contribuir com o conjunto da sociedade. A sociedade ouve o ministro ordenado. [...] A Doutrina Social da Igreja tem como fundamento a dignidade de cada pessoa humana, e, portanto, o direito e a necessidade de cada pessoa humana participar em todas as suas instâncias da vida familiar, a vida profissional, institucional, educacional, em tudo. Quando mais desenvolvemos essa dinâmica participativa, desenvolvemos mais a nossa missão também como clero.
Como eleitor e bispo, quais são as virtudes, o perfil que o senhor busca em seu candidato à prefeitura de sua cidade ou à Câmara Municipal?
O perfil é aquele que representa as grandes maiorias em primeiro lugar, porque muitas vezes há candidatos que são de um grupo elitista, então nós sabemos que na vida política tem esse conflito fundamental, e a prioridade é sempre daqueles que são maioria e que são justamente representantes dos setores mais sofredores, mais excluídos. É uma representatividade daqueles que dificilmente têm uma representatividade na gestão pública, então se o gestor público vem desse ambiente ele conhece e entende melhor a realidade dessas maiorias, e que tenha uma trajetória de organização comunitária, na participação social dessas maiorias, e que saiba dialogar com as minorias, evidentemente. Que não seja alguém que acentue conflitos, e que tenha valores de honestidade, portanto, de diálogo social, que possam ser promotores da participação cidadã, a mais ampla possível, e que possa então ter uma cultura de entendimento das distintas filosofias que estão presentes na sociedade, porque tem tantos segmentos com convicções tão diferentes, e que possa entender, dialogar e promover justamente esse entendimento, que não sejam pessoas de polarizações, que favoreçam o consenso e portanto o atendimento daqueles e daquelas que mais necessitam, que sempre são as grandes maiorias.
Que mensagem o senhor deixa aos que disputam cargos no Legislativo e Executivo?
No caso daqueles que se apresentam como candidatos para funções públicas é preciso que entendam que assumirão a responsabilidade do serviço público. A autoridade é dos cidadãos e das cidadãs, eles se tornam autoridade no sentido de responsabilidade que assumem. Então é louvável que se coloquem nesse propósito, justamente se tiverem esse propósito. Mas se entrarem nos processos eleitorais para defenderem interesses particularistas e elitistas que prejudicam a vida em comum, estarão cometendo um grave equívoco moral e não deviam estar tomando tal iniciativa. Tudo depende da atitude fundamental, que é de colocar-se realmente a serviço e ter essa consciência democrática, portanto também estarem empenhados em um compromisso em construir relações sociais e econômicas justas.
Trabalhem pela equidade, para o cuidado da vida no seu todo. Tenham uma mentalidade ecológica sustentável e jamais nutram a cultura do ódio, da violência, da discriminação. Não sejam mentirosos, como muitos são. Sejam pessoas honradas, eu diria, senão deveriam repensar se estão no caminho correto. Sejam pessoas que realmente amam a coletividade e não a utilizem em função de seus interesses particulares.
Amar a coletividade é ter, portanto, um amor divino, porque nosso Deus encarnado em Jesus Cristo demonstrou que amou toda a humanidade doando-se pelo bem e a salvação de toda a humanidade. Esses sãos os valores e virtudes que eu considero fundamentais.