SSB
27/07/2020

A 6ª Semana Social Brasileira mobiliza o Brasil e já acumula diversos momentos como seminários regionais por videoconferência e rodas de conversa por lives, como exige este momento de pandemia.

“O nosso Deus é o Deus libertador, o nosso Deus é o Deus que manifesta o seu projeto e que nos leva ao compromisso com a vida e o compromisso com toda criação. A 6ª Semana Social Brasileira é um compromisso com a vida, por isso, nosso tema Mutirão pela vida: por Terra, Teto e Trabalho. É esse grande mutirão que estamos propondo, ele nos remete aos três Tês de Francisco”. A afirmação de dom José Valdeci Santos Mendes, Bispo de Brejo (MA) e presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Sociotransformadora, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), sintetiza bem as aspirações da iniciativa que já está mobilizando as forças populares e pastorais do Brasil.

A 6ª SSB foi aprovada para acontecer entre 2020-2022 durante a 57ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, em 2019.

Por causa da pandemia de coronavírus que exige distanciamento social, as atividades da 6ª Semana Social Brasileira (6ª SSB) sofreram alterações. As atividades que deveriam acontecer de modo presencial, agora são realizadas com a ajuda da tecnologia. Nesse cenário já ocorreram quatro rodas de conversas nacionais e quatro seminários regionais. A secretária executiva da 6ª SSB, Alessandra Miranda, avalia positivamente esse novo caminho. “A SSB, realiza agora, neste momento de distanciamento social, por conta da pandemia da covid-19, os mutirões online, com o objetivo de fazer a escuta dos regionais da CNBB, das lideranças das pastorais sociais, dos movimentos eclesiais e também dos movimentos populares, para motivar para o tema, mas também para fazer uma análise de conjuntura e uma reflexão que mobilize e justifique localmente a realização da 6ª SSB”, explica.

Na metodologia do mutirão, os momentos nacionais ao vivo, que são rodas de conversa, com transmissão pelo Facebook e YouTube foram denominados como Mutirão de Conversa e os seminários regionais receberam o nome Mutirão de Seminários.  Alessandra Miranda traz mais detalhes sobre as mobilizações regionais e como esses espaços estão dando vida e corpo para a 6ª SSB. “É um momento em que, em uma sala virtual, as lideranças, em média 60 ou 70 pessoas, compartilham a mística e a espiritualidade, num momento de leitura bíblica e de reflexão, com poesias, com músicas. Reflete também a partir da análise de conjuntura, sobre as oportunidades de realização da 6ª SSB naquele regional, e elenca algumas sugestões e estratégias para os mutirões pela vida. Então, os Mutirões de Seminário tem sido esse caminho de mobilização, sobretudo”, conclui.

O objetivo das rodas de conversas nacional, os chamados Mutirões de Conversa é promover momentos de reflexão e troca de experiências sobre os temas que representam as pautas prioritárias na trajetória a ser percorrida até 2022. “O nosso desafio é reverter esse quadro de apatia, discutir com as pessoas qual é o projeto popular de Brasil que nós queremos construir. O que significa projeto popular?”, questionou o membro da coordenação do Grito dos Excluídos, Ari Alberti, durante o primeiro Mutirão de Conversa.

Mobilização popular

Ao falar sobre os desafios de realizar uma mobilização popular por transformações estruturais de forma democrática e eficiente, Alberti destacou que é precisa falar aos simples de forma direta e contagiante. “Acredito que como a Semana Social Brasileira tem feito nesses vários processos dos últimos 30 anos, nesta edição 2020-2022 vai voltar a ser essa grande sementeira. Mas precisa terreno para depois essa semente se desenvolver. Acredito que há sinais como a população jovem ocupando as ruas. Juventude negra, branca, de qualquer cor, qualquer condição social, que está indo para a rua, que está se manifestando e está gritando, está levando seu cartazinho escrito à mão. Esse é um sinal importante. Talvez, hoje tenhamos que usar o carro de som, a roda de conversa, porque mais do que tudo, hoje a gente precisa ser simples para que as pessoas possam nos compreender”, afirma.

Dom Valdecir também aponta aspectos que exigem atenção e que justificam as preocupações da CNBB, ao aprovar a realização da 6ª SSB em sua 57ª Assembleia Geral, em 2019. “Quando nós falamos de desafios atuais, o que percebemos? Preocupa-nos muito a disseminação da cultura do ódio, da intolerância que divide famílias, que desestabiliza comunidades impedindo um diálogo social, isso é um dos problemas e dificuldades que nós percebemos e olhamos com muita preocupação. Olhamos também o ataque à democracia, onde instituições que deveriam se comprometer com o equilíbrio na convivência social, acabam incentivando preconceito, discriminação e intolerância”, explica o bispo.

Terra e território

Na tríade temática presente no tema da 6ª SSB, a questão do direito fundamental à terra e ao território é central. "O que significa terra? Terra não é só a terra em si, não é só uma propriedade, terra é a nossa cultura, é o nosso jeito de ser, nossa história, nossa ancestralidade, é o alimento, é soberania alimentar, é soberania de território, e tudo isso a gente debateu nas outras Semanas Sociais Brasileiras, e eu acho que agora a gente pode fazer, inclusive, um resgate desse acúmulo. Assim vamos esperançar e refazer a teia da vida. Inclusive cabe aqui perguntar: nesse contexto de pandemia, como reconstruir a teia da vida?”, provoca a secretária executiva da Rede Jubileu Sul Brasil, Rosilene Wansetto.

