Para construirmos um novo modelo de mineração do Brasil será necessário um esforço coletivo das organizações e entidades preocupadas com o povo brasileiro, e com um projeto de país
Ó Deus dos pobres, ajudai-nos a resgatar os abandonados e esquecidos desta terra que valem tantos aos vossos olhos. Curai a nossa vida, para que protejamos o mundo e não o depredemos, para que semeemos beleza e não poluição nem destruição.[1]
Por Maria Júlia Gomes Andrade | 6ª Semana Social Brasileira
A tragédia que aconteceu no dia 25 de janeiro de 2019 em Brumadinho (MG) escancarou novamente o que é o modelo mineral brasileiro. Mais uma barragem de rejeitos de mineração se rompeu em Minas Gerais, ceifando desta vez 273 vidas. Mais uma vez o Brasil assistiu as imagens da lama destruindo vidas, casas, comunidades, plantações, rios. O horror que ocorreu em Mariana e Rio Doce, em 2015, tristemente se repetiu. E o Estado não monitorou e fiscalizou devidamente, não protegeu a população de Brumadinho e a região do rio Paraopeba.
O crime do rompimento da barragem em Brumadinho é revelador sobre o funcionamento da mineração no Brasil: extração acelerada dos bens minerais; monitoramento precário das estruturas dos empreendimentos; controle frágil dos órgãos públicos que deveriam fiscalizar as mineradoras e danos irreparáveis aos territórios onde são instalados os projetos. Mas, infelizmente, isto não é exclusivo para Mariana ou Brumadinho. Essa é a lógica que impera na mineração em todas as partes do Brasil.
O modelo mineral brasileiro é caracterizado como primário-exportador, o que significa que ele é pensado – prioritariamente – para a exportação de minérios, e de forma intensiva. O ritmo de exploração não é ditado por necessidades do povo, mas sim pelo lucro das empresas transnacionais e de seus acionistas. E é sempre importante lembrarmos: os minérios são bens finitos e não renováveis.
E o que fica nos territórios atravessados pelos empreendimentos minerários? Sofrimentos como: contaminação do ambiente e dos cursos d´água, aumento da incidência de doenças (especialmente respiratórias), grande desigualdade social, infraestrutura precária nos municípios, aumento da violência e da exploração contra as mulheres. Tudo isso, são consequências comuns em todos os territórios que recebem projetos de mineração. Já os empregos gerados para as populações destes locais, são em geral, de baixa remuneração, de contratos temporários e com pouco controle da saúde e segurança do trabalhador da mineração. Este é um dos setores no Brasil que mais mata, mutila e “enlouquece” trabalhadores. Os impactos ambientais e sociais do modelo de mineração são irreversíveis. E os lucros das empresas são extraordinários.
E temos uma grande injustiça fiscal associada à mineração. Temos uma das mais baixas alíquotas de royalties do mundo. E uma prática intensa de evasão fiscal e isenções para o setor, como é o caso da Lei Kandir. O argumento das mineradoras e governos, de que os projetos são necessários pela grande receita que geram para municípios e estados, não se sustenta.
Para construirmos um novo modelo de mineração do Brasil será necessário um esforço coletivo das organizações e entidades preocupadas com o povo brasileiro, e com um projeto de país. Temos alguns pontos que são basilares nesta construção:
- A necessidade de termos Territórios Livres de Mineração, nos quais não seja permitida a atividade minerária. Exemplos: territórios indígenas, quilombolas e de populações tradicionais; áreas de proteção ambiental; balneários de água; áreas de agricultura familiar. Um projeto de mineração não deveria ter, por princípio, prioridade sobre estes outros modos de vida e de geração de trabalho;
- Maior controle social e transparência do setor da mineração, para que a população tenha acesso a dados seguros sobre as condições das infraestruturas dos empreendimentos; para que tenhamos maior fiscalização da receita arrecadada, e participação popular sobre como o recurso deve ser aplicado nos municípios. A luta pela revogação da lei Kandir também é uma pauta prioritária.
Precisamos denunciar todos os absurdos causados pelas mineradoras e precisamos também apontar alternativas. A mineração faz parte da crise ecológica que atravessamos na humanidade atualmente, e que cada vez mais se agrava. Para pensar em um novo modelo de mineração é preciso que reflitamos sobre as estruturas. Os nossos bens comuns não podem ser vistos como recursos para serem explorados, como é a lógica predominante no capitalismo.
Em 2015 o nosso querido Papa Francisco nos apresentou um texto fundamental para entendermos o mundo de hoje: a encíclica Laudato Si’. Neste documento profético, Papa Francisco desvelou a estrutura da crise ecológica atual e nos convidou a pensar no nosso papel hoje para o cuidado da Casa Comum para as futuras gerações. A situação das comunidades afetadas pela mineração também já estava nas preocupações de Papa Francisco que, em julho de 2015, organizou em Roma – através do Conselho Pontifício de Justiça e Paz – o “Encontro com os Atingidos Pela Mineração”. Papa Francisco enviou para os participantes uma forte mensagem:
Vindes de situações diferentes e de maneiras diferentes experimentais os efeitos das atividades de mineração. Vós quisestes reunir em Roma, nesta jornada de reflexão que está ligada a uma passagem da Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (EG n. 187-190), para que se escute o grito de muitas pessoas, famílias e comunidades que sofrem direta ou indiretamente, às causa das consequências muitas vezes negativas das atividades de mineração. Um grito pelas terras perdidas; um grito pela extração das riquezas do solo que, paradoxalmente, não produz nenhuma riqueza para a população local que permanece pobre; um grito de dor em reação às violências, às ameaças e à corrupção; um grito de indignação e de ajuda pelas violações dos direitos humanos, de forma discreta ou descaradamente pisoteados no que diz respeito à saúde das pessoas, condições de trabalho, às vezes pela escravidão e tráfico de seres humanos que alimenta o fenômeno trágico da prostituição; um grito de tristeza e de impotência pela poluição da água, do ar e do solo; um grito de incompreensão pela falta de processos inclusivos e de apoio por parte das autoridades civis, locais e nacionais, que têm o dever fundamental de promover o bem comum.
As populações em conflito com a mineração no Brasil têm resistido bravamente, apesar da desigualdade tão grande desta luta. É urgente e necessário que a gente não naturalize mais o modelo mineral, tal como é hoje, e que ouça de verdade o grito que vem dos territórios atravessados pela mineração.
*Maria Júlia Gomes Andrade é Antropóloga e compõe a Coordenação Nacional do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e escreveu este artigo para a 6ª Semana Social Brasileira, cadernos formativos
[1] “Oração pela nossa terra” do Papa Francisco, dada em Roma no dia 24 de Maio de 2015, na Solenidade de Pentecostes.