O Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, em nota, se posiciona contra a aprovação do relatório, pois a proposta é a diminuição da presença do Estado sobre a destinação e controle dos bens minerais

Rompimento de barragem de mineração em Nossa Senhora do Livramento, no estado do Mato Grosso | Foto: Sema-MT/fotospublicas.com

Fonte: Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração

Desde junho do presente ano, o Presidente da Câmara dos Deputados Federais, Arthur Lira (PP/AL) instituiu o Grupo de Trabalho suprapartidário para debater e elaborar proposição legislativa destinada a alterar o Decreto-Lei 227/67 (Código de Mineração). O grupo contou em seu ato de criação, no dia 16/06/2021, com a designação da Deputada Greyce Elias (Avante/MG) como relatora e o Deputado Evandro Roman (Patriota/PR) como coordenador. 

A estratégia construída, desde então, foi de acelerar a tramitação para aprovação em Plenária dos interesses do setor mineral (grandes, médias e pequenas mineradoras ou garimpeiros), tendo em vista que o funcionamento de um grupo de trabalho é menos burocrático regimentalmente do que uma comissão. Contudo, a proposta de um novo código mineral envolve diversos outros assuntos correlatos, os quais deveriam tramitar por uma Comissão Especial – como ocorreu com a proposta de um novo marco legal da mineração enviada pelo executivo em 2013.

Diferentemente da tramitação que houve entre 2013 e 2015, quando ainda houve alguma participação das organizações da sociedade civil que atuam na defesa dos povos e territórios em conflito com a mineração e de grupos ambientais, a atual não os contemplou nos debates e tampouco aderiu às proposições advindas desse segmento da sociedade.

Na época, nas discussões da comissão especial, o relator da matéria, Deputado Leonardo Quintão (PMDB-MG), com sua desfaçatez em garantir os interesses do setor, chegou a afirmar: “que defende o setor mineral, sem vergonha de ser financiado “dentro da lei” pelas empresas do ramo”. Nós então denunciamos ao Supremo Tribunal Federal (STF) que o parlamentar não poderia relatar tal matéria, pois tratava-se de conflito de interesses, de acordo com o código de ética da Câmara dos Deputados.

Este preâmbulo serve para nos atentar que há anos o setor tenta alterar a legislação a seu favor, através de parlamentares comprometidos com o pauta setorial, em particular em temas referentes aos “impeditivos” à mineração – Unidades de Conservação, Terras Indígenas, Quilombolas, Plano Diretor,  Assentamentos Rurais, entre outros. Um exemplo foi, em 2015, a inserção do “art. 109 – A criação de qualquer atividade que tenha potencial de criar impedimento à atividade de mineração depende de prévia anuência da ANM”. Esse mesmo artigo, retorna agora em 2021, com uma maior sofisticação e distribuída entre artigos, parágrafos e alíneas.

Art. 42-G. É vedada a criação de unidades de conservação, áreas de proteção ambiental, tombamentos e outras demarcações que restrinjam a atividade minerária sem que ocorra ampla discussão e participação da sociedade, da ANM e dos titulares de direitos minerários abrangidos por estas unidades, bem como análise de impacto econômico de que trata o art. 5º da Lei nº13.874, de 20 de setembro de 2019.

Art. 58-A. Cabe à ANM declarar a utilidade pública, para fins de desapropriação ou instituição de servidão de mina, das áreas necessárias à implantação de instalações de concessionários ou autorizados.

Parágrafo único. O titular de concessão de lavra poderá requerer à ANM que emita declaração de utilidade pública para fins de instituição de servidão mineral ou de desapropriação de imóvel onde se encontrar a mina.

Na prática, esse conjunto de propostas dificulta a criação de novas áreas de proteção ambiental, as demarcações de terras indígenas e quilombolas, bem como a criação de assentamentos de reforma agrária ou mesmo o planejamento urbano dos municípios. 

O atendimento dos principais pleitos do setor empresarial pelo Grupo de Trabalho se confirma quando o relatório preliminar da Deputada Greyce Elias se exime de propor alterações na cobrança da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM). A taxação é uma das mais baixas entre os países minerados – seja no cobre, ferro, ouro, diamante etc. Além da parcialidade em relação ao combate à sonegação, evasão e elisão de divisas cometidas pelas mineradoras, pauta defendida por um conjunto de organizações que fazem parte do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração.

