Mesa de abertura do Seminário Nacional debate a conjuntura atual e o papel da Igreja na realidade das comunidades
Por Henrique Cavalheiro | Conselho Pastoral dos Pescadores
Fotos: Nívea Martins | Cáritas Brasileira
A mesa de abertura do Seminário Nacional “O Brasil que temos”, das Pastorais Sociais e 6ª Semana Social Brasileira (6ªSSB), debateu sobre a conjuntura atual brasileira, passando por pontos cruciais acerca do contexto social, político e econômico, além de dimensão da fé e do fundamentalismo religioso que tanto impactam as comunidades do país. Ainda foram pontuadas as lutas por garantia de direitos humanos e da natureza. O Seminário que ocorre na Casa de Encontros Dom Luciano Mendes de Almeida, em Brasília até sexta-feira (3/3), questiona a presença e a responsabilidade da Igreja nestes espaços e temáticas.
Estiveram à mesa, Francisco Botelho – Comissão Brasileira de Justiça e Paz; Angélica Tostes – Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular; Anacleta Pires – Quilombola e escritora, Maranhão; e o Padre Dário Bossi – assessor Comissão para a Ecologia Integral e Mineração.
Antes de compreender o contexto atual do Brasil, foi apresentado o contexto internacional da atualidade. Segundo o professor Francisco Botelho, a primeira coisa que precisamos entender é a mudança estrutural internacional atual. “Estamos em um momento muito delicado, pois a velha maneira que o mundo era organizado está ruindo e a nova não nasceu. Quando estamos nestes momentos de transição algumas luzes começam a aparecer, mas o pensamento retrógrado também”, destacou Botelho. “Estamos em crise econômica, política e ambiental. Uma situação complexa onde todos os aspectos interagem. Momento de muitos conflitos e guerras. Temos um crescimento das desigualdades, precarização das relações de trabalho e migrações forçadas, estas crises abalam o modo de ser da sociedade como um todo”, afirmou.
Para o professor, a crise democrática representativa internacional é real. Em quase todo o mundo o resultado dos processos eleitorais foram questionados ou surgiram uma sociedade muito dividida entre a extrema direita e a extrema esquerda. Tudo isso está mostrando um mundo em transição onde as coisas não estão estáveis. “No Brasil, o bolsonarismo era o representante deste fenômeno. Assim sendo, a derrota de Bolsonaro foi extremamente significativa para a democracia brasileira. O golpe contido no Brasil, em 8 de janeiro de 2023, teve como resposta a posição contrária internacional e a construção de uma frente ampla democrática foi decisiva para o conter. Isto não significa que não terão novas tentativas no futuro, depende dos posicionamentos e respostas do atual governo”, ponderou Botelho.
Surge aí a necessidade de construção de pontes de diálogo com os que votaram em Bolsonaro, mas não compactuam com pensamentos extremistas e que ferem a democracia brasileira. “Também é preciso edificar uma frente ampla no Congresso e na sociedade para reconstrução nacional. O desafio para o movimento popular é ampliar e fortalecer a organização de base. Uma verdadeira sustentação da democracia”, finalizou.
Os perigos do fundamentalismo religioso
A teóloga, mestra em Ciências da Religião, professora e pesquisadora do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social, Angélica Toste – Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular, falou sobre as bases coloniais da América Latina, o que fez destes povos, um povo que tem fé. Porém, Toste alertou que o fundamentalismo religioso não surge do nada. “O fundamentalismo é o fim da interpretação bíblica, o encerramento do pensar possibilidades de entendimento”, disse Angélica.
Neste espaço colonizado e de inúmeras ditaduras com democracias muito frágeis ao longo da história latino-americana, o fundamentalismo surge como uma identidade pessoal. “O fundamentalismo encontra um terreno fértil no neoliberalismo. Encontra elementos sólidos e de justificação no fundamentalismo protestante, como por exemplo, a teologia da prosperidade. A fé que antes era coletiva, também passa a ser individualizada, mudando as visões de mundo”, acrescentou.
Assim como, a teologia do domínio que diz que se vive uma batalha espiritual e que por isso é preciso ocupar todos os espaços sociais, como a comunicação, a política, as escolas, as universidades, e tantos outros. “As bandeiras fundamentalistas são de combate ao gênero e a sexualidade. Combate ao outro, ao diferente de mim, do que pensa diferente de mim”, destacou a teóloga. “Qual é o nosso papel frente ao enfraquecimento da democracia brasileira?”, indagou.
Para a pesquisadora, as igrejas evangélicas nas periferias têm um papel fundamental de acolhida, de pertencimento e de lazer. Os fiéis encontram dignidade nestas igrejas. “Precisamos estar no meio do povo. Retomar o trabalho de base, cada vez mais, trazer pessoas para nossas pastorais e movimentos. Entender o que é o fundamentalismo e estes processos. Estar atentos e atentas que o fundamentalismo não está mais somente nas igrejas, mas é uma visão religiosa que está disputando políticas públicas”, concluiu.
O testemunho do território na conjuntura atual
Em uma fala carregada de poesia e canções, a quilombola e escritora do Maranhão, Anacleta Pires, destacou o que é a situação de comunidades tradicionais perante a opressão dos poderosos e do Estado. Para Anacleta, a esperança é semente de mudanças significativas e revigorantes. “Vamos construir um mundo novo para vivermos um mundo novo”, ponderou.
“A primeira coisa que precisamos pensar é na vida, vida que só a terra permite. O mundo ainda tem jeito. Nós temos que entender o passado para construir um presente e um futuro de verdade para a gente”, disse Pires. “Fazer uma retomada de compreender quem somos. O Deus vivo que fez tudo, deixou a gente com uma missão na terra. Onde foi que nós perdemos?”, questionou.
Para a quilombola, a humanidade não está respondendo ao que foi criado. “Vamos voltar para a base para fortalecer o alicerce, para que as paredes não caiam. A fé empodera e traz coragem”, destacou Anacleta.
Nascida num quilombo, a escritora relata que quase morreu de fome diversas vezes. “Se tirarmos a terra do quilombo a gente morre, pois não teremos como plantar. Qual a fome que cada um precisa saciar?”, indagou.
“Vamos sair daqui pensando em nosso ‘TER’, para que possamos refletir sobre o nosso ‘SER’.”, finalizou Pires.
A disputa por território e as justificativas capitalistas
Existem três modelos em disputa de território, o modelo neocolonial ou protecionista, desenvolvimentista e o bem viver nos territórios. Segundo o Pe. Dário Bossi – assessor Comissão Episcopal Pastoral para Ação Sociotransformadora, em resposta ao crescimento da pobreza e das desigualdades, a solução proposta foi acelerar o capitalismo como forma de aumentar a produção, ou seja, um bom disfarce para o agravamento deste ciclo vicioso de distanciamento das classes.
“Atrás de uma disputa de território, de exploração, existe uma justificação sustentável enganadora. É preciso mostrar o grande desafio que temos para caminhar junto com as comunidades que defendem seus territórios”, destacou Bossi.