Geração de energia descentralizada pelas pessoas em suas próprias casas

Imagem: divulgação

Por Joilson Costa*

Mais uma vez estamos em uma Semana Social Brasileira, que entre outras coisas se constitui como um profícuo momento para pautar com mais força na sociedade importantes temas para a defesa e avanço dos direitos da população.

Um dos temas atuais que julgamos ser necessário trazer para este processo é o da geração de energia descentralizada pelas pessoas em suas próprias casas. Do ponto de vista técnico essa modalidade é chamada de geração distribuída, por acontecer próximo ou no próprio local de consumo e estar conectada à rede de distribuição de energia elétrica da região.

Em abril de 2012 a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), através de sua Resolução Normativa nº 482[1], regulamentou o chamado Sistema de Compensação de Energia Elétrica, que permite que qualquer estabelecimento que consuma energia elétrica e seja faturado por uma concessionária de distribuição possa injetar energia elétrica na rede dessa concessionária e posteriormente receber essa energia injetada de volta, havendo neste caso uma compensação entre a energia que transita entre a unidade consumidora (residência, empresa, escola, hospital...) e a concessionária.

Para isso, a unidade consumidora gera a energia elétrica através de um sistema próprio, o que atualmente no Brasil acontece majoritariamente através de painéis fotovoltaicos[2], que são equipamentos que possuem a capacidade de converter a luz solar diretamente em corrente elétrica. A aquisição e a instalação desse sistema são de total responsabilidade do proprietário da unidade consumidora e nenhuma concessionária de distribuição no Brasil pode ser negar a conectar um sistema de geração distribuída à rede elétrica que opere[3].

 Atualmente[4] existem cerca 264 mil sistemas desse tipo no Brasil, beneficiando cerca de 343 mil unidades consumidoras, isso porque um único sistema pode gerar energia elétrica para mais de uma unidade consumidora, desde que estejam localizadas na mesma área de concessão (mesma distribuidora) e estejam todas sob o mesmo CPF, CNPJ ou então reunidas em consórcio ou cooperativa[5]. Essas duas últimas modalidades possibilitam verdadeiros “mutirões energéticos”, uma vez que várias pessoas podem se reunir para dividirem os custos de instalação do sistema e depois dividirem na mesma proporção da participação a energia gerada por este sistema.

Estes sistemas já superaram os 3.300 MW de potência instalada, sendo a fotovoltaica responsável por 94,4% desse total com os seus mais de 263 mil sistemas espalhados pelo país. Se essa potência combinada fosse considerada como uma única usina já seria a sétima em operação no Brasil. Mas não é apenas a característica de “espalhamento” pelo território nacional o que torna essa modalidade de geração uma excelente oportunidade de realizarmos um mutirão por uma verdadeira revolução energética no país.

A oportunidade encontra-se, em primeiro lugar, na quebra da lógica do sistema centralizado ao conferir a cada família o poder sobre a geração da energia que precisa e tornando-a menos dependente deste sistema, passando a usá-lo apenas como a sua “bateria”. Dado que a unidade consumidora paga apenas[6] a diferença entre a energia que consome e a energia que o sistema efetivamente gera (ou acumula), em alguns casos é possível que o valor da fatura de energia elétrica se reduza em até 95%! Essa é a lógica da descentralização: o empoderamento das pessoas.

Outra oportunidade encontra-se na chance de aumentarmos a utilização da fonte solar fotovoltaica no país, a mais utilizada por ter o maior potencial de penetração nos meios urbanos e ser a mais propícia para esse tipo de geração. Dado que estes sistemas são “vistos” pelo sistema de geração centralizado como uma diminuição da carga, isso significa que quanto mais sistemas descentralizados existirem, menos usinas centralizadas precisam ser construídas. E o problema destas é que elas podem causar grandes danos socioambientais, como violações de direitos de populações que podem ser obrigadas a deixarem seu local de moradia de origem ou perderem seus meios de subsistência, por exemplo.