Enxergamos também que a proposta apresentada pela Deputada coloca em risco a luta pelos territórios livres de mineração, ao dificultar que a população organizada crie regras legislativas locais e estaduais para barrar a instalação de empreendimentos minerários. Ao retirar a obrigatoriedade de anuência de Estados e Municípios para instalação de empreendimentos de mineração, a proposta concentra poder demasiado na esfera federal, restringindo a decisão de entes federados aos seus territórios e fechando os principais canais atuais de interlocução e luta das comunidades atingidas e ameaçadas pela mineração.  

Não obstante as questões apresentadas acima, o setor mineral mantém as perspectivas de aprovação do Projeto de Lei 191/2020 que regulamenta o § 1º do art. 176 e o § 3º do art. 231 da Constituição para estabelecer as condições específicas para a realização da pesquisa e da lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos e para o aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica em terras indígenas e institui a indenização pela restrição do usufruto de terras indígenas. 

Ao proporem no novo código medidas legais para não revogar os títulos que foram adquiridos antes das demarcações de terras indígenas e unidades de conservação, que instituem restrições à atividade minerária, fica claro os interesses das mineradoras, dentre os quais a Vale S.A., que ainda não consumou sua decisão de devolver os processos minerários em terras indígenas.

Art. 42-A. Em caso de criação de áreas que restringem as atividades minerárias, os requerimentos minerários anteriores à criação dessas áreas não serão indeferidos, mas sim, permanecerão bloqueados, no sistema da ANM, suspendendo todas as responsabilidades relacionadas ao referido processo minerário, não extinguindo débitos e obrigação anteriores a suspensão.

Dentre tantos problemas e preocupações que o relatório apresenta, não podemos deixar de mencionar a flexibilização dos procedimentos e fiscalizações da Agência Nacional de Mineração (ANM). Pois, a sociedade brasileira já teve o conhecimento do sucateamento da autarquia em relação ao quadro de funcionários e de verbas para sua manutenção, o que por óbvio, causa uma espera prolongada para andamento dos processos burocráticos e impossibilita fiscalizações. Ao invés de fortalecer o órgão, a relatora decidiu trazer o conceito de “aprovação tácita” caso o órgão não tenha dado seu parecer no prazo pré-estabelecido – seja para pesquisa, lavra ou Permissão de Lavra Garimpeira.

Em síntese, a proposta do relatório é a diminuição da presença do Estado sobre a destinação e controle dos bens minerais, retirando o papel ativo enquanto administrador e o colocando como mero organizador dos interesses empresariais.

Pelos motivos apresentados acima, nós do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, somos veemente contra a aprovação do relatório. Precisamos de mais restrições e controle público para mineração, pois os últimos desastres comprovaram o quanto essa atividade é nociva aos povos, aos trabalhadores e ao meio ambiente.

Brasília, 12 de novembro de 2021.

Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração

Anexo

Pontos da proposta que merecem a preocupação da sociedade brasileira:

