O exercício do poder político, quando não é orientado a partir de adequados princípios morais, contribui para gerar deformações no sistema democrático

Dom Walmor Oliveira de Azevedo | Dom Total

O ano eleitoral de 2022 precisa incluir a importante tarefa de olhar o conjunto da comunidade política: não se pode considerar somente o Poder Executivo Federal. A indispensável conscientização política neste momento pede, dos cidadãos, essa tarefa - pois também é especialmente importante o conjunto de cargos eletivos que compõem as assembleias legislativas e o Congresso Nacional. A definição do voto não pode se pautar ainda, simplesmente, pelas polarizações ou “paixões” costumeiras, sob pena de inadequado discernimento para escolhas tão importantes. Para efetivar uma política melhor, alicerçada no bem, sem submissão a interesses cartoriais e oligárquicos, capaz de ajudar na reconstrução da sociedade brasileira nos parâmetros da justiça e da paz, é fundamental escolher pessoas com envergadura moral e competência política. Neste horizonte, deve-se também observar e identificar aqueles que têm compromisso explícito, claro e comprovado com o sistema democrático.

A fidelidade aos princípios democráticos define a autoridade e a força moral dos candidatos. A Igreja Católica, em sua Doutrina Social, sublinha a importância da democracia, que assegura a participação dos cidadãos na vida política, a possibilidade de os governados elegerem e controlarem seus governantes. Por isso mesmo, neste ano eleitoral, sejam incansavelmente reafirmados os valores da democracia, irradiando uma luz que se acende na escuridão. Ao promoverem os valores democráticos, reconheça-se que uma autêntica democracia, conforme ensina a Doutrina Social da Igreja, é bem mais que a inegociável dimensão do respeito formal às regras das instituições. Contempla a convicta aceitação dos princípios essenciais ao fortalecimento do sistema democrático, que incluem o respeito à dignidade da pessoa humana e de seus direitos, a promoção do bem comum como fim e critério regulador das atividades políticas. E nesse horizonte, deve-se considerar a indissociável vinculação entre os campos social e ambiental, nos ricos parâmetros da ecologia integral, magistralmente apresentados pelo Papa Francisco na Carta Encíclica Laudato Si’ - sobre o cuidado com a casa comum.

Se não há fidelidade aos valores democráticos não se pode merecer a confiança do voto, pois desrespeita-se o verdadeiro sentido da democracia, comprometendo a sua estabilidade. O relativismo ético, que desconsidera critérios universais, a exemplo dos valores democráticos, é sério risco para o pleno exercício da cidadania. Seja, pois, observada a trajetória de cada candidato, para identificar se há fidelidade a entendimentos indispensáveis para o exercício da representação política. Quem assume a responsabilidade de ocupar cargos nas instâncias do poder, a partir do processo eleitoral, não pode subestimar a dimensão moral de sua representação. Isto significa, em primeiro lugar, que os políticos precisam ser realmente sensíveis às necessidades da população, procurando soluções para problemas sociais e ambientais.

O exercício do poder político, quando não é orientado a partir de adequados princípios morais, contribui para gerar deformações no sistema democrático – a exemplo da corrupção política, das manipulações interesseiras, da defesa de grupos oligárquicos, traindo os valores da justiça social. A carência de respeito à dimensão moral explica porque há, na atualidade, uma crescente desconfiança relacionada à política. Fundamental é buscar uma reação, “encantar” a política definindo os quadros que exercerão a representatividade dos cidadãos nas instâncias do poder, observando um aspecto que vai além de simpatias, favores recebidos ou paixões cegas: a corrida eleitoral pede a avaliação da dimensão moral de candidatos para efetivar escolhas capazes de contribuir com o fortalecimento da democracia, essencial à promoção de uma “primavera” de justiça social.


Dom Walmor Oliveira de Azevedo

Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, MG - Brasil. Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Doutor em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma (Itália) e mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma (Itália). Membro da Congregação do Vaticano para a Doutrina da Fé. Dom Walmor presidiu a Comissão para Doutrina da Fé da CNBB. Também exerceu a presidência do Regional Leste II da CNBB - Minas Gerais e Espírito Santo. É o Ordinário para fiéis do Rito Oriental residentes no Brasil e desprovidos de Ordinário do próprio rito. Autor de numerosos livros e artigos. Membro da Academia Mineira de Letras. Grão-chanceler da PUC-Minas. Dom Walmor escreve toda sexta-feira para domtotal.