Na semana de 06 a 13 de novembro de 2022, todos nós somos chamados com momentos de articulação, formação, celebração e gestos concretos em torno da VI Jornada Mundial dos Pobres, entrevista com frei Olávio Dotto, assessor da CNBB

Arte da VI Jornada Mundial dos Pobres

Fonte: Pastoral da Criança

Neste ano, o tema proposto pelo papa Francisco é “Jesus Cristo fez-se pobre por vós (cf. 2 Cor 8, 9)”. Ele nos convida para uma profunda reflexão e ação evangélica para a solidariedade transformadora junto aos irmãos e irmãs empobrecidos e empobrecidas. E também para nos aprofundarmos na compreensão das causas das desigualdades para uma atuação engajada e profética de transformação dessas realidades.

É de suma importância que para além do gesto concreto proposto pela Jornada deste ano, com os mutirões para arrecadação e doação de alimentos como ação emergencial, as comunidades assumam compromissos concretos de incidência política para que as políticas públicas de segurança e soberania alimentar sejam implementadas de fato no Brasil, conforme é pedido no caderno formativo de articulação da VI Jornada.

Frei Olávio Dotto | Foto: CNBB/Daniel Flores

Entrevista com: Frei Olávio Dotto, assessor da Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Sociotransformadora da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (Cepast-CNBB).

Qual é a situação atual da pobreza e da fome no Brasil? Quais são os rostos dos pobres hoje?

O grande desafio que a gente está encontrando hoje é esse aumento da pobreza, aumento da miséria no Brasil. Nós temos hoje, aproximadamente, conforme os dados há pouco divulgados, mais de 33 milhões de pessoas que estão em situação de fome no Brasil. Mais da metade da população vive alguma situação de insegurança alimentar. Então, é uma situação muito dramática. E os rostos da fome, hoje, são mulheres, são crianças, jovens, negros, indígenas, quilombolas, desempregados, migrantes, refugiados. Esses são os rostos, hoje, que visibilizam a pobreza e a fome no Brasil.

Segundo o papa Francisco, "ninguém deveria dizer que se mantém longe dos pobres, porque as suas opções de vida implicam prestar mais atenção a outras incumbências”. Quais são os perigos da naturalização da situação dos pobres?

Acho que aqui há um convite para nós de que a pessoa, o pobre, o necessitado, a necessitada exige que nós sejamos capazes de ir ao encontro das pessoas. Fazer algo de concreto para ajudar essas pessoas. O pior pecado que nós podemos cometer é, de fato, a gente virar o rosto, nos tornar indiferentes. A gente começar a dizer que a situação do outro não me diz respeito. A pobreza do outro é problema dele. Que não me toca o coração. Então, esse é o grande perigo que nós enfrentamos hoje, da gente naturalizar a situação dos pobres, da gente naturalizar a situação de exclusão social e a gente ir naturalizando e não fazer e não dar nenhum passo para combater essa naturalização nem fazer algo concreto de superação da miséria, de superação da fome.

Quais as consequências para o desenvolvimento das crianças, quando estas vivem numa situação de pobreza, sem ter as condições necessárias e de direito para o seu desenvolvimento?

Veja, as consequências são diretas. Uma criança que não consegue se alimentar bem vai ter um desenvolvimento intelectual e cognitivo insuficiente. Também não vai conseguir se relacionar com as pessoas porque, sobre essa criança e também sobre a própria família dela pesa uma carga de exclusão, de olhar, como se fosse algo diferente, uma pessoa incapacitada. Então, também há uma carga sobre essa criança, uma carga psicológica.

Como nos inspiram as palavras de São Paulo: "Jesus fez-Se pobre por nós", escolhidas como tema para a VI Jornada Mundial dos Pobres?

O papa Francisco é muito inteligente. Quando ele coloca para a gente, nessa VI Jornada Mundial dos Pobres, o lema "Jesus fez-Se pobre por nós", ele está nos chamando a algo muito concreto. Cristo é uma pessoa muito solidária, que vê e que sente compaixão e quer cuidar das pessoas. Ora, para nós é uma grande provocação para pensarmos no nosso cotidiano, nos nossos ambientes, no estilo de vida que a gente leva. O estilo de vida muitas vezes consumista que não ajuda. E o Papa nos provoca, a partir dessa reflexão sobre o nosso estilo de vida, da gente pensar também no nosso compromisso. O que que eu faço de concreto para com os meus irmãos e irmãs? Ou seja, o compromisso de solidariedade para com as pessoas necessitadas. Então, o Cristo que se fez pobre por nós é isso, Ele se fez pobre, Ele se fez solidário. Foi capaz também de viver a vida e sentir as dores por que passam os pobres, os excluídos. E por Ele sentir essa realidade, Ele se compadeceu e procurou exatamente restabelecer a vida e a dignidade.

Diante da fome e da insegurança alimentar de milhões de pessoas no Brasil, qual o gesto concreto da VI Jornada Mundial dos Pobres para ajudar a mudar essa realidade?

Que essa Jornada não seja pensada desconectada, por exemplo, da Campanha da Fraternidade, que no ano que vem vai abordar também a temática da fome – Fraternidade e Fome; não podemos desconectar da Semana Social Brasileira; não podemos desconectar da atividade da Cáritas Nacional – Ação Emergencial “É Tempo de Cuidar”. Então, diante dessa situação que a gente vive hoje, do aumento da fome, o que a gente tem motivado? Para que, nos espaços nas paróquias, nas comunidades, nessa VI Jornada Mundial dos Pobres, possam ser feitas ações concretas. Seja organizar um café, um almoço, um bazar. Mas também que a Igreja, nos seus espaços possa, quem sabe, combinar com os sindicatos, com os movimentos populares de fazer um grande dia, um grande gesto e quem sabe, esses grupos possam fazer doações de alimentos, doações de cestas básicas para que os pobres possam, de repente, conhecer esses grupos organizados e para que possam servir, inclusive, de inspiração para eles se organizarem. Enfim, a motivação, o gesto concreto é isso: que nos nossos espaços locais se façam coisas bem concretas em prol dos pobres, desde a distribuição de comida, de roupa, a organização de Rodas de Conversa para as pessoas tomarem consciência da situação, da gravidade da fome no Brasil e, juntos, pensarem em caminhos, na cobrança de institucionalização de políticas públicas nos municípios, no estado.