A equipe de articulação, animada pela 6ª Semana Social Brasileira, reuniu-se com a Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Sociotransformadora, para avançar na reflexão sobre a possível criação de uma Pastoral da Favela e Moradia
Por Osnilda Lima | 6ª SSB e Pastorais Sociais
No dia 10 de agosto de 2022, das 14h às 16h, a Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Sociotransformadora da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (Cepast-CNBB), representada por sua presidência e equipe executiva, reuniu-se para dialogar sobre a possibilidade de criação da Pastoral da Favela e Moradia, em âmbito nacional. A provocação nasce dos debates promovidos pela 6ª Semana Social Brasileira (2020-2023), na temática moradia e ganha impulso após encontro com agentes de Pastoral e movimentos populares que atuam no campo da moradia.
Da presidência da Cepast, participaram: dom José Valdeci Mendes Santos, bispo da Diocese de Brejo (MA); dom José Reginaldo Andrietta, bispo da Diocese de Jales (SP); Francisco Cota de Oliveira, bispo da Diocese de Sete Lagoas (MG), e o assessor da Cepast, frei Olávio José Dotto. Da equipe executiva, participaram: Alessandra Miranda, secretária-executiva da 6ª Semana Social Brasileira (SSB); irmã Claudina Scapini, Setor de Mobilidade Urbana; Osnilda Lima, assessora de comunicação da 6ªSSB e Cepast; Jardel Lopes, Pastoral Operária e Daniel Seidel, Comissão Brasileira de Justiça e Paz. Da articulação que compõem a equipe provisória da Pastoral da Favela e Moradia, participaram: Ricardo de Gouvêa Corrêa, arquiteto urbanista, da Fundação de Defesa de Direitos Humanos Bento Rubião; Benedito Roberto Barbosa (Dito), advogado da União dos Movimentos de Moradia de São Paulo e articulador da Campanha Despejo Zero, e frei Marcelo Toyansk Guimarães, da Comissão de Justiça e Paz do Regional Sul 1 da CNBB e Pastoral da Moradia na Arquidiocese de São Paulo (SP).
A política por moradia no Brasil
Para justificar a fundamentar e importância do debate e a criação de uma Pastoral Nacional da Favela e Moradia, Ricardo Gouvêa iniciou a fala trazendo a realidade a partir do déficit por moradia no país. “Fiquei com a parte chata, dos números, uma tecnocracia que eu espero ser humana. Quando falo desses números, fico pesando que por trás de cada unidade, tem uma família, tem um sofrimento, tem uma trajetória de vida no cenário da moradia no Brasil”, disse Ricardo.
Gouvêa trouxe os dados quantitativos calculados a partir do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), do último Censo 2010, e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNDA), 2016-2019.
Segundo Ricardo, esses dados tem uma fragilidade temporal e metodológica. Ele lembra que quem pega os resultados do Censo e o transforma em dados é a Fundação João Pinheiro, ligada à Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão de Minas Gerais.
O primeiro grupo de demanda, apresentado por Ricardo, é o quantitativo, ou seja, casas que precisam ser construídas. De acordo com o arquiteto, esse universo é estimado em um milhão e meio de famílias em todo o Brasil que precisam de moradia. Gouvêa recorda que também há cerca de um milhão e meio de famílias convivendo no mesmo moradia espaço, duas, três famílias. E há três milhões de famílias que comprometem mais 30% de sua renda com a moradia. Todo esse universo totaliza, de acordo com Ricardo, aproximadamente seis milhões de família que precisam de políticas públicas de acesso à moradia. Deste déficit, 75% é composto por famílias com até dois salários mínimos.
Outra demanda, é a qualitativa, são as habitações inadequadas. 250 mil domicílios não possuem banheiro em sua unidade habitacional. “Isso é um escândalo civilizatório”, ressalta o arquiteto urbanista, Ricardo. O maior déficit qualitativo dessa demanda são as famílias que carecem de um ou mais serviços básicos de infraestrutura: energia elétrica, abastecimento de água, esgotamento sanitário, coleta de lixo. Fora isso, relembra Gouvêa, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 220 mil pessoas moram em situação de rua no Brasil. Esse número, afirma Ricardo, seguramente com a pandemia da Covid-19 e a crise econômica foi expandido.
