Texto e fotos Nívea Martins - CáritasBr e 6ªSSB
"O Brasil que Almejamos: o Bem-Estar das Comunidades".
Durante o painel intitulado "O Bem Viver dos Povos: Resistência do Povo de Deus", realizado na tarde do dia 20, como parte do mutirão de encerramento da 6ª edição da Semana Social Brasileira (SSB), testemunhos de luta e resistência, foram compartilhados, ecoando de várias regiões do país e revelando a abundância e variedade das experiências vividas no interior do Brasil. Francisco Nonato, secretário-executivo do Conselho Pastoral dos Pescadores mediou a roda de conversa do Bem Viver.
Hudson Rodrigues, do Centro de Estudos Bíblicos no Distrito Federal, contribuiu na reflexão do Bem Viver a partir da Bíblia e ressaltou que “somos desafiados a pensar o Bem Viver a partir dos nossos lugares, mas consciente de uma leitura que esse local de fala nos deixa transparecer. A bíblia antes de se escrita é vivida de geração em geração, para depois ser escrita e deixada para gerações futuras como registro e revelação de Deus”.
Gilberto Lima, do Conselho Pastoral dos Pescadores, trouxe a experiência da Teia dos Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão, uma organização que iniciou em 2011, como resultado da união entre lideranças quilombolas e indígenas que se mobilizaram após o assassinato da liderança quilombola Flaviano Pinto Neto. O crime ocorreu em razão da luta da comunidade quilombola do Charco, em São Vicente Férrer, pelo direito à terra. O fazendeiro acusado de ordenar o assassinato, Manoel Gentil Gomes, havia sido preso, mas foi solto mediante habeas corpus concedido pelo Tribunal de Justiça do Maranhão.
Diante dessa situação, os povos tradicionais decidiram ocupar a sede da Superintendência Regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em São Luís, para reivindicar a regularização e titulação das terras quilombolas. A mobilização contou com a presença de agentes das Pastorais Sociais da Cepast-CNBB, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e do Conselho Indigenista Missionário (CIMI).
A Teia dos Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão vem se consolidando como um espaço fundamental de articulação de povos e comunidades tradicionais que estão desde suas ancestralidades, num movimento anticolonial em defesa dos seus territórios tradicionais. A Teia é, desde sempre, esse espaço de articulação desses povos, que estão nessa luta.
A partir dessa mobilização dos quilombolas, com apoio de alguns povos indígenas, o movimento começou a crescer e percebeu-se que vários outros povos originários e comunidades tradicionais maranhenses tinham a mesma pauta, permanecer na terra e proteger seus territórios e toda sua criação, do avanço desenfreado do agronegócio, que por meio de grilagens de terras, tudo tomba para o plantio da agricultura intensiva e a obtenção de altos rendimentos a partir de uma exploração agressiva da terra, com o aumento de aplicações químicas de insumos, inclusive aplicações aéreas que afetam diretamente as comunidades, causando perigos para a natureza e para o corpo humano.
Desde então, a Teia dos Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão vem se consolidando como um espaço fundamental de articulação desses povos, na luta por seus territórios tradicionais e na resistência ao processo de colonização, que visa apagar a pluralidade dos povos, suas cosmologias, saberes e sabores. A Teia é, portanto, um importante instrumento de luta anticolonial. De acordo com Pavon-Cuellar (2021), a luta anticolonial é um movimento político, social e cultural que busca resistir, contestar e eliminar o sistema colonial e suas estruturas de dominação. Ela emerge das experiências de colonização, nas quais potências coloniais impuseram seu domínio sobre territórios e populações, explorando recursos, impondo sua cultura e instituindo sistemas de opressão. Assim, este movimento desafia as estruturas de poder e opressão impostas pelo colonialismo, promovendo a emancipação e a liberdade das nações e comunidades afetadas.