  1. O art. 1 pretende mudar significativamente o papel do Estado na gestão e controle dos recursos minerais, alterando sua função de administrador, ou seja de caráter ativo, para uma atuação mais liberal, de mero organizador do setor.
  2. Ao definir o aproveitamento dos recursos minerais como atividade de utilidade pública e essencial à vida humana, observando a rigidez locacional, ou seja a “incapacidade” de mudança de lugar da extração, pretende-se priorizar a mineração frente a quaisquer outras atividades essenciais e humanas, dentre as quais a proposta destaca a limitação da expansão urbana para viabilizar a mineração. Colocando a centralidade na mineração, o art 42-F indica que § 3º Áreas com título minerário outorgado pela ANM somente poderão ser objeto de bloqueio se a mineração for incompatível com a outra atividade, desde que demonstrada a supremacia do interesse público da outra atividade sobre a mineração, e garantida a indenização prévia do titular do direito minerário afetado.
  3. Repetindo a estratégia proposta no Projeto de Lei 3729/2004 (PL do Licenciamento Ambiental), retira a necessidade de anuência de Estados e Municípios para instalação de empreendimentos minerários, concentrando poder de decisão na esfera federal e impedindo que membros federativos restrinjam ou proíbam a mineração em seus territórios, como alguns já tem feito;
  4. O art. 3 abre a possibilidade de utilização pelo empreendedor, no próprio empreendimento, de minerais provenientes de obras de terraplanagem e de edificações, sem título minerário. Isso pode abrir brecha para a potencialização de um mercado ilegal de agregados da construção civil.   
  5. Continua com o direito prioridade, “considerado como cláusula pétrea pelo setor”, mantendo a baixa compensação para os superficiários (50% do valor da CFEM), o caráter concentrador do setor e impedindo maior atuação do Estado no planejamento da utilização dos recursos minerais.
  6. O art 14-5 abre possibilidade de dispensa de licenciamento ambiental para pesquisa mineral, para aquelas genericamente definidas como sem impactos ambientais significativos, e para extração de minerais em situações previstas em regulamento comum entre os órgãos de regulação do setor mineral e do meio ambiente, o que podem significar o fim do licenciamento.
  7. No art 14-2 a possibilidade de autodeclaração de  informações na pesquisa, associada a permissão que os direitos e títulos minerários, em quaisquer de suas fases, poderão ser oferecidos em garantia para fins de financiamento e outras operações comerciais, no Art. 92-A, abre a possibilidade de formação de bolhas especulativas ou de fraudes financeiras, como já se viu em outros países. 
  8. O Art. 22. – III visa impedir que as mineradoras concentrem os títulos minerários de autorização de pesquisa de maneira indeterminada, permitindo uma única renovação. Essa medida, apesar de impedir a especulação com os títulos, tende a acelerar a extração mineral no país a partir do interesse de mercado e não do interesse público. Caso não sejam utilizados os títulos serão disponibilizados em leilão.    
  9. O Art. 39-1 estabelece a necessidade de Plano de Ação de Emergência para a construção e a operação de barragens de rejeitos, mas não impõe a necessidade de licenciamento e análise ambiental específica para essa infraestrutura.
  10. Art. 42-G. busca dificultar a criação de novas áreas de preservação ambiental e cultural ao vedar a criação de unidades de conservação, áreas de proteção ambiental, tombamentos e outras demarcações que restrinjam a atividade minerária sem que ocorra ampla discussão e participação da sociedade, da ANM e dos titulares de direitos minerários, bem como análise de impacto econômico de que trata o art. 5º da Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019. Além disso, institui prévia e efetiva indenização aos donos dos títulos inviabilizados por áreas de preservação criadas.
  11. A criação de áreas de preservação com proibição da mineração não cancela os títulos ali contidos, apenas bloqueia por tempo indeterminado, no entanto, impede a definição de novos títulos. 
  12. O Art. 43-B. desvincula a concessão de lavra e de Permissão de Lavra Garimpeira à necessidade de apresentação prévia de licença ambiental. Apesar de exigir a licença para iniciar a extração, a norma pode aumentar a informalidade num setor já com grandes irregularidades como a mineração e o garimpo
  13. O Art. 58-A. delega à ANM o poder de declarar a utilidade pública, para fins de desapropriação (inclusive imóveis) ou instituição de servidão de mina, das áreas necessárias à implantação de instalações de concessionários ou autorizados, sendo o titular de concessão de lavra o requerente que define o interesse público. 
  14.  A nova proposta não define nenhum tipo de comprovação de renda, caução ou seguro que garanta o fechamento da mina e a recuperação das áreas degradadas.
  15. O artigo 65. não prevê a perda do título minerário em situação onde a mineradora ou o garimpeiro utilizem trabalho análogo a escravidão, trabalho degradante e/ou trabalho infantil; quando sonegar, omitir ou manipular informações da lavra para fim de pagar menos impostos; quando operar fora da área de concessão intencionalmente; ou quando não cumprir determinantes ambientais na concessão ou outra área mostrando sua incapacidade. 
  16. Art. 97-B que regula a Permissão de Lavra Garimpeira limita a três o número de títulos  garimpeiros ativos, mas possibilita que as Cooperativas tenham um conjunto indeterminado de títulos. A concentração de títulos em cooperativas, aparentemente de fachada, já vem sendo identificada, denunciada e tende a aumentar com a proposta. 
  17. No âmbito da fiscalização e gestão dos títulos minerários, o Art. 81-B. permitirá a fiscalização por amostragem e os Art. 97. institui a aprovação automática de requerimentos e procedimentos que não forem aprovados pela ANM em prazo estabelecido na nova lei.