Análoga à realidade, são as populações das favelas que tiveram uma explosão nos últimos dez anos, segundo dados do IBGE, eram de seis mil aglomerados em 300 municípios, agora são 13 mil em 734 municípios brasileiros. Os números oficiais de famílias sem direito pleno à moradia leva a cerca de seis milhões, mas o Data Favela estima em 12 milhões, “algo entre 10 e 23% da população brasileira vive com algum tipo de inadequação habitacional, isso fora as famílias que precisam receber uma unidade totalmente nova”, explicou Ricardo.
Gouvêa também trouxe referências de acúmulo e de experiências para enfrentar o problema da falta de moradia, bem como: a legislação brasileira, respeitada internacionalmente, os capítulos 182 e 183, estabelece a função social da propriedade, que depois foi regulamentada pelo estatuto da cidade. Exitosas experiências de políticas públicas, mesmo com fragilidades, mas pode ser uma referência o Minha Casa Minha Vida, um programa do Governo Federal, lançado em 2009, que facilitou o acesso à moradia no Brasil. O programa produziu 4 milhões de unidades habitacionais no decorrer da vigência do programa. Dessas unidades, quase 2 milhões para as populações empobrecidas. Ricardo lembrou que pela primeira vez no país, foi colocado um subsidio expressivo para que as populações mais pobres pudessem ter acesso à moradia. Por fim, Gouvêa trouxe a luta organizada dos movimentos populares, com pautas definidas e também de produção de moradias, pois os movimentos urbanos e rurais produziram no Minha Casa Minha Vida cerca de 400 mil unidades habitacionais.
Por moradia, acesso à cidade e presença evangelizadora da Igreja
Benedito Roberto Barbosa (Dito) lembrou que mais de 85% da população brasileira vive na cidade. Segundo Dito, nos últimos 60 anos, as cidades sofreram profundas transformações com o aumento da pobreza urbana, das favelas, da concentração populacional, do aumento da pobreza e da violência e a expansão das periferias. “Daí a necessidade de uma presença evangelizadora, atuante da Igreja junto às favelas, aos cortiços, junto à população em situação de rua, pois nesses espaços muitas vezes estão ‘consagrados’ pelos conflitos, onde nossa juventude sofre a violência da remoção e despejos e a violência policial”. Dito recordou, também, a fala do papa Francisco no Encontro Mundial dos Movimentos Populares, em 28 de outubro de 2014: “Digamos juntos, de coração: nenhuma família sem casa, nenhum camponês sem terra, nenhum trabalhador sem direitos, nenhuma pessoa sem a dignidade que o trabalho dá”.
Para terminar, Dito lembrou a articulação da campanha Despejo Zero que atualmente mobiliza mais de 170 organizações em todo o Brasil, no campo e na cidade, com o objetivo de lutar para que as famílias não percam suas moradias, sobretudo no período da pandemia. Ele lembrou o apoio da CNBB, na realização da incidência junto ao Superior Tribunal Federal para a suspenção dos despejos no Brasil. De acordo com Dito, há mais de meio milhão de famílias ameaçadas de remoções em todo o país. Por fim, ele acredita que uma articulação Nacional da Pastoral da Favela e Moradia poderá contribuir para o que não ocorram os despejos e remoções.
Presença da Igreja nas periferias
Frei Marcelo Toyansk trouxe a provocação sobre à presença frágil da Igreja nas periferias e no mundo urbano. A partir da articulação nacional de uma Pastoral da Favela e Moradia, segundo o frei, a atuação eclesial poderá empoderar e organizar as comunidades nas periferias e fortalecer a luta por direitos plenos. Ele reforçou que entre 10 e 12 milhões de famílias vive em favelas e cortiços, isso pode chegar a cerca de 60 milhões de pessoas vivendo e espaços precários. Trouxe os exemplos das capitais Recife (PE) e Rio de Janeiro (RJ), em que 30% da população vive nas favelas e ou cortiços. Nesse contexto, o frei recorda que não há uma pastoral orgânica, evangelizadora, sociotransformadora da Igreja. Perante esse cenário, lembrou Toyansk, a partir de um caminho construindo de diálogo e formações mobilizadas pela 6ª Semana Social Brasileira, iniciou o processo de articulação de uma Pastoral que possa incidir para dentro da Igreja, e em saída, com a sociedade. Para isso, por meio do frei, a equipe executiva provisória que vem articulando esse debate, apresentou à Cepast três encaminhamento par ser apreciado: 1) Formalizar uma Pastoral Nacional da Favela e Moradia; 2) Propor uma Campanha da Fraternidade, com o tema moradia e direito à cidade; 3) Continuar a presença, interlocução junto ao Conselho Nacional de Justiça, na prorrogação dos despejos e remoções das famílias, que está até 31 de outubro de 2022. Vale ressaltar que, segundo levantamento da Campanha Despejo Zero, entre março de 2020 e o ano de 2022 houve um aumento de 655% no número de famílias ameaçadas.