O avanço das investidas da chamada bancada ruralista, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal exige dos movimentos populares e do povo brasileiro, de modo geral, um estado de vigilância permanente. Em plena pandemia, durante reunião ministerial, um membro do governo não hesita e afirma violentamente: “Vamos aproveitar esse momento de tranquilidade e ir passando a boiada”, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Sales se refere ao projeto de mudar regulamentos e abrir precedentes para a exploração inconsequente de territórios que deveriam ser protegidos.

A resistência dos povos indígenas e comunidades tradicionais precisa ultrapassar territórios e entrar na casa de cada de todos/as e de cada um/a. As forças de resistência precisam de ajuda. A constatação pode ser confirmada nos relatos do coordenador nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Paulo César Moreira:  “O que a gente tem verificado de fato é que os grileiros, os madeireiros, os fazendeiros, as mineradoras, e é claro, o próprio Estado, não tem feito quarentena em relação a uma ofensiva sobre a terra e os territórios. Então, a gente vê essa luta no território brasileiro, a luta pela vida contra a pandemia, mas também a luta pela vida por causa do avanço de toda essa grilaram, de todo esse processo de violência.”, denuncia Moreira.

Resistir e esperançar

Em Alcântara (MA), a luta pelo território quilombola, a resistência para garantir a permanência segura das comunidades tradicionais e impedir a expansão depredatória da segunda base de lançamento de foguetes da Força Aérea Brasileira, já segue por pelo menos três décadas. “Alcântara é um município que, como todo mundo conhece é quilombola, e nós não abrimos mão disso. Somos quilombolas e jamais vamos aceitar alguém chegar hoje e querer nos remanejar, nos tirar de onde nascemos. Para piorar toda a situação, hoje a gente se vê em meio a um governo terrível, como o governo Bolsonaro, e a gente ter que estar em vigília 24 horas, dentro do nosso território”. Indignada, Valdirene Ferreira Mendonça, diretora do Sindicato dos Trabalhadores/as Rurais e Agricultores/as Familiares de Alcântara (MA), continua: “Alcântara é um território quilombola, é um território que é nosso, de cada família, de cada pessoa que está ali e a gente não abre mão disso, e o que nós queremos é o nosso título, queremos o título do território de Alcântara que hoje, nesse governo, que está com esse grande projeto de expansão do Centro de Lançamento, com esse acordo que fez com os Estados Unidos, quer tirar e realocar mais famílias”, conclui.

O município de Alcântara abriga aproximadamente 800 famílias que estão na área do litoral, segundo Valdirene, essa região é a “menina dos olhos” do governo atual. Em relação ao território, o Centro de Lançamento já ocupa oito mil hectares, para a expansão, o plano é liberar mais 12 para construção de novos sítios, de outras bases de lançamento. “Toda essa área, que é de litoral, é onde tiramos todo nosso sustento. O município de Alcântara tem mais de 200 comunidades e são todas abastecidas pelo litoral. No primeiro momento, eles tiraram os oito quilombos onde está implantada a base de lançamento, que já é uma parte do litoral, e agora eles querem mais 12 mil, que é o restante do litoral. Hoje, a comunidade vive em pânico, vivemos com medo, pois não temos a certeza do que vai acontecer amanhã, vivemos na incerteza e não é fácil você todos os dias estar vigiando para que não chegue alguém, não chegue um soldado, não chegue alguém a mando do Centro de Lançamento para fazer alguma coisa, e a gente fica 24 horas nessa vigília", relata a sindicalista e agricultora.

Crise socioambiental

“O processo e o tema da 6ª Semana Social Brasileira caíram como uma luva, para este momento que vivemos no Brasil. Por quê? Porque estamos assistindo, companheiros e companheiras, a sua força representativa, e o Brasil vive a pior crise de toda sua história. Conjugou-se num mesmo período de muitos anos, primeiro uma crise econômica, vinda desde 2014, que se transformou numa crise social, porque os ricos, burgueses e capitalistas jogaram o peso na crise econômica, que faz parte da lógica capitalista, independente de governos e de pessoas, o capitalismo gera suas crises de acumulação e crescimento com frequência, e essa veio com ainda mais força. Os capitalistas jogaram todo peso da crise sobre a classe trabalhadora, sobre o povo, e disso resultou uma crise social. Surge o desemprego, diminui-se o salário e gera-se um monte de problemas sociais”, destaca o dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Agustini Stedile.

As sucessivas e estratégicas crises culminam agora na chamada crise socioambiental, Stédile destaca a voracidade e violência dos grandes projetos a serviço de sistemas econômicos. “Assistimos aqui no Brasil desde 2015/2016 uma ofensiva desses capitalistas vorazes e selvagens sobre os bens da natureza, sejam pelo minério, as mineradoras a maioria internacionais, sejam os madeireiros, ruralistas, todos querem os bens da natureza. Não há hoje no Brasil, lucro extraordinário tão grande quanto comercializar água potável. O resultado dessa crise ambiental é que toda pressão na natureza desequilibra o meio ambiente, gera mudanças climáticas, transfere a água. E ela muda de lugar pela ação do homem. Estão percebendo em muitas regiões do Brasil e do mundo, já começa a faltar água”, denuncia em tom de convocação para uma organização popular capaz de mudar o curso da história e produzir um futuro mais justo e solidário com a humanidade e com a natureza, o líder do MST.