Outro grande dano é a emissão de gases de efeito estufa, causa da emergência climática em que se encontra nosso planeta. Portanto, o crescimento do uso da energia solar fotovoltaica é condição essencial para a necessária transição energética que o mundo precisa fazer urgentemente. E mesmo que a matriz elétrica[7] do Brasil seja majoritariamente composta por fontes renováveis, mais de 17% dela é assegurada por mais de 2.400 usinas termelétricas espalhadas pelo país.

 Por fim, a outra grande oportunidade reside no enorme potencial de dinamizar a economia e gerar milhares de empregos, o que dialoga diretamente com o tema da 6ª Semana Social Brasileira. Inegavelmente este setor não para de crescer no Brasil desde 2012, sendo um dos únicos que resiste até mesmo à retração econômica causada pela pandemia que infelizmente vivemos. Segundo informações da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), desde 2012 já foram mais de R$ 30 bilhões investidos e 165 mil empregos gerados na cadeia de geração solar. Ainda segundo a Absolar, de janeiro a maio deste ano houve um crescimento de 27% na potência instalada comparado com o mesmo período de 2019 e somente em maio, em plena pandemia, o setor gerou cerca de 7,2 mil empregos, totalizando 37 mil desde o início deste ano[8].

Por essas e outras razões a Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil[9] desenvolve desde 2015 a Campanha “Nossa Casa Solar” com o propósito de contribuir com a popularização da energia solar fotovoltaica descentralizada no país e, louvando a realização e somando com o processo da 6ª Semana Social Brasileira, convoca a todos/as que se interessarem a apoiarem essa iniciativa em vista de um modelo energético em que a vida e o meio ambiente sejam plenamente assegurados.

Perguntas geradoras

  1. Já temos conhecimento de experiências de geração de energia descentralizada em nossa região? Como elas acontecem? Quais as lições e limites elas apresentam?
  2. Como podemos contribuir para uma maior popularização da geração descentralizada de energia elétrica pelas pessoas?
  3. Como poderíamos realizar um mutirão pela energia descentralizada em nossa região?

*Joilson Costa é engenheiro eletricista. Coordenador Executivo da Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil e colaborador da Rede Jubileu Sul Brasil.


[1] http://www2.aneel.gov.br/cedoc/bren2012482.pdf

[2] É importante que não se confunda estes equipamentos com os aquecedores solares, pois estes convertem a luz solar tão somente em calor e não em eletricidade, além de serem feitos de outro tipo de material apesar da aparente semelhança.

[3] Logicamente, a fim de proteger a rede de distribuição de energia, há exigências técnicas às quais o sistema de geração deve atender. Tais exigências são asseguradas pelo profissional ou empresa contratada para instalar o sistema, que dimensionam o sistema segundo tais exigências e se responsabilizam tecnicamente pelo mesmo.

[4] Dados da ANEEL. Unidades Consumidoras com Geração Distribuída. Link encurtado: https://cutt.ly/yaQBjSS. Acesso em 19/07/2020.

[5] Uma ótima cartilha de como constituir cooperativas para a geração distribuída foi produzida pela Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) e pode ser encontrada neste link encurtado: https://cutt.ly/0aWmHwu. Acesso em 19/07/2020.

[6] Importante observar que neste sistema, por mais energia que se gere em um mês, não é possível “zerar” o valor da fatura, pois hoje a unidade consumidora paga, pelo menos, o custo de disponibilidade, que é para continuar contando com a continuidade e confiabilidade da rede de distribuição convencional.

[7] Sistema de Informações de Geração da ANEEL (SIGA). Link encurtado: https://cutt.ly/0aWxM28. Acesso em 19/07/2020.

[8] https://exame.com/economia/energia-solar-cresce-na-pandemia-e-gera-37-mil-empregos/

[9] www.energiaparavida.org.br