Marcela Vieira, educadora popular, especialista em gestão de projetos, economista, assessora nacional da Cáritas Brasileira e integrante da economia de Francisco e Clara e apoiadora da Rede Jubileu Sul em Manaus, contou sobre a iniciativa das mulheres que vivem em três comunidades em áreas de ocupação de risco em Manaus. Ela ressaltou a importância da mobilização comunitária e o papel fundamental da igreja no apoio às demandas públicas por regularização de serviços essenciais e infraestrutura. Segundo Marcela, graças ao apoio do padre e das religiosas, é possível avançar o processo junto às comunidades. Com ajuda, também, de advogados populares foi construído um plano de resposta das reivindicações de demandas públicas: regularização, água e serviços, unidade básica de saúde, escola de ensino médio, asfaltamento e saneamento básico e entrega dos documentos dos terrenos. Uma mesa de diálogo foi montada para responder às demandas e o diálogo com as esferas públicas, com servidores que pensam e caminham em sintonia. O resultado em Manaus, foi o desenvolvimento de ações com a juventudes e crianças e o trabalho com temática de promoção de formações: gestão financeira, violência contra as mulheres e participação social.
Irmã Letícia apresentou o projeto "Juventudes Pesqueiras na Universidade - Um Caminho para o Futuro", visando oferecer suporte acadêmico e emocional aos jovens das comunidades quilombolas e pesqueiras que desejam ingressar no ensino superior. Segundo ela, o projeto foi criado para responder à constatação de que muitos dos jovens das comunidades quilombolas e pesqueiras acompanhadas pelo CPP no norte de Minas Gerais, demonstravam diagnósticos de depressão grave, em que havia até ameaças de suicídio. Dos 16 jovens que participaram do projeto, 5 se tornaram universitárias. As outras jovens conseguiram ingresso em cursos técnicos ou estão se preparando para o ENEM. A pastoral vai iniciar um novo projeto agora, para ajudar na permanência da juventude na universidade. “O projeto transformou a minha vida, me incentivou e me tornou mais confiante”, relatou uma das jovens atendidas em depoimento em vídeo.
O padre Edson André Cunha Thomassim contou da experiência da Rede de Cozinhas Comunitárias em São Leopoldo–RS, ressaltando a importância da solidariedade e da autonomia na busca pela segurança alimentar através das cozinhas comunitárias, realizadas através do Conselho Municipal de Assistência Social com apoio da Cáritas e Pastoral da Criança, SEMUTS e Mercados e sacolões da cidade. Que possibilita momentos de formação, atividades de cultura e lazer com exibição de filmes e outras atividades com as famílias cadastradas junto à Cáritas, CRAS. Segundo o padre Edson, as cozinhas comunitárias não nasceram da ideia da prefeitura, nasceram da coletividade da comunidade e da articulação com e do poder público. O padre Edson afirma ainda que “Comida é caso de política pública e precisa ser discutida com quem é ou pretende ser administrador municipal. Nessa consciência.”
Irmã Delci Franzen, membro da Pastoral da Criança, contou sobre as experiências de trabalho em comunidades periféricas de Brasília, destacando a relevância da conscientização e organização comunitária para enfrentar os desafios locais. Mediante experiências já realizadas em Pernambuco, Ceará, Maranhão e Piauí, formou-se em Brasília–DF, diversos grupos de mulheres, juventude e moradores de rua na luta por seus direitos. Irmã Delci Franzen falou sobre a importância na formação dos educadores através do método de Paulo Freire, ver, julgar e agir.
A comunidade estava percebendo que os lotes estavam sendo ocupados sem espaços para locais para coletividade da comunidade, o que impulsionou a criação do barraco do MEB, Barracão Dorothy Stang, no assentamento que leva o mesmo nome, com objetivo de dar qualidade de vida aos moradores. “O papel de ajudar um educando a ler , decodificar o código, fazer jornada comunitária, ajudar com que eles passem a ser críticos e partícipes sociais, para criar a criticidade, a se questionar e questionar o espaço que eles estão inseridas, é fundamental para uma sociedade do Bem Viver.”
A mesa "O Bem Viver dos Povos: Resistência do Povo de Deus", contou com a participação de diversas vozes e visões e reafirmou o compromisso compartilhado de construir um Brasil mais equitativo, solidário e sustentável, refletindo a diversidade e a influência dos movimentos sociais e da sociedade civil organizada.
O encerramento da 6ª Semana Social Brasileira não representa o fim, mas sim o começo de novas jornadas e a continuação da luta por um país onde o bem-estar de todos seja uma realidade. O evento acontece até o dia 22 de março.