Aponta a CPT em dados divulgado sobre conflitos no campo em seminário na UnB, além da divulgação de dados e análises sobre a realidade dos territórios, na atividade ocorreu o lançamento da 38ª edição do Caderno Conflitos no Campo Brasil 2022, que traz depoimentos dos povos do campo, das águas e das florestas.

Por Marília da Silva | Especial CPT

Fotos: Letícia De Maceno

Na manhã desta segunda-feira, 17, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) lançou a publicação Conflitos no Campo Brasil 2022, em seminário realizado no Auditório Esperança Garcia, na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB). O livro apresenta dados dos conflitos no campo registrados pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduino, da CPT, no último ano, além de artigos de pesquisadores(as) convidados(as). 

Isolete Wichinieski, Coordenação Nacional da CPT

Isolete Wichinieski, da Coordenação Nacional da CPT, abriu a atividade dizendo que a publicação, em sua 38ª edição, não apresenta apenas dados de conflitos e violência no campo, mas também traz memórias e histórias dos territórios, das resistências e da identidade desses povos e comunidades. “Esse Caderno traz muito mais que números. É fundamental nós conhecermos quem são esses povos, onde estão, o que sofrem, aquilo que trazem em seus modos de vida,” destacou Isolete.

A atividade é realizada no Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária, Dia Internacional da Luta Camponesa e na data em que se completam 27 anos do massacre do Eldorado dos Carajás. “Hoje é dia de fazermos memória dos 19 trabalhadores que foram assassinados na Curva do S, em Eldorado dos Carajás, no Sul do Pará, e de tantos outros camponeses e camponesas que foram mortos. No ano passado, foram 47 assassinatos no campo, seis foram mulheres. Para muitos, pode parecer pouco. Mas, para nós, significa muito. Enquanto uma pessoa estiver sendo violentada, enquanto estiver ocorrendo violência e morte no campo, é nossa tarefa enquanto Igreja denunciar e dizer que essa realidade precisa ser mudada”, reafirmou Isolete.

Dom Sílvio Guterres, bispo da diocese de Vacaria (RS) e da direitoria da CPT

O bispo da Diocese de Vacaria e vice-presidente da CPT, Dom Sílvio Guterres, relembrou que, de acordo com a Doutrina Social da Igreja, é necessário denunciar o pecado da injustiça e da violência, que atravessam a sociedade e nela tomam corpo, em defesa dos direitos ignorados e violados dos mais pobres. “O mundo atual precisa do testemunho dos profetas não armados. Devemos repetir isso nos nossos encontros, em nossas igrejas, neste tempo em que o armamento foi proclamado, patrocinado, incentivado e defendido em nome de Deus”, disse Dom Silvio.

Representando a Universidade de Brasília (UnB), José Geraldo de Sousa Júnior, professor da Faculdade de Direito, relembrou que a UnB, sem perder a laicidade, sempre esteve aberta ao diálogo com os movimentos populares, construindo o pensamento acadêmico junto com os povos em sua lida com a realidade. 

Ao apresentar tabelas e gráficos comparativos das ocorrências de conflitos e das violências no campo, Tales Pinto, coordenador do Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno (CEDOC - CPT), afirmou que os assassinatos no campo não ocorrem de maneira isolada, mas sim como resultado de uma escalada de violência que atinge as comunidades e os territórios. Ele apontou ainda que,  entre 2016 e 2022, período que vai do golpe que deu início ao governo de Michel Temer ao final governo Bolsonaro, 27,36% dos territórios onde ocorreram os assassinatos também sofreram pelo menos uma ação de pistolagem, 15% sofreu pelo menos uma ameaça de expulsão, 9% sofreu pelo menos uma ação de invasão e 13% uma ação de grilagem.

No mesmo período, em 59% dos territórios onde ocorreram assassinatos, houve também pelo menos uma tentativa de assassinato e, em 52%, houve registro de ameaça de morte. “Isso mostra que são necessárias políticas de proteção às pessoas ameaçadas nos territórios”, apontou o coordenador do CEDOC.

Adriano Rodrigues de Oliveira, professor do Instituto de Estudos Socioambientais (IESA) da Universidade Federal de Goiás (UFG), que contribuiu na análise dos dados do Caderno Conflitos no Campo Brasil 2022, ressaltou a importância da publicação para pesquisadores e pesquisadoras da Universidade. “Eu sempre tenho destacado a importância desse Relatório, tão brilhantemente elaborado pelo CEDOC-CPT. É instrumento vital para as nossas pesquisas”, considerou Adriano.

O professor falou sobre a intensificação dos processos de apropriação dos territórios indígenas, comunidades camponesas e áreas legalmente protegidas. “As corporações de commodities influenciam o Estado e conflitam com as pautas ambientais, sócio-trabalhistas, culturais, agrárias, acadêmicas, dos povos tradicionais, da relação campo-cidade”, afirmou. 


Beto Marubo, da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja),

A mesa de abertura também contou com depoimento de Beto Marubo, da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), que falou sobre a importância do trabalho de capacitação técnica realizado pelo indigenista Bruno Araújo Pereira, assassinado em 2022, para que os indígenas da região pudessem ter mais respaldo em suas denúncias sobre invasões aos territórios.

“Bruno ensinou mapas, programação de computadores, georreferenciamento e pilotagem de drones para termos relatórios técnicos. Antes, o que acontecia? A gente chegava no Ministério Público Federal e na Polícia Federal, e nossas mensagens eram inócuas. Diziam: precisamos de provas, vocês têm que comprovar”, relembrou. A partir dessa capacitação, houve o empoderamento dos indígenas na região. Segundo Beto, cerca de 30 indígenas foram capacitados para fazer a vigilância do território e elaborar subsídios e relatórios técnicos das violações contra as invasões no território. Hoje, outras lideranças são capacitadas para levarem adiante o trabalho deixado por Bruno, contou Beto.

Ao encerrar a mesa, Isolete Wichinieski convocou os representantes do governo e das instituições de justiça presentes a olharem para o livro Conflitos no Campo Brasil 2022 como instrumento de análise da realidade dos povos e comunidades do Brasil, para elaboração de políticas de garantia de seus direitos, incluindo o Plano Nacional de Reforma Agrária. “Para aqueles e aquelas que estão ao lado desses povos e comunidades, e que ainda não olharam para esta realidade, que a publicação seja instrumento para auxiliá-los a cumprirem seu papel de profeta”, disse a Coordenadora Nacional da CPT.