Apreciação dos participantes
Alessandra Miranda lembrou que há diversos materiais produzidos por dioceses a arquidioceses atuam com a Pastoral da Moradia ou Favela. Os materiais são: círculos bíblicos, cartilhas como organizar a Pastoral.
Alessandra sinaliza ser importante e potencializar esse material no âmbito nacional, para favorecer a criação de uma pastoral orgânica e para fortalecer as já existentes e ressaltou a importância em prosseguir com a equipe provisoria para o fomento da possível Pastoral da Moradia e Favela.
Dom José Valdeci Mendes Santos agradeceu a partilha, a troca de experiência e ressaltou que as informações trazidas enriquecem a Cepast. Sugeriu levar o debate para o Conselho Permanente da CNBB e levar adiante o debate sobre uma Campanha da Fraternidade.
Daniel Seidel lembrou que nas últimas Diretrizes da CNBB, a questão urbana foi potencializada, mas que, provavelmente devido à pandemia, o debate saiu de foco. Sugeriu colocar o debate na Assembleia da CNBB e pensar como processo, pois essa proposição poderá ser um fruto concreto da 6ª SSB. Seidel salientou a importância de um encontro nacional para a articulação, pois, segundo ele, a presença da Igreja, nas periferias, nas favelas, nas ocupações é muito frágil. E, por fim, lembrou o padre Thierry Linard (in memorian) que foi quem colaborou na elaboração do Documento.
Dom José Reginaldo Andrietta lembrou que atuou nesse contexto das favelas, periferias e luta por moradia quando esteve em Campinas (SP). O bispo agradeceu a presença dos representantes da equipe provisória da Pastoral da Favela e Moradia e ressaltou a clareza das proposições. Destacou a importância da incidência para: o prosseguimento da suspenção dos despejos e remoções no Brasil, somando-se à Campanha Despejo Zero; o avanço na articulação de uma possível Pastoral da Moradia e Favela; a mobilização para a realização de uma Campanha da Fraternidade e, por fim, a sistematização de informações sobre a realidade das favelas e o não acesso à moradia para se ter um diagnóstico aprofundado, para uma atuação em políticas públicas. Andrietta lembrou que nessa ação é preciso ter presente o campo e a cidade. Sugeriu também, para se tenha a presença de bispos dos regionais como representantes dessa temática na Cepast. Por fim, sugeriu prosseguir com a articulação trabalho para teto e moradia.
Dom Francisco Cota de Oliveira trouxe a importância de estender o debate referente ao uso da nomenclatura “periferias urbanas”, “moradia” e “favelas”. Ressaltou a carências e ou fragilidade de políticas públicas para responder essa necessidade. Com isso, ele sugeriu uma Comissão Especial para poder incidir diante da complexidade que que o tema traz.
Jardel Lopes sublinhou que a moradia e a realidade das favelas, são temas complexos a serem debatidos. Ele ressaltou que com a criação da Pastoral da Favela e Moradia ajuda a fortalecer os movimentos populares que estão à frente nessa luta. E salientou que uma Pastoral nesse contexto poderá favorecer, com as demais Pastorais, uma ação de pastoral de conjunto. Segundo Jardel, há uma negligência da Igreja no anúncio da Palavra e na administração dos Sacramentos junto ao povo que vive nas periferias, nas favelas, cortiços, nas ocupações.
Daniel Seidel reforçou que esses são lugares de maior miséria e pobreza e há uma ausência total da Igreja. Para Seidel é “preciso fortalecer a luta do povo na conquista de seus direitos, a Igreja poderá ser uma presença organizada da nesses espaços, onde tem imperado a milícia. A constituição de um Grupo de Trabalho poderia abrir um processo de evangelização no mundo urbano”, afirmou.
Frei Olávio José Dotto alinhou, com os presentes na reunião, como encaminhamento: uma apresentação da proposta da criação da Pastoral da Favela e Moradia na Assembleia da CNBB e no Conselho permanente da CNBB que ocorrerá em outubro deste ano, assim como a articulação para que a Campanha da Fraternidade 2025, o tema seja referente à temática da moradia e favela, por fim reforçou a necessidade de se prosseguir a interlocução da CNBB junto ao Conselho Nacional de Justiça na questão dos despejos e